José Israel Vargas - Entrevista

Vargas quer ciência a serviço do ambiente

23 de maio de 2005

Cientista, Vargas destaca o pioneirismo do caráter democrático do sistema de controle ambiental mineiro e diz que transposição pode acabar sendo um elefante branco

Israel Vargas: quando não se tem programa de governo não se pode avaliar uma política ambiental


Criação, nos anos 70, da secretaria de Ciência e Tecnologia, em lugar da de Meio Ambiente.
A constatação era de que se a tecnologia e a ciência ou a tecnologia resultante da ciência eram as responsáveis pelas agressões ao meio ambiente, somente a utilização de tecnologias apropriadas poderia eliminar ou minorar estas ações. A idéia era que as tecnologias existentes ou as novas, que, eventualmente, fossem implantadas no estado, seja por geração própria ou por transplante, obedecessem a normas ambientais que levassem em conta esta questão da proteção do meio ambiente. A idéia era que a ciência e a tecnologia deveriam ser postas a serviço da solução dos problemas ambientais.


Prioridades iniciais do controle ambiental.
Nós nos concentramos, do ponto de vista da poluição, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ali estavam as grandes fontes de poluição como a Mannesmann, Itaú, Magnesita e, naturalmente, mineradoras, entre elas a MBR, que constituiu o primeiro teste importante da Comissão de Política Ambiental, a Copam. O órgão, inicialmente, tinha o papel de estudo e denúncia, porque não tinha, ainda, poder de polícia. Uma Fundação (a Fundação João Pinheiro, onde estava alocada a Copam) não podia punir, não podia aplicar multas, coisa que só veio ocorrer mais tarde, com a criação da Secretaria de Ciência e Tecnologia.
Concepção do sistema de meio ambiente de Minas
O sistema mineiro de proteção ambiental foi concebido a partir de duas dimensões. A primeira era que a ciência e a tecnologia deveriam ser postas a serviço da solução dos problemas ambientais. O segundo parâmetro, fundamental, era que a comunidade deveria participar através de três vertentes principais: primeiro, dos representante dos poluidores, que eram basicamente a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) e a Associação Comercial; segundo, dos representantes da comunidade científica e do setor protecionista do meio ambiente, aqui liderado, sobretudo, pelo dr. Hugo Werneck e, finalmente, o governo. A estrutura do setor ambiental adotada aqui em Minas tornou-se, um pouco, paradigma nacional. Quando nós iniciamos a atividade aqui, quando foi criada a secretaria, em 1977, havia dois organismos estaduais lidando com o problema ambiental. Um era a Cetesb, em São Paulo, e outro a Feema, no Rio de Janeiro. Mas, nenhum dos dois e, nenhum outro, posteriormente, adotou o caráter comunitário, aberto, de transparência, que foi adotado aqui e com a participação tripartite, dos protecionistas, dos poluidores e do governo.


Contradição entre o caráter democrático das instituições ambientais mineiras e o regime autoritário que governava o país em 1975.
As instituições mineiras nasceram assim porque o governador era democrático. Aureliano Chaves era um liberal e eu não estaria no governo dele se não fosse assim. Saí do Brasil em 1965, escapando do regime militar.


Criação da Feam,
em 1988.
Acho que foi um erro, porque o problema ambiental é demasiadamente complexo para que qualquer instituição, isoladamente, possa lidar com ele. Seria uma espécie de fundação do universo, porque todos os problemas ambientais são interativos: a relação do homem com a natureza e da natureza com ela própria e com uma evolução tecnológica muito rápida. Então, as pessoas de uma fundação como esta, como técnicos, são muito rapidamente superadas. A solução é ter uma comissão de política aberta a buscar assessoria onde ela existir, em qualquer lugar do mundo. A solução dos problemas ambientais não é meramente ato de vontade. São atos de vontade política. Mas você precisa ter um embasamento técnico, científico e econômico. Vejo na existência dessa fundação um certo retrocesso porque ela não é capaz de lidar com problemas complexos. É capaz de realizar estudos, reflexões, mas o embasamento técnico, que é condição para a solução dos problema, falta.
Meio ambiente no governo Lula
Primeiro, não percebo qual a proposição central da administração Lula. No momento em que você não tem um programa, não posso avaliar a política, porque as políticas não se tornam claras, nem transparentes. Por exemplo: vejo grandes discussões sobre a Amazônia. É preciso fazer um levantamento integrado da Amazônia. Fala-se nisso há anos, mas não se faz. É preciso conhecer os recursos com um grau de detalhe necessário a tornar o aproveitamento da Amazônia sustentável. Mas, para isso, é preciso conhecer.


Transposição do Rio São Francisco
Gostaria que a posição de Minas Gerais e dos estados que fazem objeção à transposição tivesse um embasamento cientifico  mais sério. Transformar o Cerrado em fronteira agrícola implica em gerar solo. Ao gerar o solo, você diminui a permeabilidade do Cerrado. Então, a quantidade de água que chega à calha do São Francisco seguramente está diminuindo. E os dados das diferentes estações e barragens indicam que nos últimos 50 anos, o volume de água foi reduzido entre 10 a 20%. São números indicativos. Então, há uma dúvida quanto ao futuro. Será que não teremos mais água para transplantar dentro do horizonte dos grandes sistemas ecológicos e ambientais, que podem ser horizontes bastante longos, mas,  também, relativamente curtos?
 Se for, por exemplo, 50 anos, é um prazo muito curto para investimento em obras de engenharia. E você pode ficar com um elefante branco nas mãos. Então, eu sou favorável à recuperação da bacia do São Francisco, ao replantio da mata ciliar, que vem sendo destruída, a uma moderação no uso agrícola do Cerrado.
Há uma série de medidas que precisam ser quantificadas É preciso de ciência nesse tema, mediante estudos mais sólidos do que os que têm sido citados. Em um certo sentido, o governo está colocando o carro na frente dos bois.
Eu ouvi declarações do ministro Ciro Gomes de que será desviado 3% do volume das águas do rio. Muito bem, pode ser que 3% sejam toleráveis. Mas estas coisas precisam ser demonstradas cientificamente e economicamente.