Manual da observação

23 de maio de 2005

Como observar aves, identificá-las, estudá-las e curti-las

 1. O observador de aves
Uma forma muito interessante e prazerosa de lazer é a observação das aves. Sem sombra de dúvida, ver aves, principalmente em estado selvagem, representa uma dádiva e uma rara oportunidade de refletirmos sobre o sentido da vida, porque elas representam a liberdade com o seu potencial de vôo e fácil locomoção, bem como a beleza. Aquele que tem esta oportunidade e consegue, apreende o seu significado torna-se um privilegiado.
Se você tem acesso a uma área natural preservada, melhor ainda, pois aí sim suas chances de observar mais espécies aumentam. Quanto mais selvagem o local de observação mais espécies poderá ver ou ouvir.
A observação das aves pode se tornar, além de um passatempo muito agradável, um desafio ao observador, pois espécies é que não faltam para ser encontradas.
Então, se você é curioso e gosta da natureza, por que não observar as aves? Por que não se tornar um “birdwatcher”. É sim, ver os pássaros e por que não estudá-los também, já que estão em quase todos os lugares.
    Não se esqueça que no Brasil existem mais de 1.700 espécies conhecidas, e olhe que a Amazônia ainda não foi totalmente explorada.


 2. O que é necessário
   Ver aves até que não é tão difícil, a dificuldade é identificá-las. Para isso necessitamos muito estudo e dedicação. Evidentemente que se pode apenas observar as aves sem maiores compromissos, mas é natural que a pessoa comece a ficar curiosa com as aquelas não identificadas e com isso comece a estudar para “matar a curiosidade”. Deve-se lembrar que se sabe pouco de grande número de nossas aves, o que torna emocionante quando descobrimos algo sobre determinada espécie que não encontramos nos livros,  motivando assim  novas aventuras.
Para se observar e identificar aves é necessário ainda:
– Roupas de cor neutra: de preferência verde no caso de observação na floresta ou cáqui no caso de campo, para não assustar os pássaros e facilitar a aproximação;
– Binóculo: com aumento de 7, 8 ou 9 vezes;
– Lista de aves do local [Checklist]: alguns lugares, parques e reservas já possuem lista de sua avifauna, o que ajuda a observação porque permite identificar melhor e mais rapidamente as aves que são avistadas. Com a lista checada o observador poderá saber quantas espécies viu naquele dia.
– Caderno de anotações: para as anotações e posterior estudo da espécies de difícil identificação, ou pequeno gravador para registrar o que se está vendo.
– Botas: boas botas para se proteger de cobras, pois o observador está quase sempre olhando para cima ou distante na procura dos pássaros.
– Guia de campo:  é necessário levar a campo um bom livro de identificação, lembrando que deve ser escolhido o que tem o maior número possível da avifauna do ecossistema escolhido.
Se você não tem oportunidade de viajar para uma floresta ou campo distantes da cidade, não se aflija. Sempre há um parque perto de sua casa onde poderá passar horas observando. Se não houver, poderá fazer as observações em qualquer terreno desocupado que tenha um pouco de mato, ou mesmo naquele pasto abandonado no fim da rua.
Com certeza sempre haverá “pássaros esperando pelas suas observações”. Não desanime, pois a observação em si também não é difícil, apesar de exigir atenção e dedicação do observador.


3. Formas de observações
Normalmente a observação de aves pode ser feita de duas maneira:
– observação de espera: quando o observador fica parado em um determinado local por algum tempo, de preferência próximo a um lago ou rio ou de uma árvore com frutos, esperando que as aves da região apareçam;
– observação de percurso: quando o observador faz suas observações caminhando por uma estrada, trilha, picada, pelo campo etc.
Importante: caso você esteja fazendo uma observação de espera e for possível, providencie um abrigo, tenda ou esconderijo de observação, onde em silêncio poderá ter melhores condições de ver as aves, principalmente se está próximo a alguma fonte de água, como rios e lagos.
O esconderijo de observação pode ser desde um simples suporte com um pano “tipo camuflado” até uma sofisticada tenda de armação de ferro coberta de pano ou mesmo um abrigo de tijolo.


4. Como identificar as aves
     4.1.  Faça anotações
Vista a ave, deve-se anotar no caderno (ou gravador) as suas características como cor, tamanho aproximado, forma do bico, tipo de vôo etc, tudo com o auxílio do binóculo, companheiro inseparável do observador.
4.2. Grave as vozes das aves
Outro detalhe importante no processo de identificação é a vocalização, pois conhecendo-a a tarefa de identificação torna-se muito mais fácil, pois você pode constatar a existência de determinada espécie sem vê-la; basta conhecer sua voz. Para isso é necessário começar a gravar as vozes das aves com um gravador qualquer e, depois de identificá-las, tentar memoriza-las para a próxima vez que ouvi-la.
Lembre-se que as aves são divididas em famílias que possuem espécies, e cada família tem, geralmente, o mesmo “tipo de voz”, como por exemplo: os pica-paus (Picidae) são gritadores; os papagaios (Psittacidae) barulhentos etc. O que facilita saber de que família é a ave que está em processo de identificação.
     4.3. Visite museus e zoológicos
Um outro recurso importante ao alcance do observador é dar uma olhada no museu de História Natural ou de Ciências da cidade, no setor de ornitologia (estudos das aves), onde fatalmente encontrará auxílio no seu trabalho de identificação, ou ainda procurar ajuda de alguma entidade de ornitologia ou de observadores de aves experientes.
Poderá também visitar o zoológico de sua cidade para tentar reconhecer alguma ave que você viu e não conseguiu saber qual é, isto poderá ajudá-lo em seus estudos.


5. Atraia as aves
Você pode também curtir as aves em seu próprio quintal, sítio ou fazenda, basta fazer um comedouro ou bebedouro que várias espécies aparecerão, facilitando uma melhor identificação.
Em São Paulo, por exemplo, colocando-se frutas, com certeza aparecerão sanhaços (Thraupis sayaca),  sabiás-laranjeira (Turdus rufiventris), sabiás-poca (Turdus amaurochalinus) e os barulhentos periquitos-verdes (Brotogeris tirica).
Pelas quirelas de milho surgirão as rolinhas (Columbina talpacoti); com o alpiste o tico-tico (Zonotrichia capensis) e o coleirinha (Sporophila caerulescens), este se for próximo de algum terreno baldio com mata. Nos bebedouros podem aparecer várias espécies de beija-flores e a cambacica (Coereba flaveola).
Tudo isso na cidade de São Paulo, citada como exemplo. Imagine se você mora em alguma cidade menor do interior ou do litoral. Aí sim verá muito mais espécies no seu quintal.
    Não podemos esquecer que muitas aves imigram procurando outros lugares para passar o inverno, de maneira que muitas vezes não encontramos espécies que viviam em um determinado local em outra época do ano. Mas isto não impede a observação, pois basta estudar as espécies e seus “costumes” para saber quando e onde encontrá-las.


6. Conclusão
    Portanto, quem gosta da natureza e em especial das aves não precisa de muita coisa para se divertir e estudar, basta um pouco de curiosidade, amor à natureza, um binóculo e algumas anotações. Sim, apenas isso. Com estes ingredientes e um lugar que tenha alguma vegetação poderá aventurar-se no fascinante  mundo das aves.
Se você gosta das aves mexa-se. Vá a campo equipado e faça um comedouro ou bebedouro em seu quintal e curta a observação das aves. Pode ser, além de um excelente passatempo e lazer, um motivo importante de estudos.


 (*) Antonio Silveira Ribeiro dos Santos é criador do programa
A Última Arca de Noé
www.aultimaarcadenoe.com
Em 2001, edição 120,  parte deste texto foi publicado para ilustrar uma matéria sobre a observação de aves no Nordeste, numa entrevista com o presidente da  Observadores de Aves de Pernambuco, Gustavo Pacheco. Por um lapso da redação, não foi citada a fonte.