O pré-ambientalismo e o caso Itaú

Anos 70: o caso Itaú

23 de maio de 2005

Luta contra cimenteira de Contagem representou divisor de águas na história ambiental de Minas

O conflito da Itaú foi o primeiro no país a colocar em cheque a idéia de que poluição era sinônimo de progresso


O movimento contra a Itaú já durava mais de 20 anos. Dele participavam as famílias que moravam no entorno da fábrica, sindicatos dos trabalhadores da região e a Igreja Católica, cujos padres chegaram a participar de várias manifestações de protesto contra a empresa, que vinha sempre protelando a instalação dos filtros.
Na última queda-de-braço, entre o prefeito de Contagem e a direção da empresa, tudo indicava que a vitória na luta contra a poluição estava próxima. Em 13 de agosto, cinco dias após a edição do decreto que cassou seu alvará de funcionamento, a Itaú começou a suspender a produção da fábrica, operação que duraria sete dias.
O tempo foi suficiente para que a empresa recorresse a Brasília. Decreto do presidente Ernesto Geisel revogou a decisão do prefeito de Contagem e determinou que somente o governo federal tinha competência legal para suspender as atividades de empresas consideradas de interesse da segurança nacional, como as cimenteiras.
Com isso, o cronograma de desativação foi suspenso, assim como o decreto que cancelava o alvará de funcionamento. A instalação dos filtros, reivindicada pelos moradores das imediações, que chegaram a entrar na Justiça pedindo o fechamento da empresa, ocorreu somente cinco anos mais tarde, em 1980.


Símbolo de uma época
A terra de ninguém


A Itaú funcionou até 1988 quando, por razões econômicas e de logística, decidiu desativar sua unidade de Contagem. O esqueleto da antiga fábrica permaneceu no local, intacto, até o final da década passada, quando foi demolido. Por sugestão do então presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente – Feam, José Cláudio Junqueira, os empreendedores do novo shopping mantiveram de pé apenas as três chaminés da antiga fábrica de cimento – símbolos de uma época em que poluição era sinônimo de progresso.
O conflito da Itaú foi o primeiro no país a colocar em cheque a idéia de que poluição era sinônimo de progresso, defendida de maneira enfática pelo representante brasileiro na conferência sobre ambiente de Estocolmo, na Suécia, realizada em 1972. Até aquela data, o Brasil podia ser considerado uma verdadeira “terra de ninguém” na área ambiental.
A Cidade Industrial de Belo Horizonte e Contagem era a materialização desse tipo de pensamento. Nos anos 70, o ar da região estava impregnado de poluentes. Seu chão, constantemente recoberto por uma fina camada de pó, lançado, não só pela Itaú, mas também, entre outras, pela siderúrgica Mannesmann (hoje V&M Vallourec & Mannesmann). Sua poeira vermelha era vista de longe. Para quem vinha do interior de Minas, era o sinal de que a viagem estava chegando ao fim.
Também de longe se avistava o céu enegrecido da poluição causada pelas siderúrgicas Usiminas, Acesita e Belgo-Mineira, no Vale do Aço, o grande complexo siderúrgico localizado cerca de 200km a Leste de Belo Horizonte. Hoje, segundo informação da Fundação Estadual do Meio Ambiente – Feam, as três empresas operam segundo os padrões de emissão de poluentes fixados pela legislação ambiental. O mesmo ocorre na V&M, cuja fumaça vermelha não é mais vista nos céus da Cidade Industrial.
Na Minas do início da década de 70, ainda não havia entidades ambientalistas não-governamentais; o estado não possuía qualquer órgão que fiscalizasse e punisse as empresas que degradavam o meio ambiente. Tampouco havia como punir, já que também não havia leis que fixavam padrões para o lançamento de efluentes no ar.


Descaso de Rondon Pacheco
Em pleno “milagre econômico”, quando o estado registrava índices de crescimento superiores ao do país, o então governador Rondon Pacheco não se preocupou com a questão. Em 1974, ele chegou a vetar lei aprovada pela Assembléia Legislativa que criava o Conselho Estadual de Meio Ambiente. Na justificativa, alegou que a medida iria inibir o crescimento industrial do Estado. Ponto para a indústria, cuja entidade máxima de representação, a Federação das Indústrias no estado de Minas Gerais – Fiemg, tinha como símbolo, até bem pouco tempo atrás, uma fumegante chaminé.
A década de 60 era a época das leis que “não pegavam”. Um exemplo é o Código Florestal, que foi reformado em 1963, incorporando a necessidade de ser proteger as áreas de preservação permanente, como os topos de morros, as matas ciliares, que margeiam os cursos d’água, e as áreas com declividade superior a 35 graus.
De 1960 era a Lei Federal 2.126, que definiu padrões para o lançamento de esgotos domésticos e industriais nos cursos d’água e deu prazo de um ano para que as indústrias e prefeituras se adequassem à norma vigente.
Na prática, nenhuma das leis “pegou”. Até hoje, o Instituto Estadual de Florestas – IEF luta para impedir a destruição das áreas de preservação permanente no estado. E somente nos anos 90, a opinião pública acordou para o verdadeiro crime ambiental que eram os “lixões” e o lançamento, sem qualquer tipo de tratamento, de esgotos domésticos e industriais nos cursos d’água.