Água como direito humano e bem público
18 de julho de 2005A água é um dom de Deus. Ter acesso ou não ter acesso à água significa decidir sobre a vida e a morte
À esquerda: D. Odilo Scherer, secretário-geral da CNBB, Samuel Lutz (de gravata vermelha) presidente do Conselho Sinodal da Igreja Reformada de Berna, o Bispo suíço Peter Henrici; e Irène Reday, vice-presidente da Confederação das Igrejas Protestantes da Suíça. À direita, Albert Rieger, responsável pelo setor da Igreja Reformada de Berna que cuida das relações ecumênicas, o ambientalista Franklin Frederick, o pastor Ervino Schmidt, secretário-geral do Conic, e o bispo Adriel de Souza Maia, presidente do Conic
1. Reconhecemos
— Que a água é um bem fundamental para a vida. Sem água não há vida. Ter acesso ou não ter acesso à água significa decidir sobre a vida e a morte do povo. A água é um dom de Deus. Ele a coloca à disposição de todos. Pede o seu uso responsável para que todos tenham vida em abundância. Por causa da vida, a água é um bem comum, que não pode nem deve ser privatizado.
— Que o acesso à água é um direito humano. O “direito a uma alimentação adequada” é definido pela ONU, tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948 (Art. 25), como no “Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, em 1966 (Art. 11). À luz desse direito, reconhecemos que as mulheres devem merecer uma atenção especial frente aos problemas e sacrifícios que enfrentam. Em muitos países, elas, juntamente coma as crianças e as jovens, são responsáveis pela provisão e pelo abastecimento da água. Essa tarefa acarreta conseqüências e danos para a sua saúde. Igualmente, impede que as adolescentes e as crianças freqüentem a escola.
— Que a água tem um significado espiritual. A água não é apenas um bem econômico, mas possui um significado social, cultural, medicinal, religioso e místico. No relato da criação, lemos que “o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gen 1,2). Através de Moisés, Deus providenciou água para o seu povo peregrino no deserto. Para nós cristãos, a água no batismo tem uma força simbólica: “Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16,16). Para muitos povos e muitas culturas, a água tem um caráter sagrado, está ligada às tradições e exerce uma função comunitária e ritual.
— Que a água tornou-se escassa para muitas pessoas. Escassa devido ao alto consumo per capita e ao crescimento populacional, bem como escassa devido ao uso inadequado e ao desperdício da água. Escassa por causa do desmatamento e da destruição do solo e das reservas hídricas. Essa realidade demanda um cuidado especial e uma definição urgente para que a água seja uma prioridade colocada a serviço da vida e do consumo humano.
2. Exigimos
— Que a água seja reconhecida como um direito humano como parte integrante do direito à alimentação adequada. Esse direito deve ser respeitado por todos os setores da sociedade, em nível local e global. Cabe ao Estado uma responsabilidade especial, consignada no “Comentário Geral” n° 15 do Comitê das Nações Unidas para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e nas “Diretrizes Voluntárias para o Direito à Alimentação” no contexto da segurança alimentar nacional, especialmente a Diretriz 8c (Água), da comunidade das nações, ratificadas pela FAO em novembro de 2004. Essas responsabilidades e direitos devem prontamente ser postos em prática.
— Que a água seja considerada e tratada como um bem público. O Estado deve garantir o acesso à água potável para todos, o que implica em: preço acessível da água para todos; obtenção de recursos técnicos e financeiros; participação das comunidades e entidades locais nas tomadas de decisão no que diz respeito ao uso dos recursos hídricos existentes. Água como bem público obriga o Estado a regular o uso dos recursos hídricos através de meios pacíficos, para que o direito à água seja para todos, inclusive para as populações de países vizinhos.
— Que sejam definidas prioridades legais para o uso da água. Em primeiro lugar está a dessedentação de pessoas e animais e o fornecimento de água para a produção de alimentos. Isso exige uma política ambiental dentro do espírito de solidariedade entre comunidades, regiões e povos.
— Que o direito humano à água tenha um marco legal através de uma Convenção Internacional da Água, a ser definida pelas Nações Unidas.
3. Comprometemo-nos
— Convidar nossas Igrejas, comunidades eclesiais, entidades ecumênicas e organizações sociais a apoiarem essa declaração e a orarem pela causa da água em nosso planeta.
— Motivar, com a ajuda dos movimentos sociais interessados e as ONGs do Brasil e da Suíça, a opinião pública, os partidos políticos e a população de nossos países a se engajarem nas causas dessa declaração e a se oporem às políticas e às manobras para a privatização da água.
— Exigir que os governos de nossos países se comprometam em assumir o direito humano à água e a declarar a água como um bem público mediante uma legislação adequada, bem como a envidar esforços e a se empenhar na criação da Convenção Internacional da Água no âmbito da ONU.
Freiburg, 22 de abril de 2005.
Bispo Adriel de Souza Maia – Presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
D.Odilo Pedro Scherer – Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB
Irène Reday – Vice-Presidente da Confederação Suíça de Igrejas Evangélicas – SEK
Dom Peter Henrici – Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz da Conferência dos Bispos da Suíça – SBK