Cultura e Meio Ambiente

Música e ecologia: casamento perfeito

18 de julho de 2005

Guitarrista quer passar para os jovens suas preocupações com a natureza

Kiko Loureiro, do Angra, um dos maiores guitarristas brasileiros e do mundo


 


 


FMA – O último trabalho do Angra, Temple of Shadows,  parece ter seguido essas máximas da milenar sabedoria chinesa, contando a saga de um herói na época das cruzadas. Como você se sente como um artista que tanto influencia a juventude?
Kiko Loureiro – Me sinto com cada vez mais responsabilidade. Quando começamos, eu tinha 19 anos e o público que estávamos atingindo também estava nesta faixa de idade. Fui ficando mais velho, mas o público continuou na mesma faixa etária. Hoje em dia temos fãs até mais novos ainda, com seus 11 e 12 anos. Daí a diferença de idade é praticamente “de pai pra filho”. Por isso tenho uma grande preocupação no que falo e como ajo perante o público. Nossas letras são positivas e de esperança, com crítica e certa contestação implícita. Gosto de passar para estes fãs adolescentes o quanto de dedicação, vontade, busca da perfeição, determinação, amor e profissionalismo temos quando fazemos nosso trabalho. Sei que, por sermos músicos, artistas, esses fãs nos tem por referência. Nos ouvem todos os dias. Sei que isso é uma força tremenda. Demorei um pouco para perceber isso, mas hoje tenho consciência que nossas atitudes, nosso comportamento, nossas palavras acabam tendo grande repercussão e aceitação. Isso é muito sério.


FMA- Você estudou biologia. Até onde vai sua preocupação com o meio ambiente?
Kiko – Numa oportunidade comi uma carne no Japão e depois vim a saber que era carne de baleia. Fiquei incomodado com isso, pois todos nós sabemos o absurdo que é quando navios japoneses vêm para os nossos mares caçar baleias. Recentemente estive na Austrália e comi canguru, mas como não fazia idéia achei melhor perguntar. Eu tenho enorme preocupação com o meio ambiente, sempre fui ligado à natureza. É verdade, eu cursei biologia na USP. Não terminei a faculdade devido meus trabalhos com música. Para quem viaja bastante e vê como é tratada a questão do meio ambiente na Europa ou Japão fica chocado quando entra no Brasil.


FMA – Apesar do grupo fazer um trabalho de metal melódico, muitos podem pensar que o heavy-metal sugere metrópole, era industrial. Como o grupo americano Stratovarius, vocês pensam em abordar mais diretamente a  questão ambiental?
Kiko – Várias bandas escandinavas também têm temas e situações mais forte em defesa da natureza. Mas também vai muito do lugar onde vivem e, sobretudo, da educação. É uma boa sugestão, buscar temas e ensinamentos mais positivos nesta luta pela questão ambiental.


FMA – Na sua última turnê pela Europa e Ásia, com o Angra, o que você pode observar sobre esta questão ambiental?
Kiko – Desde 1993, quando fui pela primeira vez à Europa, me surpreendeu sobretudo o tratamento com o lixo. Tudo é reciclado. Há coleta seletiva, em qualquer lugar tem as divisões para papéis, latas, vidros, orgânicos. Virou hábito das pessoas  separar cada tipo de lixo. No Brasil nós temos que aprender, incentivar e promover essa mudança de comportamento. O consumo, e não só a produção, também que ser sustentável. E ainda tem a questão da poluição visual, a poluição sonora. A qualidade de vida está em viver num ambiente bom, alegre e saudável. E, como no Brasil, e outros países da Ásia vejo também a questão da miséria. Essa é uma poluição social, uma poluição que agride a todos nós como seres humanos, num mundo que gasta trilhões com armas e guerras.
Recentemente fui à Tailândia e pude notar o mesmo descaso que vemos aqui. Vi canais bonitos com aquelas garrafas plásticas de PET boiando, os rios poluídos como aqui o nosso Tietê. Acho que a questão do saneamento das cidades é muito grave nos países em desenvolvimento. Sem tratar esgoto, sem investir em saneamento as doenças aumentam e os rios vão se poluindo cada vez mais.
Todas as soluções estão em duas direções: investimentos na busca de tecnologias limpas e na educação. O mundo todo acaba de comemorar os 60 anos do final da Segunda Grande Guerra e esta lição todos nós temos que guardar: as nações têm que ser mais tolerantes, os homens têm que ser mais éticos e a vida têm que ser mais respeitada.
 
FMA – Que mensagem você deixa para seu público?
Kiko – Temos que estar muito atentos em produzir de forma sustentável, de consumir respeitando o meio ambiente, de ter respeito com a natureza, proteger a biodiversidade. Isto estou falando no sentido de cada um, de cada indivíduo, de cada família fazer a sua parte. O maior desafio é mudar essa mentalidade de que a água é abundante, a energia é abundante, os recursos naturais são abundantes e nunca vão acabar. A cultura da abundância tem que mudar. Não cabe mais o desperdício, a falta de educação em relação ao lixo. Tudo isto no dia-a-dia de casa, do trânsito, do uso dos bens públicos. Esta consciência deve fazer parte dos ensinamentos ainda quando crianças. E outra coisa, as pessoas têm que cobrar uma das outras ações responsáveis. Se um joga lixo na rua ou na praia, quem vê, quem está ao lado deve se inconformar e até cobrar uma atitude correta. Essa cobrança pode ser com um simples olhar.  O fato é que quem constrói, quem vai fazer esse mundo melhor somos nós mesmos.
Todas as soluções estão em duas direções: investimentos na busca de tecnologias limpas e na educação.