Estradas clandestinas na Amazônia

Amazônia: 95 mil km de estradas ilegais

19 de agosto de 2005

Os campeões de estradas ilegais são os municípios de São Felix do Xingu e Novo Progresso, no Pará.

A extensão total dessas estradas “construídas” corresponde a 27 viagens de Belém a Porto Alegre no extremo sul do País. É a Amazônia ilegal cujo mapa rodoviário, disponível em documentos oficiais, não tem assento em bancos escolares de áreas rurais no Pará. Construídas basicamente pela atividade madeireira e garimpeira, na avaliação dos pesquisadores do Imazon, “a abertura dessas estradas freqüentemente facilita a grilagem, o desmatamento, a exploração predatória de madeira e a ampliação dos conflitos pela posse da terra”. O estudo aponta para a maior concentração dessas estradas na Terra do Meio. As duas maiores estão nos municípios de São Felix do Xingu e Novo Progresso, sul e sudoeste do estado no Vale do Xingu.
215km de estrada
No sul do Pará, entre o rio Xingu e a BR-163 (Santarém-Cuiabá) está a maior estrada ilegal com 215km “construídos” pelos madeireiros para ter acesso às florestas primárias da região central do Xingu. Uma vez exauridos os recursos florestais de valor comercial em terras públicas ocupadas de forma ilegal a destinação natural é a pecuária extensiva e, no rastro do boi, a soja.
Na região sudoeste à Rodovia do Ouro, com 180km, abertos por garimpeiros, vai de Novo Progresso (BR-163) em direção ao Estado do Amazonas. Rasgada na década de 80 a Rodovia do Ouro permite o acesso as jazidas de ouro na Bacia do Tapajós e o saque de outros recursos da flora e fauna amazônica. Monitoramento recente do Greenpeace revela o aumento para 500km dessa estrada, rasgando a “Terra do  Meio” na direção  norte, até  a rodovia Transamazônica.
 O estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia-Imazon teve como base o monitoramento de imagens de Satélite Landsat, o mapa de estradas do IBGE e da Secretaria Estadual de Transportes (Setrans) em nível estadual. O Imazon, para identificar e mapear as vias ilegais, utiliza o satélite Landsat, que produz mapas em uma escala de 1:50.000. Esses dados são cinco vezes mais detalhados do que os fornecidos pelo sensor que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-Inpe usa para medir o desmatamento oficial da Amazônia.
Segundo os pesquisadores do Imazon, Carlos Souza Jr, Amintas Brandão, Anthony Anderson e Adalberto Veríssimo as análises das chamadas estradas endógenas (ou não oficiais) foram feitas “comparando as imagens digitalizadas com o mapa do IBGE, foi possível distinguir as principais estradas oficiais das estradas endógenas. Em seguida, o incremento das estradas endógenas foi digitalizado para o período 1991-1995 e 1996-2001. Dessa maneira, mapeamos as principais estradas endógenas da região”.
A meta central da pesquisa foi à região Centro-Oeste do Pará porque, segundo o Imazon, o desmatamento nessa região vem avançando de forma assustadora desde o início da década de 90. Tudo impulsionado pelos sojeiros, a expansão da pecuária extensiva, agricultura e o incremento do setor madeireiro apoiado em cinco pólos madeireiros: Santarém, Itaituba, Novo Progresso, Altamira e Uruará.  A expectativa gerada nesses pólos contribui para a abertura de estradas ilegais por fatores como a abundância de florestas, a existência de terras devolutas que incentiva a grilagem de terras e, a perspectiva de asfaltamento da BR- 163 (Cuiabá-Santarém).
 Em 2001, dados contabilizam mais de 50 mil m3 de madeira/mês escoada por essas estradas apoiadas na imensa rede hídrica na região.


Muita cobiça


A Terra do Meio é hoje a região mais cobiçada na Amazônia por abrigar uma riqueza incalculável da biodiversidade e a madeira nobre da floresta: o mogno, cujo valor no mercado internacional alcança até 1.800 dólares o metro cúbico. No vale do Xingu está a maior grilagem de terra (7 milhões de ha) engendrada pelo megagrileiro CR Almeida que até hoje desafia a justiça do Pará. Na Terra do Meio também estão as raízes malignas da Máfia do Mogno que na década de 80 chegou a faturar 1 milhão de dólares/dia, fruto da exploração ilegal de mogno em áreas indígenas.
Neste quadro de devastação causada pela abertura das estradas chamadas não oficiais, é necessário alertar que, além dos recursos florestais cobiçados por madeireiros, as estradas servem de referência e acesso a toda sorte de crimes na Amazônia.


No vale do Xingu está a maior grilagem de terra (7 milhões de hectares) engendrada pelo
empresário CR Almeida, um megagrilheiro que até hoje desafia a justiça do Pará.


 


 


Estradas e crimes


Esses crimes vão desde agressões ao meio ambiente como queimadas e desmatamentos ilegais, tráfico de animais e biopirataria, destruição dos valores culturais e históricos nessas áreas rurais até a construção de pistas de pouso para  suporte do tráfico de drogas. As estradas clandestinas facilitam também o uso ilegal de agrotóxicos em áreas agrícolas, plantio de soja, a expansão da pecuária extensiva e até o trabalho escravo.
O Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho libertou, em 2003, 716 trabalhadores escravos, em 26 fazendas, a maioria no município de Marabá. E, em 2004, foram libertados 130 trabalhadores em seis fazendas paraenses, todas no sul do Estado. Em todo o Brasil foram 4.943 trabalhadores libertados, 37% estavam no Pará, o que corresponde a 1.830 trabalhadores escravizados.  Prova cabal que as estradas ilegais abertas no meio da selva facilitam o recrutamento desses  “trabalhadores” para queimar e desmatar florestas nativas. Essa ïnfraestrutura favoreceu principalmente a pecuária. 
Nos últimos 20 anos, o sul do Pará teve crescimento do rebanho bovino de dois milhões para vinte milhões de cabeças.


 Migração
Outra questão preocupante é o número de migrantes nessas áreas abertas. As estatísticas sinalizam para uma densidade populacional que flutua entre cinco a quinze mil pessoas abandonadas à própria sorte. São em maioria analfabetos que sobrevivem em péssimas condições de vida.
Dados oficiais sobre a qualidade de vida dos habitantes da Amazônia, medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), revelam que a média dos estados da região (entre 0,65 e 0,77) foi inferior à média nacional (0,83) no ano de 2000.


summary


Amazon: 95 thousand kilometers of illegal roadways


This reality is a result of the absence of government, the lack of policies related to forestry, and rational land use in the Vale do Xingu. Researchers from the Instituto do Homen e Meio Ambiente da Amazonia (Imazon) used images from the Landsat Satellite to map out 105,544 km of roadways built in the Amazônia. Monitoring activities identified 95,355 km of illegal roadways, most of them made by the private sector and on public land. In the state of Pará (Eastern Amazon) alone, Imazon has identified 61,978 km of illegal roadways, or non-official roads, which are almost always built for illegal activity. The central west area of Pará, which was the main focus of this study, had 546 thousand km2 of its land mapped out, which is equivalent to 44% of the state. Even with this study having been expanded to include a total area of 1.3 million kilometers (28 % of the Legal Amazônia), researcher Amintas Brandão explains that “our objective is to map out the entire Legal Amazônia.”


The length of these roadways corresponds to 27 trips from the city of Belém in the northern state of Pará to Porto Alegre in the southernmost part of the country. This illegal Amazônia has its roadways mapped out in official documents but is not in the textbooks of the rural schools in the state of Pará. Mostly built by the woodcutting and mining businesses, “the opening of the roads frequently facilitates land squatting, slash and burn activities, predatory timber exploitation, and an increase in conflicts over land ownership,” state the researchers from Imazon. The study indicates there is a larger concentration of these roads in the Terra do Meio. The largest ones are in the municipalities of São Felix do Xingu and Novo Progresso, south and southeast regions of the state in the Vale do Xingu.
 These crimes vary from damaging the environment, such as illegal slash and burn activities, animal trafficking and biopiracy, destruction of historical and cultural values in these rural areas, to the building of runways for drug trafficking activities. These illegal roads also facilitate the illegal use of agrotoxic chemicals in these rural areas, soy planting, the expansion of cattle raising and even slave labor.
In 2003, the Ministry of Labor liberated 716 slave laborers on 26 farms, most of them in the municipality of Marabá. In 2004, 130 slave laborers were freed from six farms in the south of the state of Pará. In the nation as a whole, 4,943 slave workers were freed, of which 37% were from the state of Pará (1,830).
This is proof that the illegal roadways open in the middle of the forest facilitate the recruitment of these ‘workers’ to perform slash and burn activities in the native forest. This ‘infrastructure’ was especially beneficial for cattle raising. In the last 20 years, the cattle in the southern part of Pará increased from two million to 20 million heads of cattle.
Anther concern is the number of migrants in these areas. Statistics show that the population fluctuates between five to fifteen thousand people having to fend for themselves. Most are illiterate and survive in horrible living conditions. Official data about the living conditions of the inhabitants in the Amazônia from the Índice de Desenvolvimento Humano (IDH -Human Development Indexes) showed that the average of the states in the region (between 0,65 and 0,77) was below the national average (0,83) in the year 2000.


Madeireiros e garimpeiros


 As estradas clandestinas servem de referência e acesso a toda sorte de crimes na Amazônia.
 Facilitam as queimadas, o desmatamento, a construção de pista de pouso para suporte do tráfico de drogas, o uso ilegal de agrotóxicos em áreas agrícolas, o plantio de soja, a expansão da pecuária extensiva e até o trabalho escravo.


 


 


Segundo dados do Imazon até 1990, na região Centro-Oeste do Pará as ditas estradas endógenas ou não-oficiais somavam 5.042km. A expansão nos últimos 15 anos foi assustadora: em 1995 aumentou para 8.679km e em 2001 pulou para 20.796km. Agora em 2005 atingiu a marca da casa dos 60 mil quilômetros. Diferente da região Transamazônica onde a maioria das estradas é fruto da colonização, os campeões de estradas ilegais os municípios de São Felix do Xingu e Novo Progresso no sul e sudoeste do Pará são originados da atividade  madeireira e garimpeira.
 Os pesquisadores do Imazon asseguram que as áreas protegidas têm conseguido impor um freio na abertura de estradas endógenas. Os dados mensurados na pesquisa revelam que o avanço dessas estradas é duas vezes a três menor nas áreas protegidas do que nas áreas não protegidas. Na apresentação dos resultados do estudo o Imazon para mitigar esses impactos recomenda: fiscalização prioritária nos locais mais críticos das estradas endógenas; criação de novas áreas protegidas, especialmente Unidades de Conservação, e regularização fundiária.   (EG)