Energia limpa

Economia e meio ambiente ganham com o Gasoduto Bolívia-Brasil

8 de agosto de 2005

Cinco estados terão energia mais limpa, com promissoras mudanças na matriz energética

Essa é uma obra de fôlego: ela está presente diretamente em 135 municípios brasileiros, atrai trabalhadores de cinco países, requer um investimento de US$ 2 bi  e é a maior obra que se realiza atualmente na América do Sul. A primeira fase do Gasoduto Bolívia-Brasil, inaugurado dia nove pelo presidente FHC,  sai de Santa Cruz de La Sierra, na Estação de Rio Grande, na Bolívia, e chega até Guararema, São Paulo. Tem 1.970 km de extensão. Na segunda fase, até Porto Alegre, a ser inaugurada em outubro, o gasoduto completará 3.150 km de extensão. Segundo o presidente da Petrobras, Joel Rennó, esse é um investimento que vai mudar definitivamente a matriz energética brasileira, com benefícios incalculáveis.


À medida que os tubos vão passando por cada um dos 135 municípios ou por cada uma das 22 aldeias indígenas, a economia da região vai se transformando, os hábitos das pessoas mudando e a esperança pelo melhor desempenho econômico e social aumentando.


Para se ter uma idéia desta transformação, basta lembrar que o gás boliviano substituirá, com muita vantagem, os combustíveis utilizados (carvão, lenha, derivados de petróleo). O gás natural será distribuído nos estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que respondem por 75% do PIB e por 82% da produção industrial.


Vantagens ambientais
Por propiciar uma queima limpa, com ausência de particulados (cinza produto da combustão) e por possuir baixíssimo teor de enxôfre, a utilização do gás natural diminui em muito a poluição atmosférica, quando comparado com outros combustíveis. E tem mais dois pontos importantes: 1) A utilização do gás natural agrega qualidade ao produto final, como no caso do vidro, porcelana e cerâmicas; 2) Pela sua maior eficiência de combustão e por dispensar o estoque e armazenamento, o gás natural proporciona muito mais economia para os segmentos industriais que o utilizam.


Gás natural é fonte de energia econômica e limpa


Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, o gás boliviano vai possibilitar a construção de duas termelétricas. Uma em Corumbá (com 150 MW) e outra em Campo Grande (com 300 MW). Evidente que o quadro econômico sofrerá alterações imediatas, pois possibilitará o aproveitamento dos 621 milhões de toneladas da terceira maior reserva de minério de ferro do Brasil e dos 16 bilhões de toneladas de calcário existentes no Estado.
 Em São Paulo serão construídas duas termelétricas, uma que vai gerar 400 MW, em Guaracema, e outra com capacidade para gerar 750 MW, em Paulínea. E mais: já neste ano de 1999, ônibus e táxis paulistas terão que utilizar o gás natural como combustível, reduzindo os custos e a poluição no Estado.
A Volkswagen, já no ano que vem, colocará no mercado 14 mil Santanas movidos a gás.
Em janeiro do ano que vem, a Companhia de Gás de S. Paulo começa a atender os seus 290 mil clientes e estima que em três anos vai dobrar a venda de combustível.
Na região de Paulínia e Campinas, 250 indústrias se preparam para utilizar o gás vindo da Bolívia. Mais de mil indústrias deverão ser beneficiadas, tanto no processo produtivo como na geração de energia elétrica em suas unidades.


22 tribos indígenas entram no Plano de Compensação


Embora o traçado da obra não corte as terras indígenas, 22 aldeias situadas num raio de 30 km das obras e que sofrem influência do gasoduto, foram incluídas no Plano de Compensação à Comunidade. Das 22 aldeias, 18 (de etnia Terena) estão localizadas em Mato Grosso do Sul, uma aldeia (Terena e Kaigang) está em S. Paulo e as outras três (Guarani) estão em Santa Catarina. Assessorado pelo Articulador dos Direitos Indígenas e representante da FUNAI, Cacique Marcos Terena, (veja artigo de Terena ao lado) a equipe da Petrobras, comandada por Walter Shimura, viabilizou todos os acertos com as lideranças indígenas. A negociação foi tão competente e amigável que rendeu a Shimura um presente-símbolo: um exemplar do Novo Testamento na língua terena, acompanhado de um dicionário Português/Terena.


Caminhando em direção ao futuro


Marcos Terena*


Os Povos Indígenas sempre foram ricos na sua forma de viver. Um dia porém, chegou o homem branco e suas ricas promessas para um mundo melhor e inúmero presentes. Ao longo do tempo, logo após esses primeiros contatos, fomos transformados em “selvagens”, “preguiçosos” e até “obstáculos ao desenvolvimento”, carentes e dependentes de tudo.


No Brasil esse relacionamento errado trouxe um impacto tão forte que conseguiu dizimar centenas de povos que viviam felizes no meio da selva. No ano de 1996, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Andino de Fomento, apresentaram junto com a PETROBRAS, a FUNAI e o IBAMA, o grande projeto Gasoduto Bolívia-Brasil a todas as lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul, São Paulo e Santa Catarina, como o mais moderno sistema de condutores de gás e necessário para o desenvolvimento e a modernidade do nosso País. Ao atravessar esses estados, lá estavam de novo, diversas comunidades indígenas. Numa linha de pensamento costumeira, era necessário o chamado “pagamento de indenização”, os índios porém não queriam uma simples indenização, mas conversar, sentar numa mesa de negociação, conhecer melhor o desenvolvimento que chegava e, acima de tudo, demonstrar que o dinheiro acaba, mas o povo não.


Assim nasceu o Plano de Desenvolvimento dos Povos Indígenas do GASBOL.  Numa primeira oferta de U$ 150 mil, as 22 aldeias apresentaram uma demanda de U$ 2 milhões e, após um último acordo, chegaram a um pacote de empreendimentos final de U$ 1 milhão. O importante de tudo isso, como sempre salientaram as lideranças, foi demonstrar a capacidade que os povos indígenas tem de falar, de contestar e de contribuir quando são ouvidos, quando são respeitados, numa perspectiva de que todo e qualquer projeto no futuro deve caminhar nesse sentido. Não dos planos mirabolantes dos tecnocratas em seus gabinetes, mas daqueles construídos a partir de uma negociação sem intermediários e aparentemente demorada junto a cada comunidade, pois a caminhada indígena ao longo do tempo, foi em direção ao futuro. Não basta sobreviver, mas há que viver melhor!


* Marcos Terena é assessor da Funai, Articulador dos Direitos Indígenas e integra o Conselho Editorial da Folha do Meio.