Lovejoy: biodiversidade é biblioteca de vida
28 de setembro de 2005O biólogo Thomas Lovejoy participou do fórum Universidade do Conhecimento, na Universidade de São Marcos-SP, e falou de biodiversidade, do Katrina e do Brasil.
Fotos: Lailson dos Santos
O biólogo Thomas Lovejoy fez uma concorrida palestra na Universidade São Marcos-SP,
dentro do fórum permanente Universo do Conhecimento, sobre biodiversidade
Folha do Meio – Qual a amplitude do termo biodiversidade?
Lovejoy – Nós temos que pensar na biodiversidade através da lente da evolução em que uma única espécie dá origem a muitas outras em uma radiação evolucionária. Podemos pensar, também, como o número total de espécies no planeta Terra. Mas o que é certo, mesmo, é que ainda pouco sabemos sobre essa fantástica biodiversidade, sobre as espécies que compartilham o nosso planeta. Hoje, um dos grandes projetos científicos deveria ser o inventário de toda a variedade de vida existente no mundo. O que é chamado árvore da vida está mais para arbusto, pois a estimativa em relação ao número de espécies varia entre 10 a 100 milhões.
FMA – O homem tem muito ainda para estudar e pesquisar…
Lovejoy – Olha, a biodiversidade do mundo é mais ou menos igual a uma grande biblioteca. É fundamental para as ciências da vida. Há séries contínuas de descobertas e de introspecções sobre como os sistemas biológicos funcionam que vieram de fontes imprevisíveis da natureza. Por exemplo, vamos pegar os antibióticos. Eles surgiram de uma placa de cultura de laboratório contaminada com o “Penicillium” do queijo roquefort. Outro exemplo, a descoberta do sistema da angiotensina de regulagem da pressão sanguínea através dos estudos realizados no Instituto Butantan com o veneno da cobra surucucu. É importante salientar o interesse de tratar esta biblioteca viva, que é a biodiversidade, com o mesmo respeito, interesse e proteção que tratamos as bibliotecas de livros escritos pelo homem.
FMA – E como o homem está influindo na biodiversidade?
Lovejoy – Há que ter um alerta para o descaso com que o homem trata o seu habitat. Não é nenhum segredo que a biodiversidade está sendo perdida rapidamente em quase toda parte do mundo e que nós estamos no começo do que poderá ser a sexta grande extinção na história da vida na Terra. O homem está afetando a biodiversidade de várias formas. Uma delas, que ele chama de “colheita excedente”, está relacionada às atividades humanas ligadas à alimentação, como pastagens, pesca e plantações.
Outra força destrutiva é a fragmentação do habitat, com a destruição de florestas e extinção de espécies. Por exemplo, a devastação da Mata Atlântica na Bahia e de parte da floresta Amazônica, provocada pelo povoamento humano. Uma outra maneira que nós afetamos a biodiversidade é facilitando, freqüentemente de forma não intencional, o transporte das espécies a lugares onde não ocorrem naturalmente. É o caso das águas-vivas do litoral do Atlântico, que são transportadas pelas águas de lastro dos navios até o Mar Negro, fazendo com que sua biomassa provoque um “curto-circuito” no ambiente. Aí começam os problemas, no caso prejudica a pesca da anchova. A poluição e o uso de agrotóxicos na lavoura são outros fatores que contribuem para impactar a biodiversidade no mundo.
FMA – E como promover a proteção da biodiversidade?
Lovejoy – De várias formar. Um elemento chave para a conservação da biodiversidade é a proteção de áreas, como o Brasil adota sob o nome de Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Colocando de lado os problemas de gestão do projeto, o objetivo deve ser a manutenção de um sistema para proteger a área de biodiversidade do País como um todo. O ideal seria adotar uma ação similar para cada um dos estados.
O Brasil vive um paradoxo. Veja que o Brasil é um dos lugares do mundo onde há a maior concentração da biodiversidade. Mas também é o país onde há grandes concentrações de espécies sob ameaça de extinção.
Katrina: metade da culpa é do próprio homem, diz Lovejoy
FMA – Como o senhor vê a questão da biodiversidade no Brasil, em relação ao trabalho de proteção?
Lovejoy – Conheço, admiro, sou fascinado e até me considero muito brasileiro. Mas o Brasil vive um paradoxo. Veja que o Brasil é um dos lugares do mundo onde há a maior concentração da biodiversidade. Mas também é o país onde há grandes concentrações de espécies sob ameaça de extinção. Eu gosto de dizer que são nestes lugares que “action teams” [equipes de ação] da conservação devem agir primeiro. Mata Atlântica e Cerrado são prioridades para a ação de conservação no Brasil. Os responsáveis pelos governos têm um papel preponderante neste processo de proteção ao meio ambiente, mas devem depender da consciência pública como condição básica para sua vontade política.
FMA – As estratégias de conservação no mundo de hoje são corretas?
Lovejoy – Olha, as estratégias de conservação devem ser intensificadas na agenda ambiental de cada país, tendo em vista a perspectiva de mudança climática, com o aquecimento global e aumento de poluição.
FMA – E em relação ao efeito estufa?
Lovejoy – Em relação ao efeito estufa, acredito que esse seja um dos itens mais importantes para evitar a interferência perigosa nos ecossistemas. Minha suposição é que o limite das emissões deve ser menos que as 450 partes por milhão estipuladas. Isso será algo difícil de se conseguir pela tendência e relutância dos governos para fazer estas mudanças, aliás, como é o caso dos Estados Unidos.
Outro importante fator a ser controlado é a queima de biomassa. A última contagem colocava o Brasil como a nação que mais emite. A boa notícia é que o reflorestamento e a redução do desmatamento podem fazer contribuições importantes para reduzir as emissões e limitar concentrações do gás carbônico (CO2).
Acredito que seja importante salientar que os oceanos já são até certo ponto ácidos, em razão das altas concentrações de CO2 na atmosfera. Uma mudança extremamente importante que afeta os recifes de coral e os diversos organismos que formam o esqueleto de carbonato de cálcio, um equilíbrio que depende do PH.
FMA – A violência do furacão Katrina tem a ver com tudo isto?
Lovejoy – Evidente que tem. O furacão Katrina provocou em Nova Orleans um evento extremo fora de escala compreensível. Mas metade da culpa cabe a ação do próprio homem. O curso forçado do rio Mississipi e aquelas barreiras na área de pântanos já eram previstos há muito tempo como impacto ambiental. E as conseqüências serão muitas e graves, pois o meio ambiente em toda a área também deve ser afetado quando as águas contaminadas pelos vazamentos de gás, óleo e esgotos chegarem até o Golfo do México. Não há o que fazer.
FMA – E a questão da biopirataria em terras brasileiras?
Lovejoy – Essa é uma questão várias vezes levantadas e eu tenho minha opinião. E sou sempre enfático quando discuto essa questão. A verdade é que o Brasil perde muito mais biodiversidade com o desmatamento e com a queima da floresta, que se esvai em CO2, do que com a biopirataria. Mas, felizmente, o Brasil que tem uma parte tão fabulosa da diversidade da vida, é um líder na produção científica e na política ambiental global. Veja, por exemplo, a participação do Brasil como anfitrião da RIO-92 e também a proposição brasileira para o MLD ou o Mecanismo Limpo do Desenvolvimento, apresentado na Convenção da Mudança Climática. Foram ações brasileiras de vanguarda e que trouxeram e ainda vão trazer grandes contribuições para a humanidade. A melhor defesa contra a biopirataria é justamente o Brasil construir um vibrante, sério e profundo trabalho de pesquisa e um programa de desenvolvimento sustentado nesta região.
summary
Lovejoy: biodiversity is the library of life
The biologist Thomas Lovejoy took part in the Knowledge University forum held at the Universidade de São Marcos-SP and discussed biodiversity, hurricane Katrina and Brazil.
The American biologist, Thomas Lovejoy, in a presentation given at the Universidade São Marcos – SP, at the permanent Knowledge University forum, remarked that the destruction wrought by hurricane Katrina in New Orleans was an extreme event beyond comprehension, but that half of the blame lies with the acts of man. Lovejoy still has very strong ties with the World Bank, where he was a director of the biodiversity area. Currently he is the president of the H. John Heinz II Science Center. Tom Lovejoy also maintains in the Amazônia, a highly important scientific study within the context of life in the enormous tropical forest, regarding the deforested and abandoned fragments. The experiment entitled Forest Fragment Biological Dynamics Project was implemented in 1979, in an ARIE – Area of Relevant Ecological Interest, near the city of Manaus. Twenty six years later, the technicians trained by Lovejoy have collected a bumper harvest of studies, scientific explanations and extremely important answers which are steering the correct and efficient occupation of the Amazônia.
Biodiversity – We must look at biodiversity through the evolutionary lens in which a single species gave rise to many others in evolutionary waves. We can also regard it as one of a number of all of the species on the planet Earth. However, one thing we can be sure of is that we know very little about this fantastic biodiversity, about the species that share our planet. Today, one of the large scientific projects should include an inventory of the entire variety of life which exists in the world. What we refer to as the tree of life is in reality more of a bush, since it is estimated that the number of species could range from 10 to 100 million.
World biodiversity is more or less comparable to a large library. It is fundamental to the life sciences. There is a continuous series of discoveries and introspections about how the biological systems function, which came from the unpredictable sources of nature. For example, we can take antibiotics. They came about from a culture Petri dish in a laboratory contaminated with “Penicillium” from Roquefort cheese. Another example is the discovery of angiogenesis which regulates blood pressure system and which came about from studies conducted at the Butantã Institute with the venom of the surucucu or bushmaster snake.
Loss of biodiversity – there should be a warning sent out about the disregard that man has for his habitat. It is no secret that biodiversity is quickly being lost throughout nearly the entire world and that we are at the beginning of what could be the sixth great extinction of the history of life on Earth. Man is affecting biodiversity in a number of ways:
1) by the “over harvesting” related to human activities linked to food, such as grazing, fishing and crops.
2) by the fragmentation of the habitat with the destruction of forest and the extinction of the species. For example, the devastation of the Atlantic rainforest in Bahia and of part of the Amazon rainforest, caused by human settlement.
3) by unintentional means, such as the transportation of species to locations where they do not naturally occur. This is the case of jelly fish on the Atlantic coast which are transported by the ballast of ships to the Black Sea, and the biomass thereof causing a short circuit in the environment.
4) pollution and the use of pesticides in crops are other factors which have contributed to the impact on the world’s biodiversity.
Biodiversity and Brazil – I know, admire and am fascinated by Brazil and even consider myself to be very Brazilian. But Brazil lives a paradox. I see Brazil as one of the places in the world in which there is the largest concentration of biodiversity. However, it is also a country where there are large concentrations of species that are threatened by extinction. I like to say that these are places where conservation action teams should step in first. The Atlantic rainforest and the Cerrado are priorities for conservation action in Brazil.
Greenhouse Effect – I believe that this is one of the most important items to prevent because of the dangerous interference it poses to the ecosystems. My supposition is that the limit of emissions should be under 450 parts per million stipulated. This will be difficult to do owed to the tendency and reluctance of governments to make these changes, and which is the case in the United States.
Another important factor to be controlled is the burning of the biomass. At last count Brazil was the country which had the highest rate of emissions in this category. The goods news is that reforestation and the reduction in the destruction of the forest could contribute heavily toward reducing emissions and limiting the concentration of carbon gas (CO2).
I believe that it is important to remember that the oceans are already acidic to a certain extent because of the high concentrations of CO2 in the atmosphere. This is one extremely important change which has affected the coral reefs and several organisms which form the skeleton of calcium carbonate, an important balance which depends on the PH factor.
Hurricane Katrina – Hurricane Katrina caused an extreme event in New Orleans, which is beyond comprehension. However, half of the blame lies in the actions of man himself. The effects of the forced course of the Mississippi and the levies in the bayous in the area have been predicted to cause an environmental impact for a long time. And the consequences will be many and very serious, since the environment throughout the area will also be affected when the contamination from the oil and gas leaks and sewage reach the Gulf of Mexico. Can nothing be done?
Biopiracy – this is one question that is often raised and I have my own opinion. I am always emphatic when I discuss this issue. The truth is that Brazil loses much more biodiversity from the deforestation and the burning of the forest which gives off CO2 than it has from biopiracy. However, Brazil fortunately, has such a fabulous portion of the diversity of life that it is a leader in scientific production and global environmental policy. Take for example Brazil’s participation as a host to the event Rio’92, and the Brazilian proposal for the MLD, or the Clean Development Mechanism, presented at the Climatic Change Convention. These were pioneering Brazilian efforts which have brought and will continue to bring about great contributions to humanity. The best defense against biopiracy is for Brazil to construct a vibrant, serious and profound study and a sustainable development program in this region.