Créditos de Carbono

Peugeot aplica 10 milhões de euros em floresta

25 de novembro de 2005

Montadora francesa mostra poço de seqüestro de carbono e avalia primeiros anos do projeto para reter gás carbônico da atmosfera

Visita a um reflorestamento de teca. Sob a mata não cresce nada, mas a madeira é, depois do mogno
(que está proibido de ser cortado) a mais valorizada do mercado


 


A experiência nas terras brasileiras, no entanto, já está servindo de base para o desenvolvimento de projetos semelhantes, visando o comércio de créditos de carbono, na Colômbia, no Chile, no Gabão e no Azerbaijão. A implantação e a exploração desses projetos estão a cargo da Organização Nacional de Florestas da França (ONF), estatal que administra mais de 12 milhões de hectares de florestas públicas na França e na Guiana, e que desenvolve a experiência da Peugeot no Brasil, em parceria com universidades brasileiras.
A plantação de florestas é uma forma de MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, estabelecido pelo Protocolo de Kioto, para que países industrializados e empresas reduzam e compensem, em países em desenvolvimento, as emissões de gases que produzem e que causam o efeito estufa. O Poço de Carbono, como chamam o projeto de Cotriguaçú, é mais uma iniciativa ecologicamente correta adotada pela Peugeot para repercutir de forma positiva entre seus consumidores. Segundo o presidente do grupo, os carros da montadora são os que menos emitem CO2.
Jean-Martin Folz anunciou que, em 2006, a Peugeot lançará uma nova geração de motores que reduzirá em 15% o consumo de combustíveis, diminuindo, em conseqüência, também a emissão de gases.


Início polêmico
Mas a magnitude e o pioneirismo do Poço de Carbono fazem do projeto a principal jogada de marketing institucional da empresa. Afinal, trata-se de uma pesquisa, prevista para durar 40 anos, com garantia de recursos milionários (cerca de 10 milhões de Euros), em parceria com universidades de Mato Grosso, empregando a comunidade local e com o aval de um comitê científico formado por cientistas brasileiros e estrangeiros especializados em silvicultura tropical, efeito estufa e mudanças climáticas. No começo da implantação, em 1998, o projeto foi alvo de muita polêmica, envolvendo ambientalistas, políticos e ministério público. Acusações de desmatamento, uso de inseticida e roubo de sementes ganharam espaço na mídia especializada, o que levou a Peugeot adequar o projeto e seus investimentos.
(Ver matéria na página 12: “Começo difícil.
Teve até multas”)


Poço de Carbono
Entenda-se por Poço de Carbono, 2 mil dos 10 mil hectares que formam a Fazenda São Nicolau, plantados com dois milhões de mudas de 50 espécies de árvores. Dessas espécies, apenas uma é exótica, a tectona grandis, conhecida como teca. Originária da Índia, a teca é considerada hoje, depois do mogno – que está proibido de ser cortado – a madeira de maior valor de mercado. As primeiras plantações de teca começaram no Brasil há 30 anos.
Hoje o País exporta a madeira com selo verde (certificada) para a Índia. A árvore cresce no formato de um pinheiro, mas suas folhas são grandes e largas. Como acontece com o pinheiro, também sob uma mata de teca só se encontram folhas mortas. Na Fazenda São Nicolau a espécie não está sendo plantada com fins comerciais, apenas para os pesquisadores a compararem com espécies nativas na fixação de gás carbônico. Por isso, nos dois mil hectares, estão sendo testadas várias técnicas de plantio.


Caixeta e Ipê são espécies que mais estocam CO2


Pierre Olivier Drège, da Organização Nacional de Florestas (França) e o presidente mundial do grupo PSA Peugeot Citroën, Jean-Martin Folz, exibem um filhote de cobra coral  durante a visita ao projeto. Folz anunciou que em 2006, a Peugeot vai lançar uma nova geração de motores que reduzirá em 15% o consumo de combustíveis, diminuindo também a emissão de gases.


 De acordo com Yves Marie Gardette, da Organização Nacional de Florestas, responsável pela implantação do Poço de Carbono, a fazenda possui 7 mil hectares de mata nativa. Os outros 3 mil hectares são formados por mata ciliar, pastos e capoeiras.
Na área de pastagem, os técnicos optaram por um plantio adensado usando árvores frutíferas como a figueira branca e o cajá. O objetivo foi fazer um sombreamento rápido, a fim de acabar com o capim e também atrair animais silvestres que, depois de comerem folhas e frutos dessas árvores, dispersam as sementes. Já na área desmatada pelos antigos proprietários da terra, em 1997, foi utilizado um modelo mais espaçado de plantio, com espécies como a caroba e a aroeira, para permitir o retorno do gado.
As várias experiências de plantio servem para comparar a eficiência dos modelos, principalmente na função de fixar o gás carbônico na atmosfera.
Estudos já concluíram que a caixeta e o ipê são as árvores que mais estocam CO2. A medição do fluxo e dos estoques de carbono é feita por uma torre, abastecida por energia solar que, armazenada, coloca em funcionamento os equipamentos que medem a radiação solar, a direção e a velocidade do vento e a concentração de gás carbônico. O Brasil tem, na Amazônia, 20 torres como essa, com metodologia desenvolvida pelo Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), que tem a participação de 1500 cientistas de todo o mundo.
Segundo o responsável pela torre da fazenda São Nicolau, Paulo Cesar Nunes, “essa é a única que está medindo o sequestro de carbono em área de reflorestamento”.
As medições mostram que o acúmulo de carbono constatado desde o início do projeto, em 1998, é de, em média, entre 4 e 5 toneladas de carbono por ano. O resultado, segundo os técnicos, revelam ainda uma influência muito grande do capim que predominava na área que foi reflorestada. A previsão é que o acúmulo de carbono atinja 15 ton/ano.


A região
Os 10 mil hectares da Fazenda São Nicolau estão localizados no norte de Mato Grosso, a mil quilômetros de Cuiabá, no município de Cotriguaçu, às margens do rio Juruena. Uma região de difícil acesso, mas não tão virgem como se esperava. O local revela grandes extensões de floresta amazônica agredidas por desmatamentos e pastos. O Juruena, afluente do rio Tapajós, passa largo e farto, mas nem sempre protegido pela mata ciliar que também está sendo recomposta pelo projeto da montadora francesa. As plantações de soja, rio acima, segundo os moradores do local, já interferiram na transparência da água. Mas, mesmo assim, nos pontos mais rasos, o fundo aparece e os peixes ainda nadam tranqüilos por ali.


As árvores mostram
bom crescimento  no reflorestamento. Algumas espécies chegam a medir 10 metros de altura.
O viveiro tem capacidade para produzir até
50 mil mudas


summary


Carbon credits
Peugeot invests 10 million Euro in forests
Peugeot demonstrates carbon sink and assesses the first few years of the project to sequester carbon from the atmosphere


An area larger than the city of Paris (10,000 hectares) which belong to a French group, but is located in the Mato Grosso State section of the Amazônia in the township of Cotriguaçu, conducts one of the largest experiments to assess the impact of  planting trees on a large scale on the greenhouse effect. The French group, PSA Peugeot Citroën, has just completed the first progress report of the project calling for an investment of 10 million euro through 2038, to sequester carbon from the atmosphere in the planted forest. The car manufacturer however, does not intend to profit from the sale of the carbon credits. “We are not looking to offset the investments and we will of course use the credits to reinvest in the project,” affirmed the group president, Jean-Martin Folz, who concluded by saying “it is a gesture of goodwill on the part of Peugeot”.
The experience on Brazilian land has already served as a basis for development of similar projects involving the trade of carbon credits in Colombia, Chile, Gabon and Azerbaijan. The implementation and exploitation of these projects is under the responsibility of the French National Forests Organization (ONF), a state owned company which manages 12 million hectares of public forests in France and Guyana and is developing this Peugeot experience in Brazil in partnership with Brazilian universities.
The Carbon Sink, as the project is entitled in Cotriguaçú, is one more ecologically correct initiative adopted by Peugeot to resound positively among its consumer market. According to the president of the group, the manufacturers’ cars emit less CO2. Mr. Jean-Martin Folz has also announced that in 2006 the company will launch a new generation of engines which reduce fuel consumption by 15%, thus decreasing noxious emissions as well.
At the beginning of the implementation in 1998, the project was the target of a great deal of controversy, involving environmentalists, politicians and government ministries. There were accusations of deforestation, use of insecticide and theft of seeds which made the newspapers and specialized media and forced Peugeot to reassess the investments.


Começo difícil. Teve até multas
Gilney Viana: “A minha denúncia fez com que a Peugeot e todos os interessados adequassem o projeto e refizessem o método de trabalho”.


Mesmo sendo um “gesto de mecenato”, como disse o presidente do grupo francês, Jean-Martin Folz, a Peugeot teve dificuldade em convencer ambientalistas e governo das boas intenções do projeto. No início da implantação do Poço de Carbono, no final dos anos 90, o então deputado estadual do PT de Mato Grosso, Gilney Viana, denunciou ao Ministério Público a prática de técnicas irregulares e ambientalmente incorretas, como o uso do agrotóxico Roundup para limpar a fazenda, queima controlada e tentativa de roubo de sementes. As denúncias levaram o Ibama a aplicar multas que somaram mais de R$ 4 milhões.


 


Na época, porta-voz da Peugeot disse à reporter Roseli Garcia que era montadora e só sabia fazer carro. Por isso confiou em empresa especializada


Na época, o então coordenador do projeto pela Peugeot, Marc Bocqué, defendeu-se das irregularidades, argumentando que o grupo francês não é especialista em florestas. “Somos construtores de carros. Por isso contratamos empresas que têm experiência com o meio ambiente”, disse Bocqué, referindo-se a Organização Nacional da Florestas da França (ONF) e a organização não governamental franco-brasileira, Fundação Pró-Natura, parceiras na iniciativa.
A polêmica criada em torno do projeto, no entanto, não desanimou o grupo francês. Após a divulgação das denúncias, o grupo contratou a Engeflora como consultora e um técnico florestal brasileiro, além de apresentar o projeto para aprovação do Ibama. Também foram feitas parcerias com a Universidade Federal de Mato Grosso e instalado o Conselho Científico, formado por especialistas brasileiros e estrangeiros que acompanham periodicamente o desenvolvimento da experiência.
Atualmente como secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Gilney Viana reconhece o valor da experiência. “A minha denúncia fez com que a Peugeot e todos os interessados adequassem o projeto e refizessem o método de trabalho”, garante. No ano passado, o secretário do MMA visitou a fazenda São Nicolau e fez uma avaliação positiva do projeto. Segundo Gilney Viana, até então, nunca se tinha feito, no Brasil, uma experiência de replantio de espécies nativas variadas em grande escala e com controle de medição e avaliação. O que acaba sendo muito positivo para a Peugeot. (VF)


 


 Yves Marie Gardette, responsável pela coordenção e implantação do projeto pela ONF-França, explica aos visitantes as várias técnicas usadas para o reflorestamento


A torre é uma das 20 espalhadas pela Amazônia para medir o fluxo e os estoques de carbono


 


 


 


Pesquisadora calcula seqüestro de CO2 pelas plantas
Método mostra quanto de gás carbônico cada folha está seqüestrando num dado momento


 


Da redação
Sem investimento em pesquisa não há solução. São os pesquisadores que vão encontrando o melhor caminho e as melhores alternativas para o investimento em crédito de carbono. Na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, uma pesquisa recentemente concluída, vai ajudar a calcular a quantidade de dióxido de carbono (CO2), também conhecido como gás carbônico, que uma determinada planta retira da atmosfera pelo processo de fotossíntese. O estudo, realizado pela pesquisadora Madeleine Barriga Puente de la Vega (foto), do Laboratório de Automação Agrícola (LAA), será importante para pesquisas sobre o aquecimento global uma vez que o CO2 contribui para o efeito estufa.


O trabalho realizado por Madeleine de la Vega foi assim. Durante todo o ano a pesquisadora coletou dados de 8 pés de jatobá (Hymenaea courbaril L.), ainda pequenos [com cinco meses de idade] e conseguiu determinar quanto cada centímetro quadrado de uma folha dessa planta absorve de gás carbônico por segundo.
Segundo Madeleine, não foi um trabalho fácil. Durante o período que durou a coleta de dados, realizada numa casa de vegetação, Madeleine media seis pontos variáveis: temperatura ambiente, concentração de CO2, umidade relativa do ar, temperatura da folha, hora da medição e radiação fotossintética e ativa fotossíntese. Isso duas vezes por semana. Num dia ela coletava os dados de quatro plantas e no outro, das outras quatro. “Agora, conhecendo os valores dessas variáveis, é possível calcular quanto de fotossíntese a planta está realizando, isto é, quanto de gás carbônico cada folha está seqüestrando num dado momento”, explica a pesquisadora Madeleine de la Vega.
Madeleine, que foi orientada pelo coordenador do LAA, o engenheiro eletricista e agrônomo Antonio Mauro Saraiva, explica que o seu trabalho visou a modelagem de fotossíntese, no nível da folha do jatobá, utilizando a técnica de redes neurais artificiais como um passo inicial para a quantificação do potencial de seqüestro de CO2 em plantas. “Redes neurais artificiais são ferramentas computacionais, que imitam o processo de aprendizado do cérebro humano e podem processar problemas que envolvem dados complexos e não lineares”, explica a pesquisadora. “Assim, elas são adequadas para a modelagem de dados ecológicos, que são muito complexos e freqüentemente não lineares, como é o caso do processo da fotossíntese.”
A nova forma de mensurar o seqüestro de carbono, ainda no nível da folha, vem se juntar a outros métodos que procuram calcular quanto de CO2 uma floresta retira da atmosfera. Até hoje não se sabe ao certo se a Floresta Amazônica, por exemplo, é um sorvedouro (sumidouro) de gás carbônico ou se o que ela emite durante a noite empata com o que ela consome durante o dia. “O trabalho de Madeleine é mais uma contribuição para entender e quantificar esse processo”, diz Antonio Mauro Saraiva. “Agora é preciso extrapolar esses resultados para uma planta adulta e depois para uma floresta. Isso não será fácil e há muito trabalho pela frente”.


Mercado de crédito de carbono movimenta empresas
Requisitos para validar projetos foram apresentados pela SGS do Brasil durante seminário em São Paulo


 



Fabian Peres: somente com projetos validados por uma entidade operacional designada é possível obter a certificação final


Da redação
A SGS do Brasil atendeu mais de 70 empresas interessadas em transformar projetos ambientais em créditos de carbono nos últimos 10 meses. O reflexo deste crescimento vai impactar diretamente no trabalho das entidades operacionais designadas (EOD ou DOE, sigla em inglês para Designated Operational Entity). Este é o caso da SGS do Brasil. “Somente com projetos validados por uma entidade operacional designada é possível obter a certificação final pela  UNFCCC”, afirma Fabian Peres da SGS do Brasil.


Para evitar conflito de interesses, o Protocolo de Kioto prevê ainda que, em projetos de grande escala, a EOD que valida não pode ser a mesma que faz a verificação. “Como existem poucas empresas independentes que atuam como certificadoras de  projetos de MDL, o campo de trabalho é bastante promissor”, avalia  Fabian.
Para 2006, SGS estima um crescimento de 100% na demanda por validação e verificação de projetos.  O Brasil poderá se tornar um dos principais geradores de créditos de carbono porque está fora do Anexo I do Protocolo, ou seja, é um país em desenvolvimento que não possui metas de redução de emissões atmosféricas.
O interesse cresceu ainda mais após a criação, em setembro, de um banco de projetos de redução de emissões de Carbono na BM&F que funciona na BVRJ. “A Bolsa de Valores deu maior visibilidade e credibilidade ao processo de conversão de projetos de MDL em créditos de carbono”, garante Fabian Peres da SGS do Brasil.