Gripe aviária e as aves migratórias

Assim na terra como no céu!

25 de novembro de 2005

Os maçaricos, as andorinhas-azuis, os falcões peregrinos e os marrecos estão chegando e não podem ser tratados como vilões.

Num vôo de 10 mil km, as andorinhas-azuis entram na Venezuela por Valência e acompanham o rio Orenoco até a nascente do rio Negro, quando entram no Brasil.


No sudeste da Ásia, especialmente na Tailândia, Vietnã e Taiwan, e no leste europeu, na região dos montes Urais, Cazaquistão e Mongólia, milhares de aves foram abatidas sob suspeita ou por estarem, de fato, contaminadas pelo vírus – a transmissão da doença das aves para seres humanos se dá exclusivamente pelo subtipo H5N1, que já causou a morte de dezenas de pessoas.
Autoridades sanitárias temem que o vírus possa chegar à Europa e à África, pois nesta época do ano dezenas de milhões de aves selvagens migram para climas mais quentes. “A diversidade de espécies migratórias dificulta qualquer controle das rotas. Só na Rússia temos cerca de 800 espécies de aves diferentes e, portanto, há muitos fluxos migratórios que cruzam nosso território em ziguezague”, disse Pavel Tomkovich, ornitólogo do Museu Zoológico da Rússia à uma agência de notícias.
Especialistas afirmam que muitos pássaros que vivem na ex-União Soviética devem migrar para o Oriente Médio, Europa e África. Patos e gansos daquela região também fazem rotas para o Afeganistão e, eventualmente, cruzam o golfo Pérsico e o norte da África.


Atenção redobrada
Justamente pela ameaça da gripe aviária, os pássaros que visitam o Brasil para fugir do frio estão sendo observados de perto pelas autoridades sanitárias. Os técnicos dos ministérios da Saúde, da Agricultura e do Meio Ambiente, através do Ibama, estão atentos. Segundo os biólogos, dificilmente essas aves trarão o terrível vírus. O motivo é simples: essas espécies migratórias chegam principalmente dos Estados Unidos, Europa, Canadá, México, Chile e Argentina e o principal foco irradiador da gripe aviária é a Ásia. “Mas  temos que ficar muito atentos, pois  ninguém descarta essa possibilidade. Algumas aves podem ter tido algum tipo de contato, na América do Norte, com outras aves que migraram da Ásia e Europa para lá. Por isso, começamos a capturar gaivotas e maçaricos em sua rota de migração, em bancos de areia no meio do mar para análises”, confirma um sanitarista.


Sem riscos
O ornitólogo Dalgas Frisch tem a mesma opinião: “A população pode ficar tranqüila, pois neste verão não há risco de as andorinhas-azuis trazerem a gripe aviária. Os Estados Unidos não têm casos da doença.
Os patos que chegam ao rio Paraná e as batuíras, que alcançam toda nossa faixa litorânea, também não oferecem o mínimo risco. Quem pode trazer o vírus para cá são os galos-de-briga transportados em gaiolas, vindos dos países atingidos pela gripe aviária e que adentram o Brasil por ar, em asas metálicas, ou por mar de forma legal ou não”.
Dalgas Frisch acaba de lançar a terceira edição do livro Aves Brasileiras, uma obra completa e indispensável para estudiosos e admiradores da avifauna, que explica muito bem toda essa questão das aves migratórias. O livro vem acompanhado de um outro “Aves Brasileiras Minha Paixão” onde Dalgas conta sua paixão passarinheira.


“Quem pode trazer o vírus são os galos-de-briga transportados em gaiolas, vindos dos países atingidos pela gripe aviária e que adentram o Brasil por “asas metálicas” ou navios. De forma legal ou não”.Johan Dalgas Frisch


Aves Brasileiras: dois volumes


São dois volumes. Um “Aves Brasileiras”, com desenhos, habitat, nome científico, plantas que atraem as aves e outro de sua autobiografia. Neste, Dalgas Frisch relata as várias e deliciosas aventuras que viveu ao lado dessas fascinantes criaturas aladas. Como nos anos 80, em São Paulo, quando teve a iniciativa de fazer uma campanha de sensibilização voltada para autoridades e moradores da região que recebiam de cara feia os bandos de andorinhas-azuis.
“Os taxistas e donos de bares e lanchonetes incomodavam-se com a numerosa presença das aves, que se empoleiravam nos postes de iluminação”, lembra o ornitólogo. “A antipatia deu lugar à admiração, quando todos foram conscientizados de que a espécie é valiosa para a manutenção do equilíbrio ecológico. No período de sua estadia no país consomem mais de 1 trilhão de insetos nocivos às pessoas e às plantações, atuando como um eficiente defensivo biológico, além de oferecerem anualmente um espetáculo de encher os olhos, pelo menos para observadores mais sensíveis”, destaca Dalgas Frisch. O ornitólogo está disposto a tomar novamente a defesa das andorinhas-azuis ou de qualquer outra ave migratória se persistir a desinformação sobre o risco de trazerem ao país a gripe do frango.


Tragédia com as Andorinhas


As andorinhas-azuis sempre migram em bandos. Cada um deles tem, em média, 100 espécimes e estima-se que perto de seis milhões de exemplares migram para o Brasil todos os anos, durante o verão. Mas tem uma péssima notícia. Para Dalgas Frisch, mais de cinco milhões de andorinhas-azuis podem ter desaparecido. Ele estima que não mais que 700 mil aves chegarão ao Brasil e o furacão Katrina é o responsável por mais essa tragédia. 
 “A ponte de Causeway, em New Orleans, é o local de onde as aves partem, sequencialmente em bandos, para a América do Sul. Toda a região sofreu os efeitos avassaladores do furacão Katrina. Milhares de andorinhas-azuis foram mortas. E não podemos deixar de notar que as que sobreviveram, ao dar inicio à rota migratória, atravessaram em vôos diurnos o Golfo do México até Cancun. Nesse trajeto, em razão de outros furacões, centenas de espécimes foram dizimados. Infelizmente, este ano não vamos receber mais que 700 mil visitantes”, afirma o ornitólogo.
Controle biológico
De Cancun, as andorinhas-azuis seguem pelo litoral da Venezuela, parando nas ilhas de Bonaire e Aruba. Depois adentram a Venezuela por Valência, acompanham o rio Orinoco até a nascente do rio Negro e chegam ao Brasil  pela região amazônica conhecida como Cabeça de Cachorro, no vale do rio Papuri, entre as cidades de São Joaquim e Yaruete, na fronteira com a Colômbia. 
Ao chegar na Cabeça do Cachorro, as andorinhas-azuis dividem-se, então, em dois grupos. Um deles permanece na cidade de Manaus, tranformando as tubulações de uma refinaria como dormitório. O outro grupo segue para o estado de São Paulo. Vai encontrar pouso nas cidades de Araraquara, Barretos, Ribeirão Preto e Rio Claro.
As andorinhas-azuis  encontram nas lavouras de cana-de-açúcar um farto suprimento de insetos. Uma andorinha se alimenta, por dia, de cerca de 2 mil insetos. É o melhor controle biológico que existe.


summary


On earth and also in the sky!
The maçarico shore birds, the blue swallows, peregrine falcons and the wild ducks are coming and they cannot be treated as villains


To the envy of marathon runners and aviators, after traveling a distance of approximately 10,000 kilometers, the first half of December can expect to see the blue swallows (Progne subis or Purple martin) land on Brazilian soil.  With them we can also expect the varieties of shore birds known as maçaricos, wild ducks and peregrine falcons.  Every year in the name of survival, several species make their migratory ritual.  Always traveling in migratory flocks, these wild birds leave the rigors of winter in the Northern Hemisphere to spend their vacation in countries below the Equator.  But our feathered friends run a serious risk of being confused as the villains.  With the threat of bird flu, 200 migratory species are being closely observed by the sanitation authorities. The international news media has alerted that all migratory birds could be responsible for spreading some of the tenacious viruses and spreading a flu pandemic as has already happened in Asia.


In Southeast Asia, especially in Thailand, Viet Nam and Taiwan, and in Eastern Europe, in the Ural Mountains, Kazakhstan, and Mongolia, thousands of birds have been slaughtered for suspicion or carrying, in fact, the virus – the transmission of the bird flu to human beings is exclusively conducted by the subtype H5N1, which has already caused the death of many people.  Sanitation authorities fear that the virus could spread to Europe and Africa, since this is the time of the year that millions of wild birds migrate to the warmer climates. “The diversity of the migratory species makes any control over their routes difficult. In Russia alone there are close to 800 species of different birds and therefore their migratory paths cross throughout our territory in a zigzag pattern,” remarked Pavel Tomkovich, an ornithologist with the Russian Museum of Natural History Museum, to a news agencies. 


Greater efforts
AS the bird flu continues to be a threat, the birds who visit Brazil to escape the cold will be closely observed by the sanitation authorities. The Health, Agriculture and Environment Ministries? technicians through Ibama will be on the lookout. According to biologists, these birds are not expected to bring this terrible virus. The reason is simple:  these migratory species arrive mainly from the United States, Europe, Canada, Mexico, Chile and Argentina while the main focus of the spread of bird flu is Asia. “However, we must pay close attention, because we cannot eliminate this possibility. Some birds may have had some type of contact in the United States with other migratory birds from Asia and Europe. Therefore, we have begun to capture sea gulls and maçaricos in their migratory routes in sand banks in the middle of the ocean for analysis,” confirmed one sanitation expert.  
The ornithologist Johan Dalgas Frisch is of the same opinion: “The population can rest easy, since there is no risk of the blue swallows bringing bird flu to our country. The United States has not had any cases of the disease. The ducks which arrive in the Paraná River and the shore birds, which land all along our coastline, also pose minimum risks. The birds that could bring the virus to our shores are the fighting cocks  transported in cages, arriving by air or sea whether they entered legally or not, from countries where bird flu has been located.” 
Johan Dalgas Frisch has just launched the third edition of the book Aves Brasileiras, Brazilian Birds, which is a complete and indispensable work for students and bird enthusiasts, which explains the entire issue of migratory birds.  (See pages 32)  


Aves Brasileiras: two volumes
The new release features a companion volume, the autobiography Aves Brasileiras Minha Paixão (Brazilian Birds, My Passion) in which Dalgas Frisch reports the many entertaining adventures he experienced beside these fascinating creatures, such as in the 1980s, in the countryside of São Paulo, when he decided to mount an awareness campaign among the public authorities and the inhabitants of the region who welcomed the flocks of blue swallows that remained there during the winter with disgust written on their faces.  
The purple martins or blue swallows always migrate in flocks. Each one of them has on the average 100 birds, and it is estimated that six million of these birds migrate to Brazil every year, during the summertime. However, there is very unsettling news. According to Dalgas Frisch, over five million purple martins may have disappeared and he estimates that no more than 700,000 of them will arrive in Brazil. It seems that hurricane Katrina is responsible for one more tragedy.


Os riscos da influenza no mundo
A origem da doença e como o Brasil se prepara para enfrentá-la.


Márcia Turcato, de Brasília
Casos de influenza dizimando criações de aves na Ásia e na Europa são noticiadas na imprensa há mais de quatro meses. Um assunto praticamente desconhecido da população passou a ser discutido em casa, no trabalho e até em mesa de bar. A possibilidade da influenza aviária contaminar pessoas e se transformar numa grave pandemia preocupa governantes em todo o mundo. A influenza é uma doença infecciosa aguda do sistema respiratório e pode ser provocada por um ou três tipos de vírus da influenza: A, B ou C. Além do homem, o vírus pode ser encontrado em outras espécies, como aves, suínos, eqüinos e mamíferos aquáticos.


Os dois primeiros tipos de vírus, em especial o A, devido às pequenas mutações periódicos na estrutura do seu genoma, têm a capacidade de gerar novas cepas que vão produzir novos subtipos da doença. Este fenômeno explica a ocorrência de surtos ou epidemias anuais de influenza, justificando a vacinação anual dos grupos mais suscetíveis aos seus riscos.
As mutações sofridas pelo vírus podem produzir uma cepa completamente nova, para a qual toda a população é sensível, gerando condições para a corrência de uma epidemia em escala internacional, uma pandemia. Geralmente este fenômeno ocorre quando uma cepa, que originalmente só infectava animais, atravessa a barreira das espécies e passa a infectar diretamente humanos e, mais tarde, adquire a capacidade de transmissão inter-humanos, conforme alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O vírus em circulação, e que provocou a morte de mais de 60 pessoas de 2003 a outubro de 2005 – com cerca de 120 registros, é o H5N1. Ele é resultante de uma mutação do vírus responsável pela gripe das aves e ainda pode sofrer variações. As variáveis que um vírus pode assumir não permitem que as instituições sanitárias estejam previamente preparadas para a prevenção e o combate da doença.
Pesquisas indicam que as mutações ocorrem num período entre 10 e 50 anos. Portanto, a possibilidade de uma pandemia no próximo ano é possível. A primeira da qual se tem registro é a Gripe Espanhola, em 1918 e 1919, que provocou entre 20 e 40 milhões de mortes. O vírus era similar ao da influenza suína (H1N1) e teve como hospedeiro porcos e aves.
Em 1957, no norte da China, ocorreu a gripe Asiática. Iniciada em animais, com o vírus H2N2, provou uma recombinação com o vírus humano. A infecção atingiu a Ásia, Europa, África e Estados Unidos em 10 meses. A taxa de mortalidade não foi elevada. A infecção foi mista.
Em 1968, uma nova combinação virótica trouxa a gripe de Hong Kong, que ocorreu devido a uma nova variação do vírus da influenza (H3N2). Infecção também mista. O vírus se propagou em duas ondas epidêmicas, provocando casos da doença até 1970. Apesar de ter sido um surto importante, atingindo três continentes, ele foi benigno, com baixa taxa de mortalidade.
Em 1977, limitado a então União Soviética, ocorreu a Gripe Russa, com o vírus H1N1. A origem do foco é desconhecida e o comportamento do vírus foi similar a cepas (tipos) humanas epidêmicas da década de 50.


Situação no Brasil
O Ministério da Saúde instituiu formalmente um Comitê para a Preparação do Plano de Contingência da Influenza em dezembro de 2003, com a participação de outros órgãos do governo, das universidades e instituições  de pesquisa. O Plano foi diponibilizado no site do Ministério da Saúde, para consulta e sugestões. O Plano de Contingência aborda medidas adequadas para cada cenário epidemiológico, atual, e futuro, de acordo com modelo internacional de fases e de níveis de alerta recomendado pela OMS. Os aspectos contemplados são:
– Fortalecimento da Vigilância Epidemiológica da Influenza;
– Formação de um estoque estratégico de anti-viral (princípio ativo Oseltamivir). Foram encomendados nove milhões de kits do laboratório fabricante.
Capacitação do Instituto Butantã para a produção de vacina contra a cepa pandêmica. A produção da vacina depende da identificação da cepa pandêmica, o vírus H5N1 é de uma cepa aviária que excepecionalmente provoca infecção em humanos. Havendo mutações é necessário ajustar a vacina.


Para saber mais:
Ministério da Saúde
www.saude.gov.br/svs
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
www.anvisa.gov.br
Organização Mundial
da Saúde
www.who.int
Organização Mundial de Saúde Animal
www.oie.int


Influenza e a caça de aves


A Caça de patos e marrecões está suspensa por decisão judicial. De acordo com a Lei de Crimes Ambientais a caça esportiva é proibida em território brasileiro, embora seja prevista a caça amadorista, regulamentada em cada Unidade da Federação, como é o caso do RS, explica o biólogo Andrei Langeloh Roos, do Cemave/Ibama. No RS, como resultado do nível de organização e influência de alguns grupos, a legislação local se coloca favorável à caça amadora, seguindo critérios de pesquisa periódica sobre sobre a dinâmica populacional das espécies alvo. 
A caça no Rio Grande do Sul é específica para algumas espécies, principalmente as da família dos anatídeos, que são os patos e marrecas. Até o momento não foi diagnosticado o vírus da influenza nessas espécies, informa Roos. A caça no Sul, entretanto, está suspensa por determinação judicial desde o meio do ano e não há previsão de liberação.
A proibição não se deve a um potencial risco da influenza aviária. No entanto, não havendo caça e manuseio de aves silvestres, que podem ser hospedeiras do vírus, os riscos de contágio pelo manuseio da ave pelo homem são ainda mais reduzidos no Brasil. O biólogo do Ibama diz ainda não acreditar que o vírus da influenza aviária possa chegar rapidamente na América pelas aves migratórias, já que grande parte das migrações são intracontinentais, com as aves vindo do Canadá e dos Estados Unidos (via Ártico) para a Patagônia (na Argentina e Chile), passando pelo Brasil.
Raro e de pouco registros é o deslocamente de aves através dos oceanos. Tal contágio também dependeria de transmissões entre diferentes espécies, o que é menos comum e mais demorado.
O biólogo observa também que as grandes regiões produtoras de aves comerciais no Brasil se localizam longe das áreas de concentração de aves migratórias, “o que nos dá certa segurança”, avalia. (MT)
Mais informações: www.ibama.gov.br/cemave/index.php?idd_menu=296


summary


The risk of flu in the world


Cases of the flu that have caused the decimation of the birds in Asia and Europe have made the news headlines for over four months.  Nearly an unheard of subject before, it is now discussed at home, at work and across the bar. The possibility of the bird flu contaminating people and becoming a serious pandemic is of great concern to the world leaders.  The flue is an acute infectious disease which attacks the respiratory system and may be brought on by three types of flu virus:  A, B or C. Not only man is vulnerable, but the virus can also be found among other species such as birds, swine, horses and aquatic mammals.


Situation in Brazil
The Ministry of Health has formally instituted a Committee charged with the Preparation of a Flu Contingency Plan in December 2003, with the participation of other government agencies as well as universities and research institutes.  The Plan has been made available in the Health Ministry’s site for consultation and suggestions since last October. 
The Contingency Plan includes appropriate measures in the event of an epidemic scenario, for now and the future, according to the international stage model and the recommended OMS alert levels.  The aspects covered by the plan are:
– Strengthening of the Flu Epidemic Watch;
– Laying in a strategic stock of the antiviral medication (the principle active ingredient is Oseltamivir). Nine million kits have already been ordered from the manufacturing pharmaceutical company. 
Enabling the Butantã Institute to produce the vaccine against the root cause of this possible pandemic is another viable measure. However, production of the vaccine depends on the identification of the cause of the pandemic and the virus H5N1 is the only bird flu which can exceptionally infect human beings.  If there are any mutations it will be necessary to adjust the vaccine.