Conferência nacional discute muito e implementa pouco

20 de dezembro de 2005

Foram aprovadas na II CNMA mais de 700 propostas, com muitos aspectos positivos à Política Nacional do Meio Ambiente. Resta saber se sairão do papel

Um dos temas mais debatidos foi a Gestão de Florestas públicas, que segregou os favoráveis e contrários ao Projeto de Lei de Florestas. As discussões vararam a noite até as oito horas da manhã de quarta-feira (14/12) mas, pela ausência de quorum, não foi votada a proposta de retirada do PL do Senado. Foram aprovadas outras que solicitam mais discussão sobre o assunto.


Erros de origem, de organização
e de condução
 Há críticas e questionamentos com relação à legitimidade das propostas aprovadas e sobre se ocorrerá ou não a sua implementação. O setor empresarial, por exemplo, surpreendeu ao entregar à ministra do Meio Ambiente, no último dia do evento, um documento de repúdio no qual afirma que a Conferência apresenta “erros de origem, de organização e de condução” e que por isso os seus representantes não se sentem confortáveis em validar o evento com suas assinaturas. Entregaram e foram embora, sem reconhecer que podem ter falhado na mobilização dos seus pares.
De fato, desde o primeiro dia a desorganização ficou patente: houve transtorno no credenciamento dos delegados e o documento com as propostas vindas das conferências estaduais consolidadas demorou a ser distribuído. Ocorreram atrasos sem explicação. Houve problemas na condução tanto dos GTs quanto das plenárias e as informações eram confusas e dispersas.
Num ponto, pelo menos, parte do setor produtivo e das ONGs concordaram: questionar a finalidade do evento; algumas organizações até chegaram a sugerir o boicote. Renato Cunha, presidente do Grupo Ambientalista da Bahia (Gamba) e um dos coordenadores da Rede Mata Atlântica (RMA), e Maria Rita, da ONG Terra de Direitos, reclamaram da não consequência das deliberações da primeira CNMA.
É realidade que temas polêmicos como a transposição do Rio São Francisco, a questão nuclear, transgênicos, moratória para a monocultura do eucalipto, não foram incorporados às diretrizes da Política de Meio Ambiente, em que pesem as recomendações feitas pela 1a Conferência. Esse pode ser um dos fatores de desmobilização dos segmentos que compõem a conferência e vir a contrariar as expectativas do secretário executivo do MMA, Cláudio Langone, de que o saldo da conferência seja uma afirmação da força do setor ambiental no Brasil.
O MMA afirma que foram implementadas mais de 70% das diretrizes encaminhadas à administração federal pela 1a Conferência – ou metade das aprovadas -, já que o restante seria competência de estados e municípios. A lista do que foi implementado, apesar de insistentemente reclamada pelas ONGs, não foi apresentada.


Espaço de mobilização social


Apesar das queixas – muitas delas procedentes – a CNMA é uma forte representação do poder de mobilização social para a criação de políticas ambientais. Foram mais de dois mil participantes, entre quilombolas, indígenas, ambientalistas e representantes de entidades civis, empresariais e governamentais. Prova disso são os Grupos de Trabalho, o principal espaço de discussão; neles cada segmento brigava pelos seus interesses, propondo novas emendas ao texto ou correção das antigas, com discussões que avançavam pela madrugada e nem sempre eram comunicadas a todos os participantes, provocando novas discussões.
A organização deficiente, em que pese o grande esforço de realização do MMA na alocação de recursos e materiais, a polarização e a apresentação de temas às vezes pouco pertinentes ao debate, ou em contradição às políticas definidas e/ou em execução pelo governo, podem pôr em risco esse espaço vital para o exercício do controle social que apresenta um crescimento surpreendente no País.
Talvez, uma boa síntese do evento esteja contida na declaração da assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, Maria Rita: “O ponto mais positivo desse processo, não só da área de meio ambiente ou da área de saúde, é o amadurecimento da própria sociedade”.


“O ponto mais positivo desse processo, não só da área de meio ambiente ou da área de saúde, é o amadurecimento da própria sociedade”. Maria Rita da ONG Terra de Direitos


Sociedade diz não à transposição do São Francisco


Os movimentos sociais conseguiram aprovar a proposta que recomenda a suspensão do projeto até que se faça, entre outras coisas, a implantação de programa de revitalização ambiental em todas as bacias, e não apenas na do rio São Francisco.
O ambientalista Renato Cunha cobrou do presidente da República o cumprimento da promessa feita ao Frei Luiz Flávio Cáppio de debater o tema  com a sociedade.
Cláudio Langone reconheceu que o consenso sobre a interligação da bacia do São Francisco é impossível, mas que houve mudanças significativas no projeto que reduzem os seus impactos.  “Além disso, a PEC do São Francisco garante R$ 300 milhões para a revitalização do rio”, salientou.


(Ver matéria na página 11)