CPI da Biopirataria

ACT Brasil responde às denúncias

24 de maio de 2006

Dirigente da ONG diz que não teme investigações e que tem um trabalho de preservação prestado às culturas indígenas e ao meio ambiente no Brasil

Fotos: Glauco Souza Gomes


Vasco van Roosmalem quando entregava, em Macapá, equipamento de campo para guarda-parques indígenas do Parque do Tumucumaque. Importante: Vasco informa que a ACT vai promover, em junho, uma discussão a nível regional sobre as formas de proibir
 o contrabando de animais silvestres, com a participação de especialistas do Brasil, Suriname e das Guianas, cujas fronteiras
estão abertas ao tráfico.


Os mapas da discórdia
Em depoimentos à CPI da Biopirataria, o atual presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, a auditora do Ibama, Regina Célia Fonseca Silva e o Procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio Avelar, acusaram a ACT Brasil de praticar atos de biopirataria, na forma de acesso irregular ao patrimônio genético nacional e ao conhecimento tradicional associado, através da elaboração de mapas culturais dos povos indígenas do Tumucumaque e do Xingu.
Em seu depoimento perante a CPI e em documento posteriormente enviado à mesma comissão, Vasco Marcus, depois de declarar que não teme nenhuma investigação feita por órgãos do governo sobre a atuação da entidade na Amazônia, afirmou que os mapas foram elaborados a partir de demandas das próprias lideranças indígenas, formalizadas através de convênios firmados com a Funai em 2002 e assinados pelos então presidentes, Glênio da Costa Alvarez e Artur Nobre Mendes, em 2001 e 2002. Foram referendados em fevereiro de 2003 pelo presidente Eduardo Aguiar de Almeida.
O convênio destinado à execução do mapeamento cultural do parque indígena do Xingu foi referendado por cinco representantes de cada uma das etnias Yawalapiti, Kuikuro, Kalapalo, Mehinako, Txicão, Aweti, Waurá, Nafukuá, Matipu, Kayabi, Trumai, Juruna e Suyá, conforme documentos que a ONG encaminhou à CPI.
Segundo o presidente da ACT Brasil, a Cláusula IV do convênio envolvendo as comunidades do Xingu, estabelece como atribuições da Funai  “designar representantes para acompanhar e fiscalizar a execução dos serviços; “supervisionar a análise dos dados coletados pelos índios e a consolidação desses dados em mapas” e “analisar em conjunto com a Comunidade Indígena e a ACT o Relatório de Prestação de Contas apresentado pela ACT”, tarefas que, segundo Vasco Marcus, indicam a plena participação da Funai em todo o processo de levantamento dos dados e elaboração dos mapas.
Além disso – lembra o presidente da ACT Brasil – a Cláusula V dispõe que o ingresso de não-índios na área pesquisada obedecerá as normas vigentes na Funai. A VI diz que “os dados e informações obtidos em função deste Convênio, seja durante a geração ou após a confecção dos mapas, serão de propriedade exclusiva das Comunidades Indígenas envolvidas”, o que revela, segundo ele, a preocupação em preservar as áreas indígenas e os recursos nelas existentes.
Ele destaca também o Parágrafo Primeiro da mesma cláusula, vedando “o uso particular, apropriação, utilização, e/ou benefícios outros do conhecimento tradicional indígena e da biodiversidade, com observância e conformidade da Lei nº 9.610/98 e da Lei nº 6.001/73.”
Vasco Marcus explicou que o levantamento das coordenadas dos lugares plotados no mapa foi totalmente conduzido pelos pesquisadores indígenas, bem como a escolha dos símbolos das legendas. “O que temos – disse – é uma metodologia participativa na qual a ACT não atuou no levantamento dos dados, mas sim como parceira para fins técnicos, sempre com o acompanhamento da Funai.”


Vasco van Roosmalen responde à Funai 


No depoimento prestado à CPI da Biopirataria, o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes lembrou que a ACT Brasil é dirigida por uma pessoa cujo pai foi pesquisador do INPA e expulso de lá sob acusação de biopirataria. Vasco van Roosmalen, que é o filho do pesquisador, garante que seu pai foi demitido por razões internas de cunho administrativo e não pela acusação de biopirataria, “que nunca foi comprovada.”
Ainda em seu depoimento, o presidente da Funai mencionou uma filmagem que teria sido feita na área do Xingu por uma empresa japonesa, o que teria levado a ACT a indenizar os índios, pagando uma espécie de “royalty”. Vasco Marcus também nega a acusação, afirmando que quando ocorreu o episódio a ACT Brasil sequer existia e por isso em nenhum momento foi citada ou envolvida.
Além disso – explica – o pagamento aos índios não foi uma punição e sim uma negociação entre a empresa que filmou e as lideranças indígenas, com a devida interveniência da Funai, e não tem nada a ver com royalties.  “A ACT não pagou nada, quem pagou foi a empresa japonesa que fez a filmagem.”
Quanto à declaração feita à CPI pelo presidente da Funai, de que o órgão proibiu a entrada da ACT em território indígena por temer seu envolvimento em biopirataria, Vasco foi categórico: “Não houve nem investigação da Funai nesse sentido e nada foi comprovado pela CPI da Biopirataria. O relatório é público e pode ser consultado por qualquer cidadão”.


Plantas medicinais


Lado: elaboração do mapa de riscos do Parque do Tumucumaque. No detalhe: Marcelo Kamayurá participa da oficina de vídeo promovida pela ACT-Brasil em Canarana-MT

 


 


Ao justificar, perante a CPI, porque havia denunciado a relação da Funai com a ACT, a auditora do Ibama, Regina Célia Fonseca Silva disse que, em sua avaliação, a minuta de convênio que a ONG pretendia fazer com a comunidade indígena de Tumucumaque, abrangendo um projeto relativo a artesanato, na verdade trabalhava com o conhecimento tradicional dos índios, o que é desmentido pela ACT. Segundo Vasco, “esse projeto nunca foi implementado e era para trabalhar com artesanato sem envolver conhecimentos tradicionais.”
Regina Fonseca Silva também mencionou a existência de um Manual de Plantas Medicinais feito por Marcus van Roosmalen, pai de Vasco Marcus van Roosmalen, que apresenta 93 espécies de plantas, com a forma de uso delas. Para ela, “não havia como negar que o produto coletado por Marcus van Roosmalen era típico de biopirataria.”
A essa denúncia, o presidente da ACT Brasil afirma que o manual “não caracteriza biopirataria, porque foi feito para o uso da própria comunidade e nunca foi publicado ou repassado a terceiros, tanto que os nomes das plantas são todos indígenas, sem nenhuma outra referência que possa identificá-las cientificamente. Mesmo assim, a ACT não participou de sua elaboração.”
A auditora mencionou empresas estrangeiras que seriam parceiras da ACT, como a americana ESRI, líder mundial na produção de software de sistemas de informação geográfica e de mapas digitalizados; Kiehl’s, que trabalha na área de cosméticos; Natures Path, da área de cereais e Ex Officio, que trabalha com roupas voltadas para a floresta.
No documento que enviou à CPI, a ACT informa que a ESRI nunca foi parceira ou patrocinadora da ACT, tendo apenas doado à ONG uma cópia grátis do software “que é o mesmo utilizado por quase todas as empresas e instituições que trabalham com mapeamento ou imagens de satélite, incluindo entre elas a própria Funai, o Exército, o Ibama, o Inpe, o Sivam e o Incra, entre outros.”  As outras empresas citadas não são parceiras, mas doadoras pontuais, diz o documento.
Mais informações:
www.actbrasil.org.br


Piauí constrói as primeiras mil barraginhas
O projeto é construir 3.600 barraginhas em 12 municípios. Cada uma delas transfere para o solo o equivalente a 150 caminhões-pipa


Silvestre Gorgulho
O projeto das barraginhas alçou um longo vôo, para além do Semiárido de Minas Gerais. Cruzou fronteiras e ganhou definitivamente o semiárido do Piauí, onde já foram construídas mil barraginhas, das 3.600 previstas, em 12 municípios. Para o idealizador deste projeto, o agrônomo da Embrapa Luciano Cordoval, a vitória deste projeto significa uma vitória de parcerias do bem “e todas feitas com muito sacrifício e suor. Muitas vezes virando o jogo no último segundo”.


O trator consegue cavar uma barraginha grande com  hora e meia.


 


 


 


 


Além de segurar as enxurradas e conter o processo erosivo, a água dos
mini-barramentos vai alimentar o lençol freático, deixar a terra úmida propícia para um plantio sem risco.


 


 


 


“A água é suja, mas é limpa. Depois que ela filtra na terra
fica purinha”.


“Não tem fome maior do que a da sede”


“A água aqui, antes das barraginhas, tinha que ser distribuída
para as pessoas beber e para os animais. Não sobrava para lavar roupa. Nem para tomar banho. Hoje é diferente”.


“Antes das barraginhas a gente não tinha coragem de plantar feijão. Era muito difícil colher. Tinha que ter muita sorte. Agora, abaixo das barraginhas, a gente planta feijão o ano todo. Tem dois anos que o caminhão-pipa não vem na nossa comunidade”.


Depoimentos do pessoal que tem barraginhas
no vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais


Os primeiros municípios beneficiados com as barraginhas foram Anísio de Abreu e Jurema do Piauí. Em cada um deles foram construídas 300 unidades de apoio à convivência com a seca.
 O projeto das barraginhas nasceu há 11 anos na Embrapa Milho e Sorgo, de Sete Lagoas-MG, e visa a criação de áreas úmidas para facilitar o plantio de verduras, grãos e mudas frutíferas e melhorar as condições de vida da população.
12 municípios – Lançado em fevereiro deste ano pelo governo do Piauí, com apoio da Embrapa e do Programa Permanente de Convivência com o Semi-Árido (PPCSA), está prevista a construção de 3.600 barraginhas na zona rural de 12 municípios: Oeiras, Paulistana, Paes Landim, Guaribas, São Lourenço, Anísio de Abreu, Caracol, Acauã, Santa Luz, Coronel José Dias, Jurema do Piauí e João Costa.
Para o idealizador do projeto, o pesquisador Luciano Cordoval, o sucesso no Piauí vai dar força para que as barraginhas sejam adotadas em outros estados nordestinos.
Onde as barraginhas foram implantadas, em Minas Gerais, segundo a Embrapa, houve o enriquecimento do lençol freático, proporcionando condições de agricultura, aguadas, cacimbas com água de boa qualidade para consumo humano e animal.
“É a forma de libertar o nordestino do sertão da dependência dos caminhões pipas. Cada barraginha transfere para o solo o equivalente a 150 caminhões pipa”, garante Cordoval.
Segundo o técnico Antonio Carlos Gomes de Macedo, diretor da Cootapi, até junho, a expectativa é de que os 12 municípios sejam atendidos com as barraginhas.
Nesses locais, serão desenvolvidas plantações de árvores frutíferas com adaptabilidade ao Semi-árido, como manga, caju, umbu e outras.


O que é uma barraginha?


Barraginhas são mini-barramentos construídos na frente de cada enxurrada, em forma de meia-lua com 15 metros de diâmetro por 1,5 a 2,0m de profundidade. Esses mini-barramentos podem ser espalhados nas pastagens e beiras de estradas. Assim, as barraginhas vão recolher toda chuva que cai. Elas vão se encher de água e a água vai infiltrar na terra. Daí, com uma nova frente de chuvas, elas voltam a encher. Isso vai se repetir 10 a 12 vezes durante o ciclo chuvoso.
A vantagem é que as barraginhas, além de segurar as enxurradas e conter o processo erosivo, vão alimentar o lençol freático e os aqüíferos, tornando a terra úmida e agricultável. Só no Semi-Árido de Minas foram construídas mais de 80 mil barraginhas.