Eventos Extremos

Eventos extremos e a gestão dos recursos hídricos

24 de maio de 2006

Secas e inundações afetam a vida de um terço da população da Terra.


Prof. Raymundo Garrido


FMA – Eventos extremos, este é um debate importante?
Raymundo Garrido – Muito, mas muito importante mesmo! E a razão mais forte é que 90% dos desastres naturais estão relacionados com eventos extremos de clima, tempo e água. Os eventos extremos são situações-limite em termos de temperatura, pesados aguaceiros, nevascas, secas e inundações.
E, como tais situações fogem ao controle do homem, uma vez que ele não pode evitá-las, a saída é prover as regiões afetadas por esses fenômenos com as condições que permitam ao homem e a seu ambiente conviverem com os efeitos, muitas vezes perversos, desses fenômenos.
Conforme se percebe, os eventos extremos fazem parte do cotidiano do gestor de recursos hídricos, que é o profissional que trabalha em permanente observação do comportamento do ciclo hidrológico para atuar, quando necessário e possível.


FMA – Há razões de natureza econômica que justifiquem essa preocupação?
Garrido – Só há! Para se ter uma idéia da magnitude dos estragos dos desastres hidrometeorológicos ocorridos no mundo entre 1992 e 2000, os prejuízos alcançaram a cifra de 446 bilhões de dólares, que é mais da metade do PIB do Brasil. É uma exorbitância quando se observa tratar-se de um montante tão elevado relacionado com destruição e muitas perdas de vida. E mais: essa monta corresponde a 65% do total de todos os desastres naturais sobre a Terra.
Conviver com tamanha adversidade é uma necessidade que tem o ser humano e, para tanto, precisa observar, analisar, debater e propor medidas de convivência.


FMA – Alguns exemplos…
Garrido – Por exemplo, no caso de secas, devem-se adotar medidas mitigadoras que permitam a vida continuar normalmente ou próximo disso quando as chuvas não vêem e os leitos dos rios secam. No caso de inundações, é necessário receber os sinais de alerta a tempo de se preparar para a contingência.
Além disso, é preciso evitar atividades permanentes no uso do solo dos leitos maiores, que são as margens reclamadas pelos rios e lagos quando das cheias. Igualmente, as populações não devem morar junto a taludes não contidos por muros de arrimo ou cortinas de concreto, para não sofrerem os efeitos de escorregamentos de terra que normalmente ocorrem com grandes chuvas.
E, finalmente, as cidades devem contar com eficientes e bem planejados sistemas de drenagem de águas pluviais para evitar os alagamentos. No caso de tempestades de neve, não aplicável ao Brasil, evidentemente, a existência de sistemas de desobstrução de vias, juntamente com o aviso antecipado da ocorrência, é a principal medida. Enfim, não se podendo agir nas causas desses fenômenos, que são naturais, os gestores de recursos hídricos contribuem com os administradores públicos com proposição e implementação de medidas de convivência com esses fenômenos.


FMA – Será que as causas são sempre naturais ou o ser humano tem “culpa no cartório”?
Garrido – Nós já debatemos aqui na Folha do Meio a questão dos ciclones. Tivemos oportunidade de comentar que as tempestades estão cada vez mais violentas em decorrência do efeito estufa que, em grande medida, é causado pela atividade econômica. É que o aumento da temperatura do globo terrestre responde pela maior evaporação de água, cujo vapor se acrescenta às quantidades que vão se precipitar na seqüência natural do ciclo hidrológico.
Nunca o debate sobre mudanças climáticas foi tão importante como agora. E veja que o comportamento do homem em sua fúria pelo desenvolvimento econômico pode estar causando outras conseqüências. Essas conseqüências poderiam ser abortadas, ganhando-se em termos de antecipação à ocorrência de problemas, pela internalização dessas externalidades negativas. Debater eventos hidrometeorológicos extremos é uma das tarefas básicas do gerenciamento do uso da água.


FMA – Está muito economês. Explique melhor o que é internalização dessas externalidades negativas?
Garrido – Veja bem, externalidades são efeitos causados a terceiros. Por exemplo, se uma fábrica joga efluentes não tratados em um rio, está poluindo águas que vão ser utilizadas por terceiros a jusante. Como se trata de um efeito perverso, essa externalidade é negativa.
Outro exemplo: uma fábrica coloca um filtro moderno em sua chaminé e a fumaça que saía passa a ser mais leve, melhorando as condições atmosféricas onde vivem terceiros, ou a população local. Essa medida terá causado uma externalidade positiva, pois terá contribuído para a melhoria da qualidade do ar.
Quando um agente econômico, que pode ser as fábricas dos exemplos acima, previne a ocorrência de uma externalidade negativa, diz-se em “economês” que este agente econômico internalizou a externalidade, ou seja, passou a arcar com os custos da prevenção. Mais especificamente, fez tais custos ingressarem em seu orçamento. Daí o internalizar.


FMA – E quais são os desastres naturais além dos relacionados aos recursos hídricos?
Garrido – Há muitos outros. Os terremotos, as erupções vulcânicas, as pragas e outros fenômenos cataclísmicos, todos são desastres naturais. Os tsunamis, embora sejam relacionados com os recursos hídricos ocorrem em sua maioria no meio marítimo, pois oceanos e mares cobrem três quartas partes da superfície da Terra (Tsunami é uma série de ondas gigantes geradas quando um corpo d’água como o oceano ou lago é rapidamente deslocado em volumes de grandes proporções por força de terremotos, escorregamentos de terra, erupções vulcânicas, impacto de meteoritos ou qualquer outro corpo que venha a ocupar o seu espaço volumétrico). Como a tradição brasileira da gestão de recursos hídricos é de lidar apenas com as águas interiores, até o limite dos estuários, praticamente não se fala em tsunamis na gestão do uso da água no Brasil.


As secas


Seca amazônica: o leito dos rios e igarapés encolheu tanto que vida correu riscos graves


 


FMA – Vamos falar, então, dos eventos hidrometeorológicos extremos. Comecemos pelas secas…
Garrido – Bem. Conviver com secas em um ambiente de pobreza e com uma população que, em grande parte, não teve acesso à educação básica – caso do Nordeste brasileiro – é uma coisa. E conviver com secas em um ambiente de prosperidade – casos do oeste americano, de Israel e da Espanha ?, é outra coisa completamente diferente.
No caso brasileiro, o problema vem sendo atacado adequadamente. O Nordeste, principalmente, em sua vasta porção Semi-Árida, já acumulou muita água e, agora, o que lhe resta fazer é distribuir bem todo este volume. E é por isso que o Brasil vem destinando seus recursos para a construção de adutoras, tendo já mitigado uma boa parcela dos efeitos adversos da seca. Vale dizer, o Banco Mundial tem sido um parceiro importante nessa tarefa, cujo programa principal chama-se Proágua Semi-Árido. Mas, além das adutoras, o Semi-Árido também tem sido assistido por micro-soluções como, por exemplo, as cisternas que reservam águas de captação em telhados e outras superfícies. Sem esquecer, também, o uso de dessalinizadores.


FMA – Mas a seca hoje não visita somente o Nordeste. Tivemos rios secos na Amazônia, e seca severa no Rio Grande do Sul…
Garrido – É verdade. E no caso da bacia Amazônica, a meteorologia não explica com a mesma convicção que o faz em relação ao semiárido. No caso do semiárido já é bem conhecido o fenômeno de grande escala que está relacionado com o comportamento da Zona de Convergência Intertropical – ZCIT.
Isto significa que uma banda de nuvens que se dispõe, paralelamente, ao norte da linha do equador se desloca para sul entre fevereiro e junho. Essas nuvens podem se precipitar sobre o semiárido dependendo das condições que encontre. O comportamento desse sistema formador de chuvas, embora dependa da diferença de temperatura das águas superficiais do Atlântico Norte em relação às mesmas águas do Atlântico Sul, às vezes é afetado pelo fenômeno El Nino, que tem sido de uma previsibilidade incerta.
Mas em relação à Amazônia, a questão se situa tanto mais, ainda, no terreno da compreensão e da explicação da ocorrência de tais fenômenos. Para fins de previsão, o problema não está tão explorado quanto o do Nordeste brasileiro.


FMA – E qual a explicação para cada um desses dois casos: o da Amazônia e o do Rio Grande do Sul?
Garrido – Vamos lá. No caso da bacia Amazônica, as causas são preliminarmente atribuídas ao aquecimento das águas do oceano Atlântico próximo à costa africana e no golfo do México. Meteorologistas detectaram que esse aquecimento pode ter promovido uma significativa alteração nos padrões de circulação das correntes de ar fazendo com que massas de ar seco se dirigissem para a Amazônia.
O risco que essas secas na Amazônia trazem é o de ensejar o alastramento das queimadas, o que não ocorre com facilidade com a floresta úmida, em seu estado natural.
Em 1998, quando houve uma grande estiagem na região, cerca de 1,3 milhão de hectares de floresta em pé sofreram grandes queimadas em Roraima. Além disso, quando secam rios com as vazões que têm os rios da Amazônia, a mortandade de peixes é muito significativa, a produção agrícola se reduz e cresce o risco de contaminação da água com prejuízos para o abastecimento dos ribeirinhos.
 
FMA – E no Rio Grande do Sul?
Garrido – As secas da metade sul do Rio Grande costumam ocorrer nestes meses de abril e maio, principalmente quando se manifesta o fenômeno La Niña. Sucede que tais secas passaram a ser severas nos últimos quatro anos. Embora as causas  ainda estejam sendo melhor avaliadas, atribui-se tal fenômeno a um comportamento irregular da atmosfera sobre o oceano Pacífico que faz com que as frentes frias se desloquem mais rapidamente, muitas vezes não encontrando condições para se precipitarem no extremo sul do Brasil. Atinge também vastas áreas da Argentina e Uruguai. Esse fenômeno irregular é de curta duração. Em torno de dez dias. O problema é que ele tem se apresentado repetidamente, prolongando a seca da região.


FMA – E as secas no resto do mundo?
Garrido – Posso dizer que é tão grave quanto no Brasil. Em alguns casos muito mais graves. Aliás, 2005 foi um ano bem seco mundo afora. Grandes secas se observaram em partes da África, da Europa, da Ásia e da Austrália, sem contar as que tivemos no Brasil.
Na África, por exemplo, Moçambique vem enfrentando uma seca impiedosa depois de o país passar dois anos literalmente mergulhado em água por fortíssimas inundações. Na Europa, as ondas de calor, sobretudo nos países mais meridionais, foram tão violentas em alguns anos que chegaram a afetar o mecanismo de absorção de dióxido de carbono pelas plantas, contribuindo para o efeito estufa.
A Malásia teve a pior e mais severa seca dos últimos dez anos, com efeitos devastadores para a sua economia. E assim vamos encontrar centenas de episódios de secas em muitos países do mundo.


summary


Extreme events and water management
Droughts and floods affect life of one third of the Earth’s population. 



Water is blessing but it can be a curse. In excess it brings despair and causes losses of human life and materials. When there is a shortage, it causes other problems – there is not enough to slake thirst, plant or harvest crops. Extreme events caused by water have left an indelible mark on the world. According to the World Meteorological Society (WMS), 2005 was one of prolonged draughts in Brazil, as well as in several other countries. Many accounts of devastating hurricanes were recorded in the Northern Hemisphere. Flooding took place everywhere. Devastation caused by the Tsunami in December 2004 was perhaps the most extreme event recorded in the history of mankind.  According to the WMS, in the last decade natural disasters affected the lives of 2 billion people and caused the death of nearly 1 million.  Additionally the damage wreaked losses of roughly half a trillion dollars which reflects 65% of total losses to productive activities. In this beginning of the new century, climatic changes have not only contributed toward more violent storms, they have prompted much uncertainty about the future of the planet and therefore are at the heart of much current debate. In addition to the tsunamis in the Indian Ocean, flooding in New Orleans, in the United States, these events are also in the midst of the horrifying photos of the draught which afflicted the Amazonian rivers. To understand the question of extreme events in relation to water management, we will be talking with Professor Raymundo Garrido, of the Federal University of Bahia. 
Never has the debate about climatic changes been as important as it is today. And it looks as if Human behavior and all its fury caused by economic development may be causing other consequences. These consequences can be halted and gains can be made in terms of predicting the occurrence of problems by the internalization of these negative external factors.  Debating water and extreme meteorological events are some of the basic duties involved in the water use management.


As inundações                                                                                                             Foto: Reuters


Nova Orleans: quando o leito do Mississipi ficou pequeno para tanta água, o que aconteceu? Romperam-se as proteções laterais e foi aquela tragédia.


 


  FMA – Falemos agora sobre inundações.
Garrido – As inundações estão na outra extremidade da escala, em antagonismo às secas. Elas têm ocorrido por toda a parte no planeta.
A diferença crucial é que os efeitos das inundações são rápidos e os efeitos das secas são lentos. Demoram para ocorrer, por isso há como melhor administrá-las. Ou seja, dá tempo de as pessoas se livrarem.
No Brasil, são conhecidos os episódios de inundação do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, além dos casos amazônicos. Esses últimos pouco difundidos no passado pela baixa taxa de ocupação demográfica da região. Vale lembrar que, como se viu na Amazônia, pela grandiosidade dos rios e igarapés, quando há inundação ou seca, os problemas acabam sendo amazônicos, no sentido de grandiosidade


FMA – Há algum exemplo mais concreto?
Garrido – Há sim. Por exemplo, houve grandes inundações no Acre, em fevereiro passado, por uma grande cheia no rio Acre. O nível desse rio costuma subir por aumento da vazão de um afluente chamado riozinho do Rola. Sempre que o nível do rio Acre alcança a marca de 14 metros, os transtornos começam a se multiplicar. A cheia deste ano fez com que o nível do rio Acre chegasse a 16,73 metros, sendo inferior apenas à cheia de 1997 que foi de 17,66 metros.
Na enchente deste ano, cerca de 35 mil pessoas foram atingidas e aproximadamente 8.300 imóveis foram afetados. Para se ter uma idéia da gravidade dos efeitos desse evento extremo, a população total da cidade de Rio Branco é de 305 mil pessoas, o que demonstra que mais de 10% das pessoas foram atingidas pelas águas.
Cerca de setenta barcos se movimentaram para transportar pessoas, bens e mantimentos e as marolas formadas por essas embarcações causaram problemas ainda maiores.
FMA – Mas a culpa não é mais dos planos diretores das cidades ou na ocupação desordenada do solo urbano?
Garrido – É claro que esta é a grande causa. Quando se analisa o problema pela ótica da gestão hídrica, chega-se à constatação de que o planejamento urbano do passado não levou em conta – como na imensa maioria das cidades do mundo – as possibilidades de, em algum dia, o rio reclamar o espaço de seu leito maior. Atualmente, ao se planejar o uso do solo urbano, projetam-se, para as margens dos rios, equipamentos que não sejam de uso permanente. Por exemplo, parques lineares, ou armazéns para depósito de materiais inertes como pedras de porte, e jamais residências e edifícios públicos ou onde funcionem empresas.


FMA – Que mais é recomendável para mitigar os impactos das inundações no meio urbano?
Garrido – As inundações no meio urbano estão também estreitamente relacionadas com os sistemas de drenagem. Em muitos casos, o crescimento do tecido urbano sem o adequado projeto de drenagem de águas pluviais tem sido o motivo de grandes alagamentos. Aliado a isso, a falta de manutenção de sistemas bem concebidos e construídos costuma responder pelos alagamentos em cidades importantes do Brasil.
No passado, havia cidades como Salvador, em que o sistema de esgotos urbanos estava parcialmente entroncado com a rede de drenagem, um absurdo que felizmente já foi corrigido há mais de 20 anos.
Em palestras que tive a oportunidade de assistir, há fotografias incríveis como a de uma carcaça de um automóvel Volkswagen funcionando como uma rolha em uma galeria de drenagem na cidade de São Paulo. Isto reflete a ausência total de trabalhos de manutenção e limpeza. Mas faltam também campanhas para lembrar à população que não se deve arremessar plásticos, latas de bebidas, panos, móveis e muito menos um automóvel nos canais de drenagem urbana.


FMA – Há soluções criativas na drenagem urbana?
Garrido – Sim. Podem ser soluções criativas e paliativas. Os piscinões construídos nos grandes centros urbanos, em geral sob campos de futebol ou espaços de jóqueis clube, são um tipo de solução interessante para domesticar as águas de alagamentos nas cidades. Solução dessa natureza conta com vários exemplos no Brasil. Tal é o caso de Uberaba-MG, cuja topografia é bastante acidentada e que tem o centro da cidade situado na parte mais baixa de seu relevo.
São bacias de detenção que disciplinam o fluxo da água após os aguaceiros, um tipo de evento extremo que no passado causou muito prejuízo àquela cidade mineira. Há também os piscinões subterrâneos como o do Pacaembu, na cidade de São Paulo, que retêm os volumes de aguaceiros para posterior liberação. Mas se devem observar alguns cuidados importantes com esses equipamentos pois muitas vezes a poluição é carreada para o seu interior, gerando outro tipo de problema pelo risco potencial para a saúde coletiva.


FMA – O senhor havia citado o Vale do Itajaí. Qual a experiência dessa região?
Garrido – As inundações do Vale do Itajaí estão associadas não somente ao regime pluviométrico da região que, apesar de contar com chuvas bem distribuídas, recebe, de vez em quando, fortes pancadas d’água.
No Vale do Itajaí há também causas antrópicas oriundas da colonização da região como o desmatamento desordenado, as formas de ocupação do solo e outras intervenções que alteraram profundamente as condições originais da bacia. Portanto, as enchentes do Itajaí são resultado da soma de vários fatores. Os pontos mais vulneráveis estão no entorno de Blumenau. A convivência com o fenômeno já vem do século XIX, logo depois da chegada dos primeiros imigrantes.
As estatísticas mostram que entre 1980 e 2000, os episódios causaram cerca de 200 mil desabrigados e 46 mortes no Vale. Os estragos poderiam ser bem maiores não fôra a experiência já secular da região em conviver com o fenômeno.


FMA – Mas a causa não vem da ocupação equivocada do solo urbano?
Garrido – Evidente! A experiência mostra isso com clareza. O uso inadequado do solo urbano foi se consolidando e serviu para acentuar a gravidade do problema. Além de uma série de obras de engenharia de canalizações e retificações de canais que poderiam ter tido uma concepção alternativa para desfavorecer às inundações. Conclusivamente, estudiosos do problema do Itajaí são de opinião que as medidas para convivência com as bruscas precipitações devem levar em conta causas naturais e aquelas inerentes ao comportamento humano.


FMA – Como funciona no Brasil o sistema de alerta?
Garrido – Ainda muito mal, mas tem evoluído. Há sistemas de alerta em algumas partes do Brasil. Destaque deve ser dado ao do próprio Vale do Itajaí, que monitora automaticamente a subida e descida do nível do rio. A bacia do Prata conta com um sistema internacional que envolve os países banhados pelo rio da Prata e seus afluentes. A bacia do rio Doce teve o seu sistema implantado em 1998 por uma ação conjunta da ANEEL e do Igam, que é o Instituto Mineiro de Águas.


Sistema de alerta e a defesa civil


FMA – E houve melhoras?
Garrido – Houve. Observou-se uma sensível redução de acidentes após a instalação desses sistemas de alerta. Principalmente no caso de mortes. No caso do rio Doce, por exemplo, não mais se verificou um caso sequer de morte. Há destruição, há problemas diversos, mas o importante é que podem ser salvas vidas. Vale acrescentar, também, é a importância de um bom sistema cartográfico para melhor aquilatar os efeitos das inundações e prevenir a ocorrência de sinistros.


FMA – A defesa civil foi criada justamente para operar nesses eventos extremos…
Garrido – Exatamente. A defesa civil atua na mitigação dos efeitos. O ideal seria que não precisasse atuar em razão de medidas preventivas. Mas, como sabemos, nem sempre as medidas preventivas são eficazes ou então como em muitos casos, elas simplesmente não são tomadas. Se olharmos o lamentável quadro das favelas das cidades brasileiras, principalmente aquelas situadas nas proximidades das escarpas e grandes taludes, vemos nitidamente a falta de medida preventiva que permite, nos grandes aguaceiros, o escorregamento de terras com vítimas fatais. Aí, nem a defesa civil mais resolve, infelizmente.


FMA – Como nasceu esse serviço da defesa civil?
Garrido – Esse serviço começou durante a 2a Guerra Mundial. Nasceu na Inglaterra, após os ataques alemães sofridos entre 1940 e 41. Hoje o sistema está espalhado no mundo todo. Foi e é um serviço que salva muitas vidas, pois tem a participação de governos locais e da população. A defesa civil promove ações preventivas e ajuda muito quanto aos desastres, sejam eles de seca, de inundação, de incêndios, terremotos ou granizo.
Hoje, em todo o mundo, a Defesa Civil se organiza em sistemas abertos com a participação dos governos locais e a população no desencadeamento das ações preventivas e de resposta aos desastres.


FMA – E no Brasil?
Garrido – Aqui no Brasil também teve influência da 2a Guerra. Com o afundamento dos navios de passageiros Arará e Itagiba e a morte de 56 pessoas, o Governo Federal criou, em 1942, um serviço de Defesa Passiva Antiaérea. E foi além: criou também a obrigatoriedade do ensino da defesa passiva em todos os estabelecimentos de ensino, oficiais ou particulares.
Depois, a Defesa Passiva Antiaérea passou a ser chamada de Serviço de Defesa Civil. Em 1966, com as grandes enchentes no Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro, foi criado, no então Estado da Guanabara, o Grupo de Trabalho para estudar a mobilização dos diversos órgãos estaduais em casos de catástrofes.
O serviço veio se aperfeiçoando e hoje existe o Sistema Nacional de Defesa Civil, sob a coordenação a Secretaria Nacional de Defesa Civil, integrante da estrutura do Ministério da Integração Nacional.
É importante dar destaque ao papel das coordenadorias municipais de defesa civil, porque estas são domiciliadas exatamente onde o problema ocorre, que é no município.


FMA – Pensando no mundo, quais as instituições se ocupam desse problema?
Garrido – São muitas. Vale dar destaque à Organização Meteorológica Mundial. Trata-se de uma instituição exemplar. A OMM foi criada em 1950 e hoje congrega 187 países em torno da preocupação com os desastres naturais. O desafio dessa organização é assegurar que todos os países possam contar com os sistemas necessários, a infraestrutura, os recursos humanos, a capacidade técnica e a competência organizacional para construir e utilizar sistemas de avisos antecipados com respeito a desastres naturais.
A OMM trabalha em consonância com os serviços nacionais de meteorologia e hidrologia. A sua capilaridade se dá por meio de três centros de meteorologia mundiais e quarenta centros regionais.
Essa estrutura se ocupa em prover todas as nações do mundo com a infraestrutura operacional para realizar a observação, a detecção, a modelagem, a previsão e a emissão de avisos antecipados: é o que se chama de Sistema de Alerta. Dos 40 centros regionais, seis são especializados em ciclones tropicais.


FMA – Mas esse trabalho é conhecido apenas por especialistas e não pela população em geral…
Garrido – De certa forma é verdade, mas a OMM faz um trabalho muito além do que eu disse. Eles monitoram as emergências ambientais como, por exemplo, as que são causadas por acidentes nucleares, acidentes químicos, queimadas e erupções vulcânicas. E mantém programas de educação e de divulgação de seus serviços, com o objetivo de capacitar o público para o entendimento de cada tipo de problema e, principalmente, como se comportar.
É importante assinalar, também, que a OMM realiza um conjunto de estudos abrangendo o conhecimento histórico dos problemas de que se ocupa, dispondo de avaliações sistemáticas de observações meteorológicas e hidrológicas de eventos extremos. Trata-se de uma bagagem essencial para administrar riscos de desastres. No Brasil, a relação direta e já tradicional da OMM se dá com o Instituto Nacional de Meteorologia e com a Agência Nacional de Águas.


FMA – Os eventos extremos aumentaram ou foram os homens que pela ocupação irregular do solo, queimadas, poluição e devastação das florestas têm provocado essa reviravolta da natureza?
Garrido – Esta é a grande questão. Evidente que se acontece uma inundação onde não tem ninguém, não há problema a registrar. Se o homem mantém a floresta, não desvia os rios, não avança sobre o mar, não polui e evita as queimadas, o equilíbrio ecológico é mantido.
Os eventos extremos continuam a existir, mas o homem também é o grande culpado pelas dimensões que alcançam. Veja o caso de Nova Orleans. Cercaram o rio Mississipi de todas as formas. Com barreiras, com muros, cais e aterros. O rio ficou preso ao seu leito. Quando o leito ficou pequeno para tanta água, o que aconteceu? Romperam-se as proteções laterais e foi aquela tragédia.
A culpa, portanto, não é só do rio. Não é só da natureza, mas é também do homem. E em todos os continentes, em todos países, em quase todas as cidades têm sempre exemplos deste tipo. Os grandes problemas que existem acabam sendo por causa da ocupação irregular do solo, pelos aterros das várzeas, pelo desmatamento desordenado, pelo assoreamento dos rios, enfim, por causa da intervenção mal feita pelo ser humano. A natureza, sábia, vai lhe dando as respostas!


summary


Raymundo Garrido – Interview


Alarm system and civil defense


The floods are another extreme on the scale in opposition to draughts.  They have occurred throughout the planet. The crucial difference is that the effects of the floods are fast while the results of draughts are slow. They take place slowly and this is why they can be managed.  In other words, there is time for people to get away. 
Experience has clearly shown that one of the main reasons for flooding is the inappropriate occupation of urban soil. The inadequate use of urban soil has gained sway and serves to accentuate the gravity of the problem. When the problem is analyzed under the lens of water management it shows that urban planning in the past did not take into account, as in the large majority of the cities in the world, the possibility that one day, the river will reclaim the space occupied by its larger bed. 
Currently, when planning urban soil use, equipment is projected for the river banks which is not for permanent use such as for example, parks.  A number of channeling engineering projects and correction of channels can be understood as alternative concepts that do not favor flooding. 
The preventative measures are effective or then, as in many cases, they simply are not taken. If we look at the lamentable shanty town (favelas) situation of Brazilian cities, especially those that are located near steep slopes and large sloping banks, we can clearly see the lack of any preventive measures that would avoid, during large downpours, landslides and fatal victims.
The civil defense service began during World War II. It was born in England after the German attacks it suffered during 1940 and 1941. Today, the systems have grown throughout the world. It was and is a service that saves a great many lives because it has the participation of local governments and the population.  Civil defense promotes preventative actions and helps when disasters occur such as draughts, floods, fires, earthquakes and hail. Today, throughout the world, the Civil Defense is organized in open systems with the participation of the local governments and the population to implement preventative actions and disaster responses.