Biodiversidade marinha

Abrolhos: a biodiversidade marinha ameaçada

14 de junho de 2006

Criação de camarão ameaça a maior área de biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Uma área de 1.517 hectares de manguezais e restingas pode ser degradada.

Fotos: Guilherme Dutra – CI Brasil


Área de mangue com suas raízes características expostas


Espécies vegetais típicas das restingas da região


 


 


Em 2002 a região dos Abrolhos foi oficialmente declarada como área de Extrema Importância Biológica pelo Ministério do Meio Ambiente como parte do compromisso brasileiro diante da Convenção sobre a Diversidade Biológica. No entanto, um mega empreendimento de carcinicultura (criação de camarão) ameaça a maior área de biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Uma área de 1.517 hectares de manguezais e restingas foi adquirida pela Coopex – Cooperativa de criadores de camarão do extremo sul da Bahia – no município de Caravelas. Neste local o projeto prevê o desmatamento de cerca de 900ha de vegetação de restinga (o equivalente a 800 campos de futebol) para a instalação de criatórios de camarão. Esta área é considerada de Preservação Permanente pelo Ibama, e por isso protegida por lei.
De acordo com o biólogo Guilherme Dutra, do Programa Marinho da Conservação Internacional (CI-Brasil), estes ecossistemas são extremamente frágeis e dependem basicamente da saúde e integridade dos manguezais ali existentes. E um empreendimento com tal porte funcionaria de modo inverso a um filtro, onde captaria diariamente 880.000 metros cúbicos de água limpa e repleta de larvas de peixes e mariscos, devolvendo água carregada de  matéria orgânica e produtos químicos.
Segundo o depoimento de Soraya Vanini, do Instituto Terramar, foi feito um relatório do grupo de trabalho de carcinicultura em 2005, onde estão registradas diversas ocorrências de doenças respiratórias e até óbitos humanos. Motivo: o uso de metabissulfito de sódio em fazendas de carcinicultura. Esta substância libera um gás tóxico quando em contato com a água.


Prejuízos ambientais e sociais


Além dos impactos da atividade sobre os ecossistemas, como mudanças no fluxo das marés, extinção de habitats, disseminação de doenças entre crustáceos e a contaminação da água, há também os prejuízos sociais. Cerca de 20 mil pessoas, entre marisqueiros, catadores, artesãos, agricultores e pescadores, vivem da pesca artesanal, compatibilizando o uso sustentável dos recursos. Portanto, dependem da qualidade ambiental dos estuários da região.
Segundo Jorge Galdino, do Movimento Cultural Arte Manha, a atividade sustentável destas populações é coerente com as políticas públicas que o governo tem conduzido na região, como o turismo integrado, a pesca e a proteção do meio ambiente.
É nos manguezais que muitas espécies se reproduzem e passam as fases iniciais da vida. Devido a decomposição de animais e restos de folhas, o manguezal é rico em matéria orgânica e é considerado berço da vida marinha. Muitas espécies de mangue são migratórias, utilizando a área como alimentação e refúgio. É o caso do Trinca-réis-real, ave típica da região e considerado vulnerável a extinção pelo IBAMA.


Pescadores de Caravelas usam o mangue de maneira sustentável


Algumas espécies típicas da flora da região

 


A Coalizão ?SOS Abrolhos: Pescadores e Manguezais Ameaçados? se mobilizou para impedir a instalação das fazendas de camarão. A coalizão é formada por 13 entidades: Conservação Internacional, Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Terramar, Grupo Ambientalista da Bahia-Gamba, Instituto Baleia Jubarte, Environmental Justice Foundation-EJF, Associação de Estudos Costeiros e Marinhos de Abrolhos-Ecomar, Patrulha Ecológica, Movimento Cultural Arte Manha, Mangrove Action Project-MAP, Coalizão Internacional da Vida Silvestre-IW/Brasil, Aquasis-Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos e pela Agência Brasileira de Gerenciamento Costeiro.
Com o objetivo de reforçar a proteção sobre os ecossistemas de Abrolhos, foi criada a Zona de Amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Esta medida prevê restrições a toda atividade que gere impactos ao meio ambiente no entorno do parque, como a exploração de petróleo e gás natural.
Esta Zona de Amortecimento vem sendo discutida por ambientalistas, pela área acadêmica e órgãos governamentais há três anos, desde que a ANP ofereceu grandes áreas para a exploração de hidrocarbonetos na região.
Segundo Paulo Gustavo Prado, diretor de Política Ambiental da Conservação Internacional, este decreto foi um passo importante para compatibilizar as atividades econômicas com a conservação do meio ambiente, reduzindo os impactos e garantindo a sustentabilidade da região.
Segundo o SNUC, a Zona de Amortecimento abrange ?o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade?.
Essa é uma medida essencial para o Complexo de Abrolhos, que vai abranger uma área de águas rasas e claras, do Banco dos Abrolhos e Royal Charlotte, tendo como limite norte o rio Jequitinhonha (BA), e ao sul, o rio Doce (ES).


Patrulha ecológica


Como afirma Paulo Aguiar, educador ambiental da Ong Patrulha Ecológica, a portaria do Ibama é definida justamente num momento em que a comunidade necessita de fôlego para estabelecer prioridades e continuar exercendo seus direitos: ?É fundamental que este seja um instrumento de avaliação diante de toda ação que se pretenda nesta comunidade, principalmente quando estas ações podem gerar efeitos irreversíveis?.
O empreendimento da Coopex promete criar 1.500 empregos, muito aquém das projeções dos ambientalistas. Empreendimentos com porte similar a este no Ceará, geraram 0,2 empregos por hectare. Cultivado, ou seja, pouco mais de 450 postos na proposta da Coopex. O processo de licenciamento para o projeto está em  andamento, apesar da polêmica. A Coopex apresentou um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, que foi considerado inconsistente. Com a coordenação da CI Brasil, foi elaborado um parecer independente. Guilherme Dutra, e um dos organizadores do documento afirma: ?O parecer traz uma série de questionamentos, apresenta em detalhes os pontos fracos e contraditórios do EIA-RIMA que a Coopex apresentou e recomenda sua desqualificação e a negativa da licença ambiental para o empreendimento?.


summary


Abrolhos: Marine biodiversity threatened
Shrimp farming threatens the largest marine biodiversity area in the Southern Atlantic region.  A 1,517 hectare region of mangroves and restingas (river bordering woodlands) has been acquired by the Shrimp Farmers? Cooperative with the support of the Bahia State Government and calls for the deforestation of nearly 900 hectares.


The Abrolhos Archipelago is known as the largest coral reserve in the Southern Atlantic region. The five islands that make up the archipelago are thought to be the remainders of a volcanic crater crust and are a haven to rare and magnificent corals such as the brain coral, in addition to crustaceans, mollusks, turtles, birds and marine mammals threatened with extinction. The first Marine National Park was created in this region in 1983, especially for the purpose of safeguarding rare species that require protection. The Abrolhos Complex also encompasses the Timbebas Reef and the Abrolhos Parcel, river and mangrove estuaries in the region. All of these pieces make up the  marine environment mosaic and the remaining coast lined Atlantic Rainforest that serve as well as a nursery for the procreation of a great many species and a subsistence means of life for a good part of the local population.


Ampliação do Parque de Abrolhos


Para o setor desenvolvimentista, a ampliação da Zona de Amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, de 10km em torno do Parque para 250km de diâmetro  norte/ sul, ameaça exploração de gás. Tida como prioritária pela Petrobras como alternativa à importação de gás da Bolívia, a exploração de gás no norte da bacia do Espírito Santo tem seu potencial de produção ameaçado pela ampliação do Parque, segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico do Espírito Santo, Júlio Bueno. De acordo com Bueno, as áreas mais importantes para o aumento da produção de gás no país, ainda não serão afetadas pela ampliação de Abrolhos. Ele disse, porém, que o potencial de exploração futuro de gás está sob risco.
O maior santuário de baleias do Atlântico Sul, está sob risco, caso se concretize a prospecção de petróleo e gás na região, opinam ambientalistas. Há vários impactos ambientais resultantes deste tipo de exploração de gás e petróleo no mar. Somente a emissão de sons causados pelos canhões de gás comprimido, durante o levantamento sísmico, podem atingir 180 decibéis a cada 6 segundos. Ao acionar o equipamento é criada uma bolha de ar dentro d’água que, ao estourar, gera o ruído que pode se propagar até quatro mil metros de profundidade. Assim, não só as baleias estariam ameaçadas, mas toda a biodiversidade marinha da região!
Como se não bastasse, existe a liberação no mar da água poluída com substâncias tóxicas usadas na manutenção e testes com os dutos, além da queima constante de parte do gás liberado. É preciso, a priori, regulamentar as leis existentes para impedir a exploração de gás e petróleo em áreas ecologicamente sensíveis. As decisões estaduais dos governos da Bahia e do Espírito Santo, quanto a exploração da região, acabou confrontando com o governo federal, sobretudo o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, pela tomada de decisão de ampliação do Parque de Abrolhos.


Os manguezais ainda intocáveis da ilha de Cassuruba funcionam como berçário da vida marinha de Abrolhos e …


 


 


 


… da biodiversidade dos recifes de corais


 


Guilherme Dutra – Entrevista
Guilherme Dutra é biólogo e coordena
o Programa Marinho da CI Brasil 


Folha do Meio – Como está  o andamento da licença ambiental para o empreendimento de carcinicultura na região de Caravelas?
Guilherme Dutra – Por conta da inconsistência no processo de licenciamento, este estava suspenso por decisão do Ministério Público da Bahia desde a última semana de março. Dia 18 de abril, entretanto, a liminar foi cassada pelo Tribunal de Justiça do Estado. Por isso o projeto voltou à pauta do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CEPRAM.
Em maio os membros do CEPRAM visitaram a região proposta para o empreendimento a fim de realizar uma avaliação. Estamos na expectativa dos resultados.


FMA – Quais seriam os impactos ambientais específicos para o Arquipélago de Abrolhos, distante 70km da costa?
Guilherme Dutra – Os empreendimentos marinhos e costeiros apresentam fortes relações de interdependência. A presença de mangues próximos aos recifes de corais é fator condicionante à sua biodiversidade e produtividade.
Isto porque estes mangues servem como área de nutrição e alimentação para espécies importantes na cadeia trófica, inclusive espécies de valor comercial. Os recifes guardam estreita relação com os estuários.
O projeto de carcinicultura situa-se sobre o principal estuário do Complexo dos Abrolhos. O manguezal entre os municípios de Caravelas e Nova Viçosa funciona como  berçário da vida marinha em Abrolhos.
Um empreendimento deste porte vai comprometer os estágios iniciais de desenvolvimento e o ciclo reprodutivo de muitas espécies que povoam o arquipélago.


 Maiores informações: CI  Brasil:  www.conservacao.org