Monumento espeleológico de primeira grandeza
18 de julho de 2006Aécio Neves faz da Gruta do Maquiné um Monumento Natural Estadual em homenagem a Peter Lund
Com 650m de extensão, Maquiné tem uma entrada imponente e, lá dentro, estalactites e estalagmites formam figuras majestosas, com “cristais” brilhando em formato de franjas, grinaldas e lustres
Competente é uma pessoa de talento que faz bem o dever de casa. Célio
Murilo de Carvalho Valle é competente, tem talento e faz do seu dever de casa uma revolução silenciosa na gestão ambiental brasileira. Biólogo e diretor do IEF-MG, Célio Valle foi professor de Ecologia e Zoologia da UFMG e o primeiro Diretor de Ecossistema do Ibama. Foi ele que criou o conceito de RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural – e bancou, contra os céticos de sempre, sua implantação legal. É mineiro de Prados. As cidades históricas de Tiradentes, Prados e São João d’El Rey estão localizadas na Serra das Vertentes, nas proximidades de Bichinho (Vitorino Veloso). Ter raízes em um lugar com o nome de Bichinho certamente predestinou o menino Célio a dedicar sua vida na defesa do meio ambiente e despertou seu gosto pela originalidade da literatura de Guimarães Rosa. Graças a seu trabalho de Sísifo, devemos a ele a criação de muitas reservas naturais, parques nacionais e estaduais, como o Grande Sertão:Veredas; Peruaçu: Serra do Cipó; Biribiri; Itambé; Rio Preto e outros. Obrigado, professor Célio!
(Miguel Flori Gorgulho)
MAQUINÉ: O PALÁCIO DAS FADAS
Por Célio Valle, de Cordisburgo
A REGIÃO – Próximo corre o Ribeirão do Cuba, que desaparece num sumidouro abaixo da gruta do Salitre. Depois de atravessar o maciço calcário, reaparece para desaguar no ribeirão do Onça, afluente do rio das Velhas, afluente mais importante do São Francisco. João Guimarães Rosa, filho de Cordisburgo, em estilo inconfundível descreve um desses rios típicos das regiões cársticas: “Fim do campo, nas sarjetas entremontãs das bacias, um ribeirão de repente vem, desenrodilhado, ou o fiúme de um riachinho, e dá com o emparedamento, então cava um buraco e por ele se soverte, desaparecendo num emboque, que alguns ainda têm pelo nome gentio de anhanhonhacanhuva. Vara, soterrão, travessando para o outro soe do morro, ora adiante, onde rebrota desengulido, a água já filtrada, num bilobilo fácil, logo se alisando branca e em leves laivos se azulando, que qual polpa cortada de caju”.
A ECOLOGIA – Depois de visitar e registrar mais de 106 grutas situadas ao longo do Rio das Velhas, onde era intensa a exploração do salitre, como é hoje a da cal e do cimento, Peter Lund escreve estas candentes e atuais palavras sobre a conservação destes nossos monumentos naturais, já então intensamente dilapidados: “Aqueles que têm o culto das sublimes belezas naturais não podem contemplar sem verdadeira mágoa a destruição metódica do principal ornamento dos trópicos; as majestosas florestas virgens: o botânico já pode talvez deplorar a extinção irreparável de muitos dos mais velhos representantes da flora deste país. Entretanto, o que vale tal perda, comparada com a destruição de milhões de destroços duma fauna extinta, que a zoologia perdeu para sempre em virtude da retirada da terra salitrosa das grutas?”
Conclui, no entanto, com sabedoria e otimismo, que no futuro tudo será muito diferente, quando a luz benéfica da ciência e da arte guiarem os trabalhos da indústria.
A ESPELEOLOGIA – Pode-se dizer que foi em Cordisburgo, na Gruta ou Lapa Nova do Maquiné, que nasceram a Espeleologia, a Arqueologia e a Paleontologia brasileiras. O naturalista dinamarquês Peter Lund, ao visitar Maquine em 1834, foi o primeiro cientista a descrevê-la e cartografá-la. Analisa-a geologicamente, registra no seu interior ossadas fósseis e sinais do homem pré-histórico como pinturas rupestres e material lítico. Como resultado dessa visita editou em 1836, em dinamarquês, a sua Primeira Memória Científica sobre “as cavernas existentes no calcário do interior do Brasil, contendo algumas delas ossadas fósseis”. Dedica-se durante vários anos ao estudo do ecossistema local. Nesta primeira memória descreve os diversos salões da gruta, dando explicações sobre sua origem. A Lapa já era conhecida e visitada antes da chegada de Lund. O gado ali ia lamber o salitre do solo e os mineradores locais extraíam-no para a fabricação da pólvora.
O PESQUISADOR – Peter W. Lund nasceu em Copenhage, na Dinamarca, em 14 de junho de 1801. Atraído pelos estudos das coisas da Natureza, dedica-se principalmente à Botânica e à Zoologia. Depois da morte de seu pai, rico comerciante, embarca para o Império do Brasil em 1825, nos festejos do nascimento do príncipe herdeiro, o futuro D. Pedro II. Regressa à Dinamarca em 1829 e publica uma série de trabalhos sobre aves, insetos e moluscos da região do Rio de Janeiro. Em 1833 embarca para uma segunda expedição científica ao Brasil. Trava amizade com o botânico alemão Riedel e dedica-se ao estudo das plantas invasoras que “geralmente vegetam como joio ao longo dos caminhos e cercas do Brasil”.
Os dois amigos planejam uma expedição pelo interior do vasto Império, para estudar a composição florística dos campos e florestas. Recolhiam as plantas que, depois de secas ao sol, eram embaladas e transportadas em caixas por tropas para o Rio de Janeiro, de onde eram enviadas para aos Museus da Europa. Os escravos que acompanhavam os naturalistas eram seus auxiliares de ensino. Ministravam depois às damas da corte lições de botânica e biologia. Num dos seus contos, ?O Recado do Morro?, Guimarães Rosa imagina um desses curiosos viajantes estrangeiros: “o louraça Seu Olquiste”, que “parecia querer remedir cada palmo do lugar, as plantas do caatingal e do mato. Por causas esbarravam a toda hora, se apeavam… a tudo quanto enxergava dava um mesmo e engraçado valor…”
OS ESTUDOS – Em 1835, Peter Lund já se encontrava instalado definitivamente na sua casa-laboratório em Lagoa Santa. Durante dez anos pesquisou centenas de grutas no vale do rio das Velhas. Enviava, anualmente, para a Dinamarca suas memórias e estudos, que eram publicados e lidos em reuniões da Real Academia. Este acervo encontra-se hoje no Museu da Universidade de Copenhague. Os estudos feitos por Lund foram citados por Darwin no livro Origem das Espécies (1854).
Em 1849, Lund enviou suas últimas caixas de amostras coletadas. Pensava em voltar para a Europa, mas nunca o fez. Encerra suas atividades de pesquisa passando a viver em Lagoa Santa como um sábio ermitão silencioso, amigo do povo e da banda de música local e sustentado pelo seu patrimônio familiar. Sua casa era referência obrigatória para qualquer naturalista-viajante que passasse pelas Estradas Reais da província das Minas.
Em 25 de maio de 1880, aos 79 anos, morre. O corpo de Lund é sepultado em cemitério particular por ele comprado e murado. Juntamente com ele, estão sepultados, em Lagoa Santa, alguns amigos e colaboradores: um suíço, um alemão e um norueguês. Está aí um testemunho da internacionalidade da ciência.
Em Belo Horizonte, os museus de História Natural da UFMG e da PUC expõem informações sobre a paleontologia e dados sobre a vida de Peter Lund.
Todo este fantástico trabalho beneditino de uma gota d’água pode ser visto ainda em ação em muitos lugares da Lapa, mas principalmente na sexta câmara – o “Castelo das Fadas”
Formação dos espeleotemas
A água ácida da chuva que abriu as galerias, dissolvendo e carregando a rocha calcária, inicia paralelamente um trabalho inverso e construtivo decorando os vãos abertos com deslumbrantes figuras brancas ou coloridas em formas de velas, colunas, órgãos, escadarias etc. Lenta e silenciosamente desestabilizam grandes blocos calcários que, de quando em quando, caem no interior das grutas separando-as em câmaras ou salões. Todo este fantástico trabalho beneditino de uma gota d’água pode ser visto ainda em ação em muitos lugares da Lapa, mas principalmente na sexta câmara – o “Castelo das Fadas”.
Os cientistas chamam essas formações de “espeleotemas”, que são definidos como depósitos de formas mais ou menos bizarras que se estruturaram a partir de uma solução química por precipitação do carbonato.
Guimarães Rosa, que além de possuir “o segredo das pessoas estudadas”, tinha a sensibilidade do artista, assim descreve as águas laboriosas formadoras dos ambientes cársticos: “Umas redondas chuvas ácidas, de grande diâmetro, chuvas cavadoras, recalcantes, que caem fumegando com vapor e empurram enxurradas mãos de rios, se engolfam descendo por funis de furnas, antros e grotas, com tardo gorgolo musical… Pelas abas das serras, quantidade de cavernas – do teto de umas poreja, solta no tempo, a agüinha estilando salobra, minando sem-fim num gotejo, que vira pedra no ar, se endurece e dependura, por toda a vida, que nem renda de torrõezinhos de amêndoa ou fios de estadal, de cera-benta, cera santa, e grossas lágrimas de espermacete; enquanto do chão sobem outras, como crescidos dentes, como que aquelas sejam goelas da terra, com boca para morder”.
Em 1908, conta o grande engenheiro agrimensor Álvaro da Silveira que a gruta já era explorada turisticamente. O visitante chegava de trem de ferro até Cordisburgo e a última parte do trajeto era feita a pé ou a cavalo. Pagava-se 10$000 por pessoa, preço não “absolutamente módico”, como observa o engenheiro. A iluminação era feita com vela.
A Gruta do Maquiné hoje
Monumento Natural Estadual Peter Lund
Felizmente para nós, depois de uma história bastante acidentada, a Gruta do Maquine foi conservada sem grandes modificações, graças à iniciativa do governador Israel Pinheiro, que pelos decretos 10.048 de 23 de setembro de 1966 e 10.645 de 22 de agosto de 1967, desapropriou parte do maciço calcário no qual está escavada a gruta.
Artisticamente iluminada pela Cemig e ligada por asfalto à BR-040, esta gruta foi a primeira a ser integrada ao circuito turístico do estado, podendo ser visitada com toda comodidade e segurança.
Em 2005, o governador Aécio Neves, pelo decreto n° 44120/2005, garantiu definitivamente para as gerações futuras este patrimônio tão importante, declarando a Lapa do Maquine e seu entorno imediato como uma Unidade de Conservação Estadual do grupo de proteção integral na categoria de Monumento Natural.
Em homenagem ao cientista dinamarquês Peter Lund, que dedicou parte de sua vida aos estudos da História Natural de nosso Estado, esta Unidade de Conservação recebeu o nome de Monumento Natural Estadual Peter Lund.
O visitante tem ainda a oportunidade de conhecer a terra natal de Guimarães Rosa. Para os que apreciam literatura, Cordisburgo oferece outro atrativo: o Museu Guimarães Rosa, aberto na casa onde o grande escritor do sertão mineiro nasceu e passou parte de sua infância.
Inspirado nos textos de Lund e Rosa, Stamar de Azevedo Júnior, o Tazico, criativo artista local, modelou em tamanho natural, usando cimento e ferro, os animais da megafauna que ali viveram. Estão expostos na praça conhecida como Zoológico de Pedra.
E, para concluir, a história da região e da Lapa Nova de Maquine, ninguém melhor do que o próprio Guimarães Rosa: “De feito, diversa é a região, com belezas, maravilhal. Terra longa e jugosa de montes pós montes: morros e corovocas. Serras e serras, por prolongação. Sempre um apique bruto de pedreiras, enormes pedras violáceas, com matagais ou lavadas. Tudo calcário. E Elas se roem, não raro, em formas – que nem pontes, torres, colunas, alpendres, chaminés, guaritas, campanários, parados animais, destroços de estátuas ou vultos de criaturas… quantidade de cavernas”. “E nas grutas se achavam ossadas, passadas de velhice, de bichos sem estatura de regra, assombrações deles – o megatério, o tigre-dente-de-sabre, a protopantera, a monstra hiena espélea, o páleo-cão, o lobo espéleo, o urso-das-cavernas – e homenzarros duns que não há mais. Era só cavar o duro chão, de laje branca e terra vermelha e sal”.
Maquiné, aqui nasceu a arqueologia brasileira
Depois de explorar cientificamente e pela primeira vez a Lapa do Maquiné iluminada pela luz inquieta e misteriosa de archotes fumarentos, Peter Lund foi o primeiro a descrever seus diversos salões e corredores não só em linguagem técnica, mas também de forma romântica e empolgada.
A primeira descrição científica de uma lapa em Minas foi redigida por Lund a partir de seus diários de campo e de croquis feitos pelo desenhista alemão Brant, seu auxiliar e amigo. Foram lidas solenemente em Copenhage por um acadêmico, colega de Lund e publicada pela Real Academia da Dinamarca em 1836, na forma de uma Memória sob o título: “Cavernas existentes no calcário do interior do Brasil encerrando nelas ossadas fósseis”. Esta memória pode ser considerada como o registro de nascimento da Paleontologia, Arqueologia e Espeleologia no Brasil.
Assim Lund inicia sua descrição: “A vista do viajante perde-se em extensos e variados horizontes e parece que a natureza aí ostentou toda a gala para mais inspirar o poeta que quisesse cantar as belezas ainda mais imponentes do interior da caverna e delinear os traços da lúgubre cena misteriosamente inscrita em suas sombrias abobadas”.
Infelizmente, a cobertura da vegetação natural foi modificada com a introdução de espécies exóticas. Num futuro próximo, o espaço será revitalizado, voltando-se à paisagem primitiva. No interior da rocha a orientação geral da caverna tem a forma de ípsilon de aproximadamente 500m. Enormes massas de estalagmites ou blocos caídos de calcário dividem a caverna em sete salões decorados mais ou menos ricamente por espeleotemas.
No alto da parede da primeira câmara pode-se ver ainda uma misteriosa pintura rupestre, sinal de posse deixado por seus antigos visitantes e moradores que “sus se foram” como se expressa Guimarães Rosa.
Lund se entusiasma ao descrever a sexta câmara: “… O que contribui principalmente para aumentar o efeito de tais belezas arquitetônicas é o seu revestimento brilhante. Toda a câmara e todas as figuras nela existentes estão cobertas de uma crosta de cristais delicados de carbonato de cal, ora do mais puro branco, ora diversamente colorido, predominando o amarelo nanquim. Os esplêndidos reflexos produzidos pela luz ferindo as inúmeras facetas desses cristais, deslumbram a vista, de modo que o homem se julga transportado a um Palácio de Fadas. Meus companheiros permaneceram durante muito tempo mudos à entrada desse templo. Depois, involuntariamente, se ajoelharam e persignando-se, exclamaram diversas vazes: “Milagre, Deus é grande”! Foi-me impossível dissuadi-los da idéia de que este templo devia servir de morada a Nosso Senhor. Quanto a mim, confesso que nunca meus olhos viram nada de mais belo e magnífico, nos domínios da natureza e da arte”.
Maquinezinho, Maquiné velho, Maquiné da Estação, Povoado do Maquiné, Maquiné de Baixo, Maquiné de Cima, Córrego do Maquiné, Serra do Maquiné, são muitos lugares com este nome. Será que os lugares já chamavam Maquiné, e o Lund deu à Lapa este nome? Ou a lapa já chamava Maquiné e inspirados pela sua beleza os moradores deram nome aos lugares? Eu, pessoalmente, acho a primeira hipótese mais concreta.
José Osvaldo dos Santos – Brasinha (*)
Origem do nome Maquiné
Em Sagarana, em o Corpo Fechado, Guimarães Rosa conta: “Mané Fulo chega bêbado montado na sua mula Beija Flor na casa do doutor e o mesmo pergunta ao Mané onde ele pretende ir e ele responde: Eu – … Eu: Tões, Militões, Canindés, Maquinés!
Loucura, porque nem nunca que havia poder chegar a Fazenda do Tão, nem na do Militão, pior ainda no Canindé, nem nunca que nunca no Maquiné, principalmente com a Beija Flor assim disposta à arrombar portas e ir embocando no domicílio de gente importante”.
Todos os nomes citados por Guimarães Rosa são de famílias muito conhecidas em nossa comunidade de Cordisburgo, portanto o nome destas famílias com certeza deram nomes aos lugares. Existem afirmações que o proprietário das terra onde existe a Gruta tinha o sobrenome Maquiné: Joaquim Maria do Maquiné.
Vamos continuar em Cordisburgo a procurar as histórias, achá-las e contar às pessoas para que esta tradição oral não desapareça. Principalmente na terra do homem que tanto ouviu histórias e as escreveu de uma maneira mágica: o nosso conterrâneo Guimarães Rosa.
Vamos pensar em Cordisburgo, Cidade do Coração, do Coração de Lund, de Guimarães Rosa, de todos os Cordisburguenses com a alegria de Deus ter-nos dado este templo sagrado: a Gruta do Maquiné.
(*) José Osvaldo dos Santos, conhecido como Brasinha, é o diretor
cultural da Associação dos Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa.