Refúgio de vidas marinha protegido
18 de julho de 2006Nos estuários dos rios Timonho e Ubatuba, no litoral piauiense, os peixes-boi levam uma vida confortável, porém, sempre ameaçada.
O pesquisador Magnus Machado mostra
o capim que serve de alimento para o peixe-boi.
No detalhe, um filhote de peixe-boi em local protegido.
Com o apoio da comunidade, os técnicos do projeto foram longe. Campanhas como “Encalhou”, que visa identificar as áreas de encalhe dos animais, em especial os filhotes, mobiliza grande parte da população e consegue dezenas de adeptos. Os colaboradores vestem, literalmente, a camisa do peixe-boi e saem de porta em porta cativando as famílias, explicando a importância de sua preservação. “Só no primeiro ano foram cadastrados 80 colaboradores”, conta o veterinário Magnus Machado Severo, que até 2005 monitorava os bichos, através da Fundação Mamíferos Aquáticos.
Desde que assumiu a função de analista ambiental no Ibama, em outubro passado, Magnus deixou o projeto e, até então, a Fundação Mamíferos Aquáticos não nomeou outro técnico, fato que já preocupa a gerência do Ibama em Parnaíba.
“Não entendemos porque a Coordenação Nacional do Peixe-Boi não se interessa por nossa base. Temos uma grande população de peixes-boi, em Cajueiro. Fomos os primeiros, no Brasil, a monitorar um parto em ambiente natural e, mesmo assim, estamos sem veterinário”, reclama Fernando Gomes.
A instalação de uma unidade de proteção integral no complexo estuarino dos rios Timonho/Ubatuba e Camurupim/Cardoso será a redenção e a garantia de sobrevivência, não somente do peixe-boi, mas de milhares de espécies.
Para garantir o futuro dos estuários, os técnicos do Ibama, em Parnaíba, redigiram um documento mostrando a importância do que eles chamam de “um conjunto de unidades geoambientais de alto valor para o aumento da biodiversidade da costa brasileira”.
Fragilidade do ecossistema
Ao longo dos anos, esse exuberante e frágil ecossistema vem sofrendo alterações degradantes. A pressão turística desordenada é um dos fatores alarmantes. Segundo o estudo, desde a implantação de um grande resort turístico em Camocim, município limítrofe com Barroquinha, às margens direitas do estuário dos rios Timonho/Ubatuba e da pavimentação de diversas vias de acesso a Cajueiro da Praia, o crescimento do turismo na região tem se dado de forma acelerada e irracional.
A utilização dos recursos naturais, também acontece de forma errada, com pesca em áreas de procriação e de incentivo à comercialização, sem política de proteção e apoio. O estudo chama atenção, ainda, para o aumento da corrida pela produtividade dos principais recursos pesqueiros nas águas costeiras adjacentes, incluindo a lagosta, o camarão e todas as principais espécies de peixe capturadas podem levar ao esgotamento, embora não chegue ao nível do que vem ocorrendo na costa cearense, onde a ocupação humana está levando ao esgotamento dos recursos. Na região de Cajueiro, o maior problema é a diminuição do estoque pesqueiro, exauridos pela degradação de habitats, falta de reposição por excesso de captura e de alimentação.
Para salvar tamanha riqueza, só tem o caminho da proteção. A idéia é preservar pelo menos 16 áreas de grande importância para a conservação da biodiversidade na região do baixo Rio Parnaíba. As comunidades que utilizam a área deverão ser instrumentalizadas para participarem da discussão pública a cerca da proposta da criação das Unidades de Conservação de uso restrito.
“É preciso que eles estejam preparados para discutirem, em pé de igualdade com outros atores, a própria sustentabilidade das comunidades”, diz o chefe do Ibama em Parnaíba, Fernando Gomes, lembrando que no passado, o governo federal implantou diversas áreas sem a participação da comunidade, o que gerou muitos conflitos fundiários como o de São Raimundo Nonato, onde mais de 230 famílias foram expulsas do Parque Nacional Serra da Capivara e até hoje não foram indenizadas.
Reação dos carcinocultores
O presidente da Associação dos Carcinocultores, Manoel Lima, discorda do Ibama e reage. “A comunidade já está se mobilizando, através de um abaixo-assinado, para não aceitar a criação do parque.
O peixe-boi não vai garantir a sobrevivência dessa gente, o que garante, são as fazendas de camarão. A nossa sorte é que agora é o Estado é quem vai controlar o licenciamento”, disse.
Para o empresário, o argumento de que as fazendas causam impactos é falso. “Hoje, tudo causa impacto. Se vamos construir uma casa tem impacto, se falamos ao celular tem impacto. Aliás, se o impacto das fazendas fosse grande o peixe-boi não reproduzia na drenagem das fazendas”, argumenta.
Esquecendo-se de que qualquer tipo de desenvolvimento que não leve em conta a questão ambiental é estéril, Manoel Lima arremata: “Com essa confusão, quem sai perdendo é o Piauí já tão pobre economicamente”.
Ao lado, um foto de uma fazenda de camarão.
ZEE no baixo rio Parnaíba
Participaram do trabalho aproximadamente 90 profissionais de diversas áreas e instituições. Juntos, realizaram o Zoneamento Ecológico-Econômico do Baixo Rio Parnaíba.
A idéia é constituir um consórcio público para realizar um planejamento integrado da região, com o apoio do programa Zoneamento Ecológico, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente.
A área estudada compreende 10.500km, sendo 47,5% localizados no Piauí, 46% no Maranhão e 6,5% no Ceará. Parte da região é constituída pelo Delta do Rio Parnaíba, com seus extensos canais formadores de diversas ilhas e amplos campos de dunas. Um lugar fantástico.
A beleza exuberante da região, aliada à moradia do peixe-boi e à diversidade de serviços ecológicos prestados pelos estuários, impressiona.
Na área há oferta de alimentação e pouso seguro para aves migratórias, berçários para uma infinidade de espécies e fonte de alimento das tartarugas e cavalos marinhos. Sem contar a ocorrência de vários mamíferos terrestres como onça suçuarana, gato do mato, guaribas, veados, tatus, tamanduás, todos ameaçados a desaparecer.
Projeto ameaçado até por jet-ski
O abandono da Fundação Mamífero Aquáticos, a insistências de circulação de embarcações pelo estuário e a carcinocultura, são algumas ameaças que rondam o Peixe-Boi. “Autoridades e seus parentes chegam aqui e querem colocar seus jet-ski e lanchas na água, o que representa um perigo para o bicho”, conta Magnus Machado. Os técnicos do projeto já tiveram sérios problemas.
A Carcinocultura é outro entrave. Sem a segurança de que a criação de camarão exótico em cativeiro seja uma atividade danosa, a Resolução n° 312, limita a utilização destas áreas.
Entre os perigos apresentados nas fazendas piauienses, segundo Fernando Gomes, estão à construção de tanques em áreas de manguezais, canais de descarga com presença de focos erosivos e diretamente nos mangues, laboratórios de pós-larva de camarão com precário sistema de controle dos efluentes, onde ácido, cloro e águas servidas são lançados para infiltrar na areia e tanques-berçários esterilizados com formol. Na tentativa de amenizar os impactos, o Ibama ajuizou uma ação civil pública contra as fazendas, solicitando o reparo dos impactos na área que, hoje é uma APA.
Peixe-boi: o encanto do bicho
A sorte é que peixe-boi tem carisma e já cativou a todos de Cajueiro e adjacências. Do jeito como é tratado, jamais sofrerá ameaças do povo, ao contrário, sua fama só aumenta. Já virou marca registrada nas fachadas e muros, deu nome a campeonato de velas dos pescadores, à corrida de bicicleta. Ele está presente na bandeira da cidade. Existe até um time de futebol em sua homenagem.
O governo do Estado também anda empolgado com o crescimento da população de peixes-boi. Recentemente, o governador Wellington Dias, autorizou a abertura de licitação para a construção da sede do projeto, avaliada em 330 mil reais. A Prefeitura de Cajueiro cedeu um terreno de mil metros quadrados.
PEIXE- BOI
Pertence a Ordem Sirênio e é o único mamífero herbívoro. Embora viva na água, precisa respirar em intervalos de 2 a 5 minutos. A espécie marinha pode medir até quatro metros e pesar até 800 quilos. Um exemplar de 300 quilos pode comer até 30 quilos de capim por dia. Alimenta-se, principalmente do capim agulha. Além do capim come aguapés, algas e folhas do mangue. No Brasil, a caça indiscriminada fez do peixe-boi, o animal marinho mais ameaçado de extinção. Outros fatores de extinção são as mortes em rede de pesca, o encalhe de filhotes órfãos e a degradação ambiental. A lei que protege o animal é de 1967 e diz que a caça e a comercialização de produtos derivados de peixe-boi é crime e pode levar o infrator a até dois anos de prisão.