Nairobi: reflexões sobre a COP-12
27 de novembro de 2006Brasil apresentou proposta para a criação de um fundo voluntário específico para compensar os países que reduzam o desflorestamento.
O Brasil foi alvo de muitas críticas por
defender que os países em desenvolvimento
permaneçam sem metas obrigatórias, como
previsto atualmente.
O Protocolo de Kioto surgiu justamente para amenizar as conseqüências das atividades antrópicas. As intervenções do homem na natureza vêm acentuando a concentração dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera terrestre e, com isso, contribuindo para o gradativo aquecimento global, hoje apontado como o principal responsável pela mudança global do clima.
De acordo com o Protocolo de Kioto, os países industrializados comprometem-se a reduzir, no período de 2008 a 2012, a emissão dos GEE para atingir uma média global de 5,2% em relação aos níveis de 1990. Nesse período, os países em desenvolvimento deverão contribuir para esta redução, mas não terão metas a cumprir, beneficiando-se da prerrogativa de desenvolver projetos que limpem as suas matrizes e ainda tragam retorno em transferência de tecnologia e recursos financeiros.
O tema ganhou maior destaque na mídia pela recente realização da 12ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, nos dias 6 a 17 de novembro de 2006, em Nairobi, no Quênia. A COP-12 reuniu representantes de quase 200 países para discussão de propostas relacionadas ao Protocolo de Kioto e aos impactos das mudanças climáticas.
Participação brasileira
A comitiva brasileira contou com a presença de quase 100 pessoas, entre elas, representantes de Ministérios do Governo Federal, do Legislativo, pesquisadores, empresários e ONGs. Participei, junto com meu colega Flávio Menezes, como representante da OAB/SP. Como sócios do escritório Menezes e Lopes Advogados, tivemos oportunidade de apresentar aos participantes da COP 12 a Proposta do Projeto de Lei de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo, elaborada pela própria OAB/SP em conjunto com outros escritórios de advocacia, em evento sediado pelo Banco Mundial e a IETA – International Emissions Trading Association. Isso evidenciou uma atitude pró-ativa dos juristas de São Paulo no combate aos efeitos dos gases de efeito estufa na atmosfera.
Temas abordados
Os principais assuntos abordados em Nairobi foram: a prorrogação dos compromissos assumidos pelos países para o período posterior a 2012; a revisão do texto do Protocolo de Kioto para que os países em desenvolvimento também assumam compromissos concretos de redução de emissões de GEE; e a implantação do Fundo de Adaptação.
Prorrogação – A prorrogação do Protocolo para um segundo período – de 2012 a 2016 – foi aberta para discussões nesta COP em cumprimento ao artigo 3, item 9 do Protocolo de Kioto, que determina que as negociações para os compromissos para os períodos subseqüentes deveriam ocorrer sete anos antes do término do primeiro período. Apesar das partes não terem chegado a um acordo, os países participantes concordaram que, diante do cenário atual, essa decisão deverá ocorrer nas próximas COPs.
Revisão – O segundo tema – revisão do Protocolo para fixação de metas de redução para os países em desenvolvimento – foi o que causou maior polêmica durante a COP 12. Isso em função da pressão dos países industrializados que não ratificaram o Protocolo, como é o caso dos Estados Unidos e da Austrália.
O principal argumento utilizado por estes países é que, enquanto todos os países não assumirem metas concretas, o escopo do Protocolo não será atingido. Portanto, os esforços empreendidos até o momento poderão ser inócuos, especialmente porque os países em desenvolvimento encontram-se entre os maiores emissores de GEE, como é o caso do Brasil que ocupa o 4º lugar neste ranking.
Aliás, o Brasil foi alvo de muitas críticas por defender que os países em desenvolvimento permaneçam sem metas obrigatórias, como previsto atualmente. Mas não se pode esquecer que o País sempre teve uma conduta pró-ativa em relação ao Protocolo de Kioto e, como bem observado por Luiz Alberto Figueiredo Machado, Diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty, este argumento não deve ser utilizado como única justificativa para os países industrializados não aderirem ao Protocolo.
É preciso lembrar que o Protocolo de Kioto adotou o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, segundo o qual se reconhece que os países industrializados são os principais responsáveis pelo atual quadro do aquecimento global e que, portanto, devem assumir a sua quota parte de responsabilidade no efetivo combate ao efeito estufa.
Além disso, os projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL já incentivam a participação dos países em desenvolvimento, e, no caso especial do Brasil, verifica-se que o país já ocupa o 2º lugar em quantidade de projetos de MDL e o 3º lugar em reduções de emissões de gases de efeito estufa projetadas para o primeiro período de obtenção de créditos.
Fundo de Adaptação – A terceira questão envolve a implementação do Fundo de Adaptação, que está previsto no Artigo 12, item 8 do Protocolo. Também aqui, as partes não chegaram a um consenso para definir o seu órgão gestor responsável.
O Fundo de Adaptação é constituído pelo valor correspondente a 2% dos créditos advindos de atividades no âmbito de MDL e destinam-se a prestar assistência aos países em desenvolvimento vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do clima.
O governo brasileiro aproveitou o encontro para apresentar a sua proposta para a criação de um fundo voluntário específico para compensar os países que reduzam o desflorestamento.
Essa proposta, apesar de quase passar desapercebida, vem despertando o interesse de alguns países e deve ser tema principal de uma próxima reunião a ser realizada até julho de 2007.
Balanço geral
Para quem queria ações imediatas, o resultado deixou muito a desejar, porque não foram tomadas posições definitivas. Para os moderados, mais acostumados ao ritmo das negociações internacionais, onde os mais distintos interesses se cruzam, o resultado foi positivo.
Os países saíram com a clara consciência de que precisam identificar os custos e impactos das mudanças climáticas nas suas economias e no mundo. Precisam, também, começar a pensar num modelo de “governança climática” para o planeta que seja capaz de efetivamente evitar os efeitos desastrosos previstos pelo economista Nicholas Stern, do governo da Inglaterra.
Foi apresentado um estudo de Stern que prevê prejuízos correspondentes entre 5% a 20% do PIB mundial, ou seja, algo em torno de 7 trilhões de dólares. E que o prazo para o fazer está ficando cada vez mais curto.
A questão não é mais científica. É, agora, econômica. E, em última anális, é uma questão política. Esperemos por Bali, local provável da próxima COP, em 2007.
(*) Antônio José Ludovino Lopes é especialista em Direito Ambiental – sócio do escritório Menezes e Lopes Advogados – e esteve na COP-12, representando a OAB-SP. Na COP ele apresentou projeto de uma política paulista de mudanças climáticas.