Grilagem de terra

Maior desmatamento do Nordeste acontece no Piauí

20 de dezembro de 2006

Muita grilagem de terra, desmatamentos e ocupação de área de alto valor ecológico. 77.947 hectares de Caatinga estão sendo transformados em carvão.

Foi autorizado o desmate de seis mil  hectares. Muitos animais silvestres estão sendo mortos no local do desmatamento


(Fotos: André Pessoa)


 


 


 


A empresa responsável pelo projeto é a JB Carbon S/A, de propriedade do carioca João Batista Fernandes, que obteve licenciamento ambiental da Secretaria do Meio Ambiente e Ibama.
Existem fortes indícios de que as terras foram griladas. Encontram-se em andamento no Instituto de Terras do Piauí-Interpi três ações discriminatórias contestando a origem da terra, entretanto, o Interpi interpretou que o Ministério Público Estadual  deferiu em favor da JB e o projeto foi liberado.
O Procurador Geral de Justiça, Emir Martins Filho, nega que tenha emitido  parecer em favor da JB Carbon para a implantação do projeto. “Solicitei os  documentos para analisar, mas veio o processo eletivo do Ministério e fiquei muito ocupado”, disse o procurador que encaminhou na última sexta-feira, a documentação para a Curadoria do Meio Ambiente, a fim de exames minuciosos.
O Diretor Geral do Interpi, Francisco Guedes, disse que foi contra a liberação das licenças por considerar o projeto muito grande. “Como o Ministério Público tem o poder para opinar e terminou por deferir respeitamos o parecer”, comentou o Diretor, que mostrou o documento  assinado pelo o chefe da Assessoria Jurídica do Ministério, Erivan José da Silva Lopes.
No parecer, o Chefe da Assessoria Jurídica do Ministério, diz que os argumentos ainda não estão claros e, ao tempo em que defere, solicita do Interpi que se manifeste sobre novos documentos.


Bichos morrem a toda hora


A área do projeto está localizada a uma altitude de 700 m acima do  nível do mar. Inicialmente foi autorizado pelo o Ibama o desmate de seis mil  hectares. No local onde hoje está ocorrendo à retirada das árvores da  Caatinga se testemunha também sucessivas mortes de animais silvestres.
A atividade carvoeira é desenvolvida com a mão-de-obra de mais de mil homens que usam as motosserras para descortinar o manto verde. A madeira é queimada em centenas de fornos que funcionam dia e noite.
O trabalho começou em agosto passado e já deixou seqüelas em muitos homens. “Ninguém agüenta esse serviço por muito tempo. Não se consegue arrancar uma tarefa por dia, como quer a empresa”, se queixa Edson Pereira, um baiano de  21 anos que chegou ali há menos de um mês atraído pela pos-sibilidade de ganhar cerca de R$ 600 ao mês. Desiludido, já sabe que no máximo vai conseguir ganhar R$ 400,00, por isso, pretende abandonar o trabalho o quanto antes. Os empecilhos têm provocado uma rotatividade de trabalhadores impressionante. “Estou há 15 dias aqui e já quero ir embora. Se é para ganhar pouco sofrendo desse jeito, prefiro voltar nem que seja para passar fome”, disse Adelino Oliveira, 30, outro baiano que acorda às 5h da manhã e passa o dia manuseando uma moto-serra.


Descoberta científica na Serra Vermelha


Numa rápida visita ao local do projeto localizamos uma tartaruga de aspecto diferente. Obedecendo aos critérios de preservação, o animal foi enviado ao professor de Zoologia da USP, Hussan Zaer, que afirmou ser o bicho completamente desconhecido da ciência. Zaer, que é doutor em répteis, está de malas prontas para desembarcar na Serra Vermelha a fim de estudar esse e outros animais exóticos que, segundo ele, certamente existem. “Uma região como aquela, ainda totalmente desconhecida da ciência, certamente vamos realizar grandes pesquisas”, aposta. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Curimatá também está preocupado com as conseqüências do projeto. “Temos certeza que vão fazer muitos estragos. Esse desmatamento vai arrasar a natureza”, disse o Secretário de Políticas Agrícola do Sindicato, Elias Ribeiro da Silva.


  Desmatamento, carvoarias, matança de animais silvestres e um projeto reconhecidamente nada sustentável. Existem espécies de árvores que nem oito pessoas são capazes de abraçá-la. Enquanto o projeto caminha, os brejos e as lagoas dos baixões, segundo Elias Ribeiro da Silva, já começaram a secar.


(Fotos: André Pessoa)


 


 


 


 


Segundo Elias, os brejos e as lagoas dos baixões, que são alimentadas com a água que vem da Serra Vermelha, já começam a secar. “Já apelamos para tudo quanto foi órgão responsável para nos dar uma explicação sobre esse projeto e nada”, conta Elias, que foi localizado pela reportagem no Instituto de Terras do Piauí-Interpi, buscando informações sobre a origem da Serra Vermelha, que diz ter certeza pertencer ao Estado e União. Ali Elias ficou sabendo que os 114.755 mil hectares foram registrados em nome de 37 proprietários que formaram o Chapadão do Gurguéia. De acordo com o procurador do Interpi, Marlon Reis Filho, em 2005 foram abertas três ações discriminatórias para investigar a origem da terra que, segundo ele, tem fortes indícios de serem griladas. Outro segmento da sociedade que também demonstra preocupação com o Energia Verde, são os engenheiros agrônomos. De acordo com o presidente do Sindicato dos Engenheiros Agrônomos do Piauí, Avelar Amorim, a maior preocupação é quanto à localização do projeto que se encontra em área de recarga, ou seja, recebe água da chuva e alimenta os recursos hídricos. Segundo o presidente da Associação da categoria, Avelar Amorim, foi muito precipitada a liberação das licenças de instalação e desmatamento pela Secretaria do Meio Ambiente e Ibama. “Além de a área ser de recarga, está na Caatinga, um bioma fragilizado e ameaçado e onde a maioria da flora e da fauna ainda é desconhecida”, disse o agrônomo, completando que a maioria das árvores da Caatinga leva décadas para se desenvolver. (TM)


O Projeto                                                                       


“Já apelamos para tudo quanto foi órgão responsável para a gente dar uma explicação sobre esse projeto e nada”.
De Elias Ribeiro da Silva, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Curimatá


O projeto da JB Carbon trata-se, segundo o engenheiro florestal, Elizeu Rossato Tombolo, um dos técnicos do negócio, de  um plano de manejo florestal sustentável e faz parte do projeto âncora do Plano de Desenvolvimento da Bacia do Rio Parnaíba-Planap, realizado pela Codevasf e governo do estado. O plano foi dividido em 38 fazendas cujos proprietários são oriundos do sul do País. De acordo com Rossato, não está havendo desmatamento na Serra Vermelha. “No início, foi solicitada licença para desmatar 80 mil hectares para plantar soja e conseguimos a liberação pela Secretaria do Meio Ambiente. Mas, no MMA, fomos convencidos a mudar para plano de manejo sustentável”, garantiu.
Ele explicou que a atividade é ecologicamente correta, socialmente e economicamente sustentável. Além de gerar 2 mil empregos diretos e 5 mil indiretos. “Os trabalhadores usam equipamentos de proteção, dormem em alojamentos e são bem alimentados”, garantiu.
Em relação ao manejo, Rossato explicou que, como as árvores são cortadas no tronco, elas vão se recuperar. “Em três anos elas se regeneram e crescem bem mais forte”, garante. Quanto aos bichos, a explicação é inusitada. Ele disse  que os bichos estão por aí,  caminhando… Quando a mata crescer eles voltam.
Já o Diretor Administrativo da JB, Hugo Morila Coelho, está insatisfeito com a possibilidade da criação de um parque na região.
Segundo ele, a reserva seria uma imposição da Fundação Rio Parnaíba-Furpa, mas que deve ser abortada pelo o Ibama que percebeu que a Furpa não representa os interesses da sociedade dos municípios envolvidos.
“Toda a população da região é contra a implantação do parque”, garante. Ainda segundo ele, a unidade afetaria também o projeto da JB Carbon. (TM)