Árvore no chão

21 de março de 2007

Os destroços da árvore foram serrados e comprados

A ameixeira era um ponto de baldeação: as aves chegavam, se alimentavam, descansavam e retomavam seu trajeto migratório.


 


No quintal do vizinho tinha uma ameixeira. É uma das plantas frutíferas que mais se difundiu pelo mundo, sendo cultivada em várias condições climáticas devido às variedades existentes.
Quantas e quantas vezes apanhei seus cachos com uma forquilha. Não satisfeito, subia no muro e realizava com mais sucesso a proeza, disfarçadamente para não ser visto. Tempos depois, um chuchuzeiro tomou conta de seus galhos e continuei o mesmo processo obscuro também com os seus frutos.
Todo este trabalho fortuito seria poupado se tivesse solicitado permissão ao vizinho, gente fina e de bom coração. Mas parecia que o furtar tornava tudo mais saboroso.
Os pássaros se achegavam no tempo certo para banquetearem a fartura dos cachos maduros, amarelados e suculentos, não havendo disputa pela posse alimentar. A árvore era um ponto de baldeação: eles chegavam, se alimentavam, descansavam e retomavam seu trajeto. Alguns permaneciam e faziam seus ninhos imaginando que pela altura escolhida, estariam longe das ameaças humanas.
Sem egoísmo, não se importavam com a presença de outros visitantes alados. Muitos dos meus dias amanheciam com uma chilreada. Por vezes o vento forte sacudia os galhos e as aves cautelosas se aninhavam protetoras, com medo de perder suas proles.
Uma visão bonita eram as orquídeas brancas (Rodriguezia), popularmente denominadas “véu de noiva”. Desa-brochavam com tal magnitude que mais pareciam flocos de algodão doce. Pena que o chuchuzeiro encobria parte deste espetáculo.
O vizinho vendeu a propriedade e tudo veio abaixo, inclusive, a ameixeira. Felizmente não houve necessidade de socorrer os pássaros, já que não havia ni-nhos habitados na ocasião.  Consegui coletar as orquídeas, plantando algumas em vasos e outras num exemplar de cipreste.
Os destroços da árvore foram serrados e comprados por uma panificadora. Toda vez que compro pães me lembro da ameixeira. E quando as orquídeas florescem, fico feliz por ter praticado um ato ecologicamente correto.
 O progresso desfalcou o cami-nho das aves que agora continuam sua vida rústica em outras bandas. 



JURANDIR SCHMIDT  é desenhista têxtil, poeta, artista plástico,
responsável por jornais
alternativos, Rua Walmor Harger, 32 – Costa e Silva – Joinville/SC – CEP: 89220650 – Fone: 3473-7837
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