Pantanal

Siderúrgica versus preservação

21 de março de 2007

Eike Batista faz RPPN de 20 mil hectares e amplia corredor ecológico

Foto: Sílvia Almeida
Vista aérea do Pantanal, a maior planície alagada do mundo


 


O Pantanal tem cerca de 140.000 Km², dos quais quase 90% pertencem ao Brasil, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O restante encontra-se na parte leste da Bolívia e nordeste do Paraguai. Concentra pelo menos 3.500 espécies de plantas, 463 de aves, 124 de mamíferos, 177 de répteis, 41 de anfíbios e 325 espécies de peixes de água doce.
Aproximadamente 83% da planície estão em excelentes condições de conservação e abrigam populações saudáveis de espécies ameaçadas de grandes mamíferos e aves.  Pelo seu estado de conservação, a sua rica biodiversidade e suas particularidades, o Pantanal é considerado uma das 37 últimas Grandes Regiões Naturais da Terra.


Corredor ecológico


A futura RPPN está ao norte de Corumbá, cidade sul-mato-grossense onde a MMX está implantando uma siderúrgica para beneficiar o minério de ferro (ferro-guza), uma das riquezas naturais da região. Integrada por ex-fazendas de gado, a área é parte de um reconhecido corredor ecológico com mais de 300 mil hectares, incorporando-se ao Parque Nacional do Pantanal (138 mil hectares), criado nos anos 80, e a mais três reservas (Acurizal, Penha e Dorochê).
A proposta comunga com a idéia de ampliar para até 500 mil hectares esse corredor, integrando os pantanais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e anexando novas propriedades que deixaram a atividade pecuária por causa das inundações permanentes após a grande cheia de 1974. “Poucas empresas vão além de suas obrigações mercadológicas e so
ciais, e a MMX está dando um grande exemplo de como compartilhar negócios com a questão ambiental”, disse o consultor Ângelo Rabelo, do Instituto Homem Pantaneiro (IHP). A ONG coordena o diagnóstico científico da reserva e fará a co-gestão da área para assegurar sua sustentabilidade.


Plano de manejo


Durante uma semana os técnicos desbravaram a propriedade, distante cerca de 190km ao norte de Corumbá (maior município do Pantanal) pelo sinuoso rio Paraguai – ou 45min de vôo em linha reta, num monomotor. Foi o primeiro levantamento para se co-
nhecer a área e construir um diagnóstico preliminar do meio físico, biótico e abiótico para subsidiar os estudos de criação da RPPN.
“O processo de tomada de decisão necessita de informação científica da área, dentro de uma escala geográfica precisa, para recomendar a criação da reserva”, explicou Leonardo Hasenclever. O Instituto Homem Pantaneiro desenvolverá, ainda, um plano de manejo, que abrange um diagnóstico mais amplo e detalhado, bem como o estudo para definir as diferentes formas de uso da área protegida e sua sustentabilidade.
Paralelamente, a MMX e o próprio IHP trabalham com ações emergen-
ciais para assegurar a proteção da propriedade, como revisão dos limites, cercas e aceiro para se evitar invasão de pessoas para caça ou pesca e o fogo, um risco eminente. A iniciativa também enseja a recuperação da antiga sede de uma das fazendas, situada no extremo norte, próxima a Serra do Amolar, margeando o rio Paraguai.


MPF quer suspender licenças ambientais


Na segunda semana de março, o Ministério Público Federal entrou na Justiça para paralisar as obras da usina siderúrgia e suspender as licenças ambientais concedidas pelo governo de Mato Grosso do Sul à empresa. Segundo a Procuradoria, uma das licenças foi dada no dia seguinte ao pedido. Além de questionar a rapidez da licença, o MPF diz que as licenças concedidas pelo governo estadual têm “vícios” devido a “falhas e omissões” no relatório de impacto ambiental.


Ameaças ao Pantanal


Mesmo bastante conservado, o Pantanal sofre constantes ameaças. A maioria está relacionada com o desmatamento do Cerrado, com a expansão da agropecuária na parte alta que circunda a planície. O assoreamento de rios, provocando
inundações permanentes, também causou alterações irreversíveis, como na bacia do rio Taquari (MS).
O gesto de Eike Batista, contribuindo com a preservação de um dos mais complexos e ricos ecossistemas do mundo se materializará com a criação da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), que será proposta ao órgão ambiental após estudo detalhado da área.  Uma expedição em novembro deu início ao diagnóstico, utilizando uma adaptação metodológica de avaliação ecológica rápida.


Fotos: Robson Avila
Os pesquisadores se encantaram com a riqueza da biodiversidade local


 


 


 



Serpentes variadas…


 


 



  pegadas de onças…


 


 



Belas Vitórias-régias.


 


 


Expedição encontra um ambiente intocável
Cercada por morros, vegetação exuberante e intacta, margeando o rio Paraguai à direita, as propriedades adquiridas pela MMX para transformar em RPPN compõem um ambiente natural de valor inestimável para a Humanidade. Ali vivem espécies raras de mamíferos, pássaros que só ocorrem na região e na Amazônia e animais ameaçados de extinção, como o Tatu-canastra, a onça pintada e a ariranha.


A expedição realizada em novembro, integrada por pesquisadores em fauna, flora, geologia, biologia, ornitologia, botânica, zoologia, socioeconomia e arqueologia, concluiu que a área é prioritária pela biodiversidade entre pantanais e morraria, com dife
rentes ambientes e ecossistemas. Parte das terras sofre grandes inundações, dificultando o acesso e, de certa forma, tornando-se uma proteção.
“É uma área de grande expressividade ambiental”, definiu Leonardo Hasenclever, veterinário e membro do Instituto Homem Pantaneiro (IHP). Ele coordenou a avaliação ecológica rápida que reuniu, entre ou
tros, pesquisadores da Embrapa Pantanal, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), do IHP e da própria MMX.
Segundo Hasenclever, “há pegadas de onça por toda a reserva”, fato confirmado pela comunidade ribeirinha que vive no seu entorno e pelos achados de Peter Crawshaw, autoridade mundial em grandes felinos. “Isto reflete o excelente estado de conservação da área”, atesta o técnico, acrescentando que ocorre uma população significativa de felinos (parda, pintada e jaguatirica), ariranhas e lontras. Foram encontradas cinco espécies de primatas: bugio, prego, guigó, mico e macaco-da-noite.
Outro achado representativo: a morraria concentra espécies de pássaros que só ocorrem ali, como o Chincoã-pequeno (Coccycua minuta), Bico-de-brasa (Monasa nigrifrons) e o Papa-taoca (Pyriglena leuconota), e de plantas na lista ameaçadas de extinção do Ibama, caso do gonçalo-alves ou gonçaleiro (Astronium fraxinifolium). Concentra também quantidade significativa de tatus e répteis.


Cristhiane Amâncio, pesquisadora da Embrapa, depois de pesquisar todas as comunidades ribeirinhas, alertou: “a implantação de reservas não pode excluir os ribeirinhos, grandes responsáveis pela preservação”


“Temos experiências mal sucedidas com implantação de reservas que excluíram quem preservou o local até aquele momento”, alerta a pesquisadora. “Os estudos da RPPN vão ganhar muito para a tomada de decisão conhecendo a realidade desses núcleos. Com toda a precariedade, essa gente pre
fere viver ali e o referencial que tem do lugar é importante para uma avaliação mais abrangente da região.”
Cristhiane entrevistou os ribeirinhos e a maioria está feliz ali e não pensa em ir para a cidade. Eles não têm noção do que é uma reserva, pedem escola e telefone. Energia, segundo ela, é um item distante no sonho dessa gente isolada do mundo moderno. Criar uma reserva sem alijar a comunidade local, conservando-a, “evita uma ruptura, onerando menos o Estado”, diz a pesquisadora. (SA)



Uma reserva para o homem pantaneiro


O plano de sustentabilidade da RPPN nas terras do empresário Eike Batista não tem o foco apenas na proteção de suas áreas úmidas e matas que abrigam um ambiente fantástico. O homem, que vive no seu entorno e está adaptado àquele meio isolado do mundo urbano, será inserido na proposta de criar uma reserva que também contribua com a comunidade de Corumbá nas questões sociais e educativas.


A reserva eventualmente será voltada para o ecoturismo científico, na capacitação da comunidade para atuar na sua proteção, gerando emprego e renda para a comunidade ribeirinha. “Quem vive na beira do rio (Paraguai) é um escravo do sistema de iscas e da pesca, em condições subumanas”, observa Ângelo Rabelo, consultor do IHP. “É preciso garantir uma fonte de renda para gerar qualidade de vida e diminuir a pressão exacerbada sobre os recursos naturais locais.”
Trabalhar com os ribeiri
nhos significa, também, integrar uma das iniciativas mais ousadas e de sucesso em Mato Grosso do Sul, o Moinho Cultural Sul-Americano, mantido pelo IHP em Corumbá com patrocínio da Companhia Vale do Rio Doce. O Moinho, que mantém oficinas de balé, música e idiomas para 250 crianças brasileiras e bolivianas, oferece cursos de capacitação que seriam direcionados para a comunidade.
Para as crianças do Moi
nho Cultural, a maioria vivendo também na beira do rio, seria uma oportunidade de aprimorar seus conhecimentos sobre meio ambiente e conhecer o Pantanal, um paraíso ecológico ainda
desconhecido para elas. (Sílvio Andrade)


“Quem vive na beira do rio é um escravo do sistema de iscas e da pesca, em condições subumanas. É preciso garantir uma fonte de renda para gerar qualidade de vida e diminuir a pressão exacerbada sobre os recursos naturais locais”.
Ângelo Rabelo, consultor do Instituto Homem Pantaneiro – IHP