Mais uma vez vai sobrar para os pobres
26 de abril de 2007Novo relatório das Nações Unidas demostra que mudança do clima afetará principalmente as regiões menos favorecidas do mundo
O aquecimento global tem consequências: até 2050, metade das terras cultiváveis poderão estar afetadas, expondo à fome milhões de pessoas.
Estados Unidos e China, dois dos países com maior responsabilidade pelo efeito estufa, foram também os que ergueram mais obstáculos à redação do documento. Político mesmo foi o presidente do IPCC, o economista indiano Rajendra Pachauri, que evitou a polêmica e comemorou o resultado. “Acabamos de terminar uma reunião de maratona, que foi produtiva, mas cansativa. É um relatório muito bom e espero que chame a atenção do mundo inteiro”, disse.
Pachauri apresentou uma síntese do informe original – de 1,4 mil páginas –, elaborada para governantes e formadores de opinião. E, mesmo com a retirada dos trechos mais críticos, o diagnóstico é alarmante.
As populações pobres, inclusive nas sociedades prósperas, serão as mais vulneráveis à mudança climática, segundo as conclusões do IPCC. “Isso requer nossa atenção, pois os mais pobres são também os menos aptos a se adaptar”, comentou Pachauri.
Os cientistas advertiram que o aquecimento afetará todas as formas de vida na Terra. “Entre 20% e 30% das espécies vegetais e animais sofrerão risco crescente de extinção se a elevação da temperatura mundial ficar entre 1,5 e 2,5 graus em comparação à média de 1990”, prevê o documento.
China, Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos questionaram vários parágrafos do resumo do relatório. Pequim se opôs a um trecho que destacava o “risco muito elevado de que vários sistemas naturais se vejam afetados pelas mudanças climáticas”.
A delegação chinesa questionou as bases científicas do termo “muito elevado”. Para responder ao questionamento, um grupo de cientistas entregou uma carta de protesto à presidenta do Grupo II do IPCC, a norte-americana Sharon Hays. O documento salientava, justamente, o “alto grau de confiança” nas previsões e que todos os estudos estão comprovados cientificamente.
América Latina: previsão de muitas perdas
Segundo o relatório, o avanço dos desertos sobre áreas agrícolas vai ameaçar a produção de alimentos nas Américas. Do México até a Amazônia, a savana ganha terreno na América Latina e a desertificação das terras agrícolas ameaça a segurança alimentar do continente.
Até 2050, metade das terras cultiváveis poderão estar afetadas, expondo à fome milhões de pessoas na região. Entre 60 milhões e 150 milhões sofrerão com a escassez de água.
A criação de corredores ecológicos e reservas naturais para a preservação da biodiversidade poderá constituir uma frente contra o aquecimento. O aumento do nível dos oceanos – de 20cm a 60cm até o final do século, segundo as previsões dos cientistas do IPCC – “muito provavelmente” provocará inundações nas terras baixas, como em El Salvador, Guiana e no estuário do rio da Prata, ao redor de Buenos Aires, afetando a indústria turística nas praias do México e Uruguai.
Esse fenômeno também poderá pôr em risco os manguezais de Brasil, Equador, Venezuela e Colômbia. O aumento da temperatura da água ameaça os corais das costas do México e Panamá, além dos arrecifes de coral de Belize, que fazem parte do patrimônio mundial.
Países ricos chegam a mexer no relatório
Os Estados Unidos conseguiram retirar um parágrafo que indicava que a América do Norte “deve enfrentar localmente graves danos econômicos e perturbações substanciais de seu sistema socioeconômico e cultural”. Para surpresa geral, um dos representantes destacou: “É a primeira vez que os políticos questionam dessa maneira a ciência”.
A coordenadora da delegação americana em Bruxelas, Sharon Hays, esquivou-se das críticas, dizendo que a mudança climática representa um desafio mundial que requer soluções internacionais. “Todos reconhecemos que isso necessita de soluções internacionais”, disse.
Mas o debate extrapolou a sede da União Européia em Bruxelas. O ministro alemão do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel (SPD), considerou “escandaloso” o esforço de diluição política do relatório. Gostou que nem todas as alterações pedidas pelos EUA e pela China foram aceitas.
“No final, conseguimos evitar esse vandalismo científico”, disse o ministro. Segundo ele, “as pessoas têm o direito de saber que conseqüências se arriscam a sofrer”.
A primeira-ministra alemã, Angela Merkel, prometeu levar a polêmica à próxima reunião do G-8, na Alemanha, onde ela estará frente a frente com China e EUA.