MARGI MOSS
26 de abril de 2007ENTREVISTA
MARGI MOSS
ENTREVISTA
Folha do Meio – Foi uma equipe, num workshop, que escolheu os sete rios que estão sendo estudados. Em que fase está estas expedições?
Margi – Já fizemos mais da metade… Ano passado, fizemos três rios, ou seja, o rio Araguaia; o Grande, na Bahia; e o rio Ribeira do Iguape, entre o Paraná e São Paulo. Na verdade, foi preciso fazer o rio Araguaia em duas partes, devido à sua grande extensão. Poderíamos até contar como dois rios. Esse ano, acabamos de fazer o rio Miranda (MS) e estamos de partida para o Ibicuí (RS).
FMA – Como vocês conseguem envolver os ribeirinhos e usuários na proteção de seus rios?
Margi – Felizmente, em todas as cidades, sempre tem um punhado de pessoas preocupadas e dispostas a fazer algo e suas ações têm efeito multiplicador. Essas pessoas podem organizar mutirões para coletar lixo na beira do rio, podem fazer workshops sobre a educação ambiental com as crianças.
O interessante é que nestas questões de meio ambiente, são muitas vezes as crianças que ensinam seus pais. Raramente é o contrário.
Nas palestras mostramos imagens de como a mata ciliar protege o rio. É a mesma proteção dos cílios em relação aos olhos. Aliás, daí o nome de mata ciliar. Ensinando com palavras e imagens conscientiza-se muito mais e, assim, esperamos que um ribeirinho pense duas vezes antes de cortar ou derrubar uma mata ciliar.
Procuramos, também, mostrar que quem escolhe o prefeito, os vereadores e os políticos que governam uma cidade ou o estado são as pessoas que moram ali. Daí a responsabilidade em escolher os administradores públicos.
Escolhe-se um prefeito e depois tem que acompanhar sua administração. Tem que cobrar. Tem que exigir que as prefeituras corram atrás dos recursos disponíveis para melhoras em saneamento básico, tratamento de esgoto e construção de aterros sanitários.
Os sinuosos contornos do rio Miranda (MS), afluente
do rio Paraguai, cujas águas vêm da vertente oeste
da serra da Bodoquena.
Queremos que cada ribeirinho pense no seu rio para que não termine como um Tietê…
FMA – Além do uso do hidroavião-laboratório, vocês também utilizam barcos nas expedições?
Margi – Utilizamos o avião apenas para fazer o levantamento fotográfico de toda a extensão do rio. Depois, voltamos com a lancha (no reboque) e percorremos todos os trechos navegáveis dos rios, coletando amostras e fazendo as palestras nas cidades ribeirinhas.
FMA – Fale um pouco do contato direto com os ribeirinhos: receptividade, interesse, histórias. Como eles vêem esta aula de educação ambiental e comportamento em relação à natureza?
Margi – A receptividade varia de cidade em cidade. As vezes, a platéia é muito tímida, não tem o costume de falar em público, tem medo de aparecer. Em outras cidades, as pessoas se empolgam, pegam no microfone e desabafam.
É bom lembrar que estamos dando uma oportunidade a estas pessoas deram voz alta às suas preocupações. Às vezes, começa um bate-boca, mas isso é maravilhoso! Queremos que discutam o futuro de seu rio. Queremos que pensem em seu rio. Queremos que lutem para seu rio. Para que não termine como um Tietê ou um Iguaçu da vida, com péssima qualidade de água.
FMA – E os rios do Pantanal, lá no Mato Grosso do Sul?
Margi – Acabamos de chegar de volta do rio Miranda. Não posso comentar ainda sobre a qualidade da água do rio, porque não temos os resultados das análises, mas uma coisa está certa: a educação ambiental está dando certo porque não encontramos lixo no rio nem nas margens. Pelo contrário, conversamos com vários ribeirinhos que, quando vão pescar, catam todo o lixo. Isso é um grande passo e a possibilidade de vender lixo para reciclagem está ajudando muito nesse respeito.
FMA – Dos rios já pesquisados, quais apresentam os maiores riscos? Qual rio lhe chamou mais atenção?
Margi – Estamos apaixonados pelo rio Araguaia. Confesso que, ao percorrer um rio e se envolver com sua população, é fácil demais se apaixonar por todos eles. O rio que está mais ameaçado nesse momento é o Ribeira, pelo projeto da represa de Tijuco Alto e ainda pelas três barragens projetados.
É o único rio no Estado de São Paulo de algum porte que ainda não tem barragens. Passa justamente pela região onde há a maior extensão contínua de Mata Atlântica. E olha que sabemos o pouco que ainda sobra desta mata que outrora cobria uma vasta extensão do território nacional.
Parece inacreditável que ainda seja possível explorar ainda mais esse bioma tão fragilizado, sem falar das comunidades tradicionais, pai-sagens exuberantes e outros potenciais que existem na região. Tudo isso não para fornecer energia à própria região, mas para levar esta energia para uma grande empresa, a CBA. Sim, é uso exclusivo da CBA. Imagina que vai fazer um paredão de 120 metros! Já pensou?
Claro que precisamos aumentar a geração de energia, mas tem muita represa por aí com maquinaria obsoleta que poderia ser recuperada. Não falamos em recuperar terras degradadas? Se analisarmos com racionalidade, não faz sentido estar sempre inundando nossos vales, logo as terras mais férteis.
FMA – O problema da ocupação desordenada das margens, utilização de agrotóxicos, erosão, destruição das matas ciliares, lançamento de efluentes e de esgotos, lixões qual o problema mais constante e mais grave?
Margi – Nessa questão, eu acho que temos dois grandes vilões. No Brasil, apenas 95% dos esgotos domésticos são tratados. Isso é uma vergonha. O Brasil é um país de ribeirinhos. Como é que uma cidade tem o direito de contaminar a água de outra cidade rio abaixo? Não faz sentido econômico! Não é ético.
Outro vilão é a erosão que causa assoreamento. Isso não é apenas devido à retirada da mata ciliar, porque isso tem solução fácil: só parar de roçar e deixar o mato crescer. Os campos desmatados mesmo longe do rio é um problema: o solo exposto, desprotegido, acaba sendo levado para os rios pelas enxurradas.
?Nas palestras mostramos imagens de como a mata ciliar protege o rio. É a mesma proteção dos cílios em relação aos olhos. Ensinando com palavras e imagens conscientiza-se muito mais…?
FMA – Como vocês orientamos fazendeiros no combate à erosão? Um fenômeno que leva o solo… terrível!
Margi – Sim, terrível. Gostaria de ver alguma iniciativa da parte do Ministério da Agricultura no sentido de educar os grandes fazendeiros a deixar corredores de árvores nativas na beira das estradas e em todos os cantos possíveis. Elas contêm a erosão, formam barreiras ao vento e oferecem casa e comida à fauna.
Na Inglaterra, um país bastante arborizado e verde, foi criado um estatuto em 1997 protegendo os hedgerows [as cercas vivas entre as lavouras e pastagens] especificamente para a proteção da fauna e da flora, e da terra. Aqui fazemos o contrário: passamos a foice e o trator em tudo… quem vai sofrer com isso são os rios, a flora, a fauna e também o próprio ser humano.
FMA – Vocês também mostram aos ribeirinhos e às autoridades uma saída para o problema? Identificam oportunidades de desenvolvimento sustentável?
Margi – Só para dar um exemplo, é comum as pessoas culparem as autoridades para tudo! Dizem, por exemplo, “O governo não me dá mudas para replantar a mata…” Mas não foi o governo que desmatou!
Temos que ter mais responsabilidade para nossas ações, e não
destruir para fazer o contribuinte pagar o conserto. No Brasil, a natureza é forte, exuberante. Se deixarmos a margem do rio em paz durante três, quatro anos, sem roçar e sem queimar, a mata ciliar vai voltar sozinha.
Nós comprovamos exemplos bem sucedidos desse comportamento em trechos do Alto Araguaia e a mata ciliar está em plena recuperação.
Com respeito aos esgotos, existem recursos dos governos federal e estaduais e também das agências de financiamento internacional. As prefeituras têm de correr atrás,
insistir. Para construir aterros
sanitários, podem formar consórcios com municípios vizinhos para juntos correrem atrás dos recursos necessários.
FMA – Qual o próximo projeto?
Margi – Ainda temos alguns meses pela frente para terminar o projeto dos Sete Rios. Mas com certeza, estaremos sempre trabalhando com a água. Desta próxima vez vamos trabalhar com um enfoque nas mudanças climáticas.
O aquecimento global terá uma terrível relação com a água, pois altera a quantidade e o regime hidrológico. Num futuro bem próximo, estaremos lançando esse novo desafio.
?Ás vezes, a platéia é muito tímida, não tem o costume de falar em público, tem medo de aparecer. Em outras cidades, as pessoas se empolgam, pegam no microfone e desabafam?.