Povo suja cartão postal de Marabá

25 de abril de 2007

Lixão agride as águas do rio Tocantins e a consciência da população paraense

E o lixo deixado pela população toma conta do cartão postal de Marabá


 


 


Era um fim de tarde de domingo, quase na hora do pôr-do-sol. A Praia do Tucunaré em frente à cidade ainda estava lotada. Ficamos espantados de ver, ao longo desse imenso banco de areia que surge na seca, uma multidão de pessoas sentadas, felizes da vida, no meio de toneladas de lixo. Ao passar algum barco a motor, o lixo na beira da praia saía boiando pelas ondas e descia o rio. Após 20 dias de expedição pelo Araguaia, sentimos como se tivéssemos caídos de pára-quedas em um outro planeta.
Na manhã seguinte, resolvemos voltar para ver a situação de perto. O lixo ainda estava espalhado em toda parte. Os barraqueiros disseram que a prefeitura faz coleta de lixo na praia apenas na alta temporada, em julho. Nos outros meses, eles mesmos fazem a limpeza.
Se a população não se preocupa em procurar uma lixeira em junho, como deve ser então na alta temporada?
Descemos o rio até o bairro Francisco Coelho, onde o rio Itacaúnas encontra o Tocantins. Na cheia, as casas – de madeira e de palafitas – às vezes ficam alagadas e na baixa, ficam empoleiradas acima do barranco coberto de lixo. Diante dos nossos olhos, um saco de lixo voou pela janela de uma casa e caiu no rio. Bem  na nossa frente.
Paramos para conversar com dona Edna, presidente da Associação dos Moradores que, por acaso, estava lavando roupa no rio. Ela esclareceu que havia coleta de lixo todos os dias no bairro, mas que os moradores continuavam jogando o lixo no rio. “É a cultura do povo,” ela disse, arrasada. “Não é por falta de conscientização. Eles gostam mesmo de jogar no rio.”
Não era síndrome da pobreza do bairro. O lixo estava em todas as partes! Quando tiramos o barco da água pela última vez no cais principal, chegou um adolescente de bicicleta, que arremessou mais um saco de lixo para dentro do rio.
O que inspira alguém sair de casa com o propósito de jogar lixo num rio quando ela poderia simplesmente colocar em frente à sua porta para ser coletado pela limpeza urbana?
Depois dessas cenas, fiquei aliviada que o rio formado pela confluência do Araguaia com o Tocantins não continue levando o nome de Araguaia, de alma tão pura, com suas belas paisagens e seu povo apaixonado.
Ele não mereceria ser tratado dessa forma (e nem o Tocantins merece). Seus problemas – erosões, assoreamento, esgoto, sobrepesca – de repente pareciam pequenos comparados a esse lixão a rio aberto, cartão postal de Marabá.
Será que a temporada de 2007 vai ser diferente, ou a educação ambiental conti-nua sendo um assunto de urgência nesse município?
(*) Margi Moss e
Gerard Moss coordenam o Projeto Brasil das Águas/Sete Rios


O que é o projeto Brasil das Águas


O projeto Brasil das Águas nasceu em outubro de 2003, pelas mãos de dois ambientalistas: Gerard e Margi Moss. O casal utiliza um avião anfíbio, transformado em laboratório aéreo, para realizar um levantamento inédito sobre a qualidade das nossas águas doces. O Brasil possui 12% de toda a água doce do planeta. Segundo Grard Moss, somente um avião poderia alcançar os cantos mais distantes do território nacional para coletar amostras de água e tornar possível a realização de um estudo tão abrangente dentro de um período de pouco mais de um ano.
Mais de mil amostras foram coletadas em vôos que até agora totalizam quase 200 mil quilômetros, uma distância equivalente a três voltas à Terra. Todas as regiões hidrográficas do País estão sendo analisadas pelo projeto.
Há um mutirão de pesquisadores engajados no projeto. Várias universidades –  UFRJ, USP, UFV (Viçosa), UFF (Fluminense) estão analisando as amostras em busca de informações diferentes segundo a especialidade de cada uma. O limnólogo e professor José Galizia Tundisi também participa do projeto Brasil das Águas.
Margi Moss acompanha Gerard Moss como fotógrafa da expedição e como responsável pelo manuseio das amostras, além da pesquisa sobre a qualidade das águas. O projeto objetiva sempre conscientizar a população para os problemas relacionados à água, sua preservação e uso racional. O objetivo principal, segundo Margi, é interagir não somente com o meio acadêmico, mas também com o público em geral. (SG)


O projeto Brasil das Águas é patrocinado pela
Petrobrás e conta com a parceria da ANA,
BR Aviation, Chubb Seguros, Osklen e Rede Globo.


“É a cultura do
povo. Não é por falta de conscientização. Eles gostam mesmo de jogar no rio.”


Dona Edna, presidente da Associação dos Moradores de Francisco Coelho