Serra Vermelha

Maior floresta do Nordeste ameaçada pela indústria do carvão

24 de maio de 2007

Mais de 300 fornos para fabricação de carvão continuam funcionando dia e noite.

Fotos: André Pessoa


Passados cinco meses da suspensão do manejo pela Diretoria de Floresta do Ibama, o futuro da Serra Vermelha ainda é incerto. Os defensores da região, que abriga uma das maiores biodiversidades do interior nordestino, temem que a força do poder econômico se sobreponha aos interesses ambientais. A posição do Ministério do Meio Ambiente, segundo o diretor de Áreas Protegidas, Maurício Mercadante, será a de trabalhar pela criação do Parque Nacional Serra Vermelha. 
Enquanto não há uma decisão, denúncias de trabalhadores rurais revelam que os mais de 300 fornos da empresa continuam funcionando dia e noite.
Os ambientalistas  temem o pior uma vez que o Ibama e a Secretaria do Meio Ambiente do Piauí defendem a empresa JB Carbon S/A com todos os seus poderes. A ligação entre público e privado está invertida a tal ponto que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do
Piauí coloca textos defendendo o negócio em sua página oficial na internet.
O projeto teve licença prévia da Secretaria do Meio Am-
biente e a de desmate pelo Ibama do Piauí, ainda em 2005. De uma tacada só o órgão estadual autorizou a destruição de 39.225 mil hectares de uma floresta onde jamais o homem havia estado antes e onde pode haver uma grande riqueza natural, segundo o cientista do Museu de Zoologia da USP, Hussam Zaher, que já pesquisou na região.


Importância biodiversa


Estudos prévios realizados por técnicos do Ibama de Brasília, detectaram a vegetação como sendo Caatinga, Cerrado e enclaves de florestas altas, reconhecidas e catalogadas como elementos da Mata Atlântica. “Trata-se de formação florestal que permanece verde mesmo durante a seca, bastante densa e com dossel alto”, diz o relatório.
De acordo Hussam, a fauna da região é singular. “Existe uma diversidade inimaginável com inúmeros elementos relictuais que se encontram ameaçadas”, garante. Na pesquisa que realizou entre 2000 e 2002, na Serra das Confusões, que fica na mesma região, sua equipe registrou 340 espécies de vertebrados terrestres entre anfíbios, répteis, aves e mamíferos e várias espécies ainda desconhecidas pela ciência.
Outro fato importante em favor da Serra Vermelha está relacionado com o estudo rea-lizado pelo Ministério do Meio Ambiente e que aponta a área como prioritária para a conservação da biodiversidade do Brasil. Sua importância se dá, também, por exercer papel de recarga de aqüífero e do lençol freático do vale do Gurguéia, onde aflora o Rio Gurguéia e Rio Rangel, além de ser uma formação vegetal muito antiga, que nunca sofreu alterações pelo homem.  


Mais de 300 fornos queimam dia e noite. Foi autorizada a destruição de 39.225 mil hectares de uma floresta onde jamais o homem havia colocado o pé


 



Isso é manejo sustentado? Os tratores derrubam árvores e dizimam a fauna da região. São abertas clareiras por toda parte. A indústria do desmatamento agride os olhos de quem vê e a consciência de quem luta contra o aquecimento global.


Apoio de Niéde Guidon


Situada sobre um planalto que foi erodido e deu lugar a caniôns e cuestas(*) que rodeiam áreas planas de chapadas, a Serra Vermelha tem formação semelhante às encontradas na Serra da Capivara e Serra das Confusões, também no Sul do Piauí.
“É uma insanidade permitir a destruição da Serra Vermelha”, dispara a arqueóloga Niéde Guidon, responsável pelas pesquisas ar-
queológicas na Serra da Capivara, que a transformaram numa das maiores autoridades em arqueologia do planeta.
Para ela, trata-se de um crime: “Se estivéssemos em um país sério os responsáveis seriam punidos”.
Em relação ao chamado plano de manejo da JB Carbon a arqueóloga diz ser uma piada.
Segundo ela, a Fundação Museu do Homem Americano adquiriu uma área degradada próxima ao parque, primeiro recuperou a terra, plantou as mudas e depois a transportou. Passados 12 anos, só agora as mudas chegaram a 30cm, mesmo recebendo água no verão.
“Então, o que estão dizendo é uma mentira porque sabem que em treze anos ninguém vai mais lembrar de nada e o dinheiro que ga-nharam, certamente,  estará em algum paraíso fiscal”, alerta Niéde Guidon.
(*) Cuesta é uma formação de relevo que se apresenta em regiões onde se intercalam rochas de diferentes resistências a forte desgaste de erosões]


“O que estão
dizendo é uma mentira porque sabem que em 13 anos ninguém vai mais  lembrar de nada e o dinheiro que a empresa
ganhou já deve ter ido para algum paraíso fiscal”.


Niéde Guidon


O vai e vem das carretas carregadas de carvão


 


 


Capitalismo selvagem



E a motossera ajuda a colocar a floresta no chão


A destruição desse rico patrimônio começou em julho de 2006. A JB Carbon dividiu a área em UPA’s (Unidade de Produção Anual) de seis mil hectares. A meta é produzir mais de 300 mil toneladas de carvão/ano.
De acordo com a empresa, cortando a vegetação em ciclo de seis mil hectares durante 13 anos, a floresta se recupera naturalmente. O mais intrigante é que a empresa reconhece, em seu material de divulgação, que a floresta é “densa, de copa alta e com alta diversidade biológica, importantes funções ambientais e uma reduzida antropização”. Mesmo assim, optou pelo lucro de destruí-la e não de preservá-la.
O empreendimento tem como objetivo ofertar lenha e carvão para atendimento da demanda energética de diversos setores da economia, tanto do mercado interno como o externo, sendo as siderúrgicas os principais consumidores.
A empresa divulga no seu  próprio material publicitário que o carvão também deverá ser exportado. É bom lembrar que a legislação brasileira proibe a exportação do carvão vegetal produzido de matas nativas.


Plano de manejo é uma agressão à inteligência
Francisco Campelo (Ibama) e Ricardo Campelo
(técnico do projeto): irmãos de uma mesma causa


O terreno desmatado fica completamente limpo e  sem árvores porta-sementes. É uma cena triste. Em qualquer plano de manejo o corte deveria ser seletivo, com a preservação de centenas de árvores para minimizar os efeitos do desmatamento é linear. A única ação que se vê é de destruição para alimentar a indústria do carvão.


 


Chamado de plano de manejo, a destruição da floresta consiste em derrubar as árvores utilizando o corte manual com motoserra, machado e foice. Segundo a empresa, isso acontece respeitando as restrições estabelecidas pela legislação ambiental, entretanto, in loco, verificamos que não havia essa preocupação.
Os mais de 300 homens que encontramos em condições subumanas, se alimentando mal, dormindo em espécies de containeres e trabalhando mais de oito horas por dia, disseram que não haviam recebido nenhuma instrução em relação ao corte das árvores.
Eles também não foram orientados quanto às derrubadas de árvores protegidas como é o caso da aroeira, ipê, barriguda, angico e muitas outras árvores centenárias que foram destruídas.
Sobrevoando a fazenda a destruição da mata fica indefensá-vel. Estão cortando 100% da produção florestal. O terreno desmatado fica completamente limpo, sem árvores porta-sementes ou espécies significativas. É uma cena triste. O corte, que deveria ser seletivo, com a preservação de centenas de árvores para minimizar os efeitos do desmatamento é linear, as fotos comprovam bem o crime.
Integrado a produção do carvão, a JB Carbon S/A pretende desenvolver uma produção forrageira com capacidade de suporte para criação de 12 mil cabeças de gado e ainda produzir mel orgânico.
Outra meta da empresa no futuro é transformar a fumaça gerada pelos fornos em produto para indústria de alimentos. Também so-nha em obter crédito de carbono, que segundo ela, vai gerar mais emprego e impostos, além de ou-tros benefícios ambientais.
O funcionário do Ibama que coordenava o projeto de conservação e uso sustentável da Caatinga, Francisco Campelo, um dos mais entusiastas defensores do Energia Verde, disse que se trata de um negócio florestal sustentável, inclusive projeto âncora do governo e do Programa Florestal do Piauí-PLANAP da Codevasf.
Segundo ele, se a postura dos ambientalistas prevalecer, será mais seguro para o empresariado partir para o agronegócio convencional e licenciar a terra para o desmatamento, “pois ficarão livres dessa falta de compreensão”.
O comportamento de Campelo levou o Ibama a exonerá-lo da coordenação do GEF-Caatinga. Seu irmão, o engenheiro florestal Ricardo Campelo, é um dos responsáveis técnicos pelo projeto Energia Verde.  (TM)


Esclarecimento da JB Carbon S/A


A empresa JB Carbon S/A solicita esclarecimento quanto à matéria “Troféu Motoserra para desmatadores”, da repórter Tânia Martins. É necessário esclarecer aos leitores que, até o presente momento, não existe comprovação cientifica da existência de Mata Atlântica na Serra Vermelha.
O ex-professor do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Pernambuco, Sergio Tavares, visitou in loco o Projeto Energia Verde e constatou que: “A vegetação é de caatinga arbórea, não se podendo confundir com Mata Atlântica a não ser por pessoas leigas ou especialistas de outras áreas, desco-nhecedores da Fitogeografia do Nordeste do país”.
A matéria afirma ainda que “os ambientalistas provaram que o projeto Energia Verde está recheado de falhas”, entre as quais estaria a ausência do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Vale ressaltar que a legislação federal dispensa EIA-RIMA para licenciamento dos planos de manejo flo-
restal sustentável. Isso ocorre porque os planos de manejo florestal sustentável englobam estudos e práticas que garantem a redução de impactos ambientais.
Quanto à possibilidade de criação do Parque Nacional na Serra Vermelha, cabe salientar que na audiência pública realizada em Bom Jesus, no dia 15 de dezembro de 2006, a população da região manifestou-se contrariamente à criação de nova área protegida. Também são contrários à medida os prefeitos de Curimatá, Bom Jesus, Morro Cabeça no Tempo e Redenção do Gurguéia. Eles enviaram ofício ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ibama e a outros órgãos públicos denotando sua preocupação, inclusive com a paralisação do Projeto Energia Verde.
O Energia Verde mantém mais de 42 mil hectares de florestas intocados, somando Reserva Legal, Áreas de Preservação Permanente (APPs) e corredores ecológicos entre as áreas manejadas. O plano de manejo incorporou programas de Educação Am-
biental, de prevenção e combate a incêndios e de monitoramento da fauna. Tais medidas são similares às adotadas nos melhores parques e reservas naturais em todo o mundo.
Isabela Vargas
RPBrasil Assessora de
Comunicação


Trabalho escravo


Na sexta-feira do último carnaval, o Procurador do Trabalho, Hiram Meneghelli, esteve na Serra Vermelha para resguardar os direitos trabalhistas de 141 trabalhadores que foram demitidos do projeto sem qualquer direito.
A empresa foi obrigada a pagar cerca de R$ 200 mil de indenização aos trabalhadores e outros R$ 50 mil em multa por dano moral e coletivo em decorrência de abusos cometidos contra a comunidade de trabalhadores que viviam em condições insalubres.
Foi constatado que os trabalhadores não disponibilizavam de moradia digna, água potável, instalações sa-nitárias e nem usavam equipamentos individuais de proteção.
E o mais grave disto tudo foi o comentário do Procurador Chefe do Ministério do Trabalho, João Batista Luzardo: “Já sabemos que o trabalho em carvoarias e desmatamentos está relacionado ao trabalho escravo”.
O  Procurador João Batista Luzardo é o responsável por intermediar a fiscalização no projeto.


As vantagens do projeto segundo o Secretário
Para o secretário de Meio Ambiente do Piauí, Dalton Melo Macambira, o projeto é sustentável e ainda ajuda a combater o aquecimento global


Dalton Melo Macambira (*)
A quem interessa que a discussão acerca do projeto de manejo florestal da Serra Vermelha se mantenha no nível em que vem sendo tratado? A quem interessa ignorar a discussão técnica que, por mais de uma vez, caracterizou o projeto como um autêntico manejo florestal e continua falando no maior desmatamento do Nordeste? A quem interessa citar o projeto da Serra Vermelha como mais um passo rumo ao aquecimento global, quando o Protocolo de Kioto propõe que iniciativas desta natureza sejam contempladas com créditos de carbono, exatamente por contribuírem para o seqüestro do carbono que os nossos automóveis a gasolina lançam na atmosfera?


É difícil dizer a quem interessa isto. Muitos dos interesses atrás destas questões, estão muito bem disfarçadas de “interesses ambientais”. A verdade, entretanto, é que o projeto da Serra Vermelha foi proposto pelo Ministério do Meio Ambiente, em substituição ao projeto de produção grãos por ser uma alternativa muito melhor, do ponto de vista ambiental, que a anterior. É importante que se diga que, no projeto anterior, não havia qualquer ilegalidade ou qualquer dano ambiental não previsto na legislação brasileira.
E qual é a grande vantagem deste projeto? É o combate ao aquecimento global pela via do seqüestro de carbono, ou seja, é a captação do carbono existente na atmosfera pelas árvores em crescimento.
E como é que isto está acontecendo na Serra Vermelha? Ora, o manejo prevê o corte de um grande número de árvores em um determinado lote. A madeira destas árvores vira carvão, ou seja, energia.
Qual a diferença entre o manejo e o desmatamento? No desmatamento as árvores são inteiramente retiradas pela raiz. No manejo elas são cortadas e rebrotam.
No projeto em questão, estão previstos treze lotes. Como a cada ano será manejado apenas um lote, o corte das árvores de um mesmo lote só será repetido a cada 14 anos, possibilitando a recomposição total da floresta e sua manutenção, indefinidamente.
Há exemplos de manejo que foram extremamente bem sucedidos por mais de 60 anos. Nestes manejos a floresta sempre se regenerou e sempre garantiu a satisfatória manutenção da biodiversidade.


(*) Dalton Melo Macambira é o secretário de Estado do Meio Ambiente e
Recursos Hídricos do Piauí