Energia e Meio Ambiente

Muito além do Madeira

20 de julho de 2007

Empreendimentos do Rio Madeira recebem licença prévia do Ibama

AS USINAS


Dentre elas, a previsão de demolição das ensecadeiras construídas durante a obra, para facilitar o fluxo de sedimentos e larvas de peixes. Ou-tra importante condicionante é a previsão da realização de programas de monitoramento de modo a permitir o acompanhamento de aspectos como se-dimentação, deriva de ovos, larvas e juvenis de peixes, e metilação de mercúrio, além de outras de mitigações socioambientais.
Para o jorrnalista e ambientalista Carlos Tautz a emissão pelo Ibama da licença prévia para as hidrelétricas no rio Madeira (RO) o governo deu dois recados.
Primeiro recado: esse passo inicial da construção das usinas Jirau e Santo Antônio pavimenta o caminho de outros megaprojetos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento.
Segundo recado: na visão dos planejadores federais, a Amazônia é uma grande provedora, para o País e para o mundo, de fonte barata de energia (hidroeletricidade, gás natural e petróleo) e de minérios, além da água e de nutrientes.


Novos tempos
Quando se construiu a Usina de Três Marias (na década de 50) e até Balbina ou Tucuruí, na década de 80, qualquer obra que se fazia, tinha apenas um elemento para decisão: a necessidade de energia. Foi assim que se construiu a pior hidrelétrica do Brasil em termos de quilowatt gerado e estrago ambiental: Balbina que alagou 2.400 km² para produzir 250 megawatts.
Hoje, quando as questões ambientais têm mais peso, as chances de fazer um projeto mais equilibrado são muito maiores. Balbina só foi possível porque o Brasil era uma ditadura. A verdade é que os investimentos para aumentar a geração de energia precisam ser feitos. Antes que seja tarde. Mas é verdade, também, que, tudo tem de ser feito respeitando o meio ambiente. O progresso ou o desenvolvimento que não leva em conta o meio ambiente é um desenvolvimento estéril, dizia o presidente Fernando Henrique Cardoso.
As hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio vão produzir 4,45 mil megawatts de energia, a metade de Itaipu Binacional. Os investimentos nas usinas deverão ficar entre R$ 20 bilhões e R$ 28 bilhões. A previsão é de que entrem em funcionamento em 2012. Para dar a licença prévia, o Ibama fez 33 exigências, entre elas, medidas para evitar que o cascalho transportado fique depositado na barragem, garantias de passagem para os grandes bagres e controle do mercúrio.


Bolívia contra Usinas
O Congresso boliviano decidiu acirrar os ânimos contra a construção das duas usinas hidrelétricas do Madeira. A primeira proposta é apresentar apelação ao Parlamento Amazônico, uma entidade criada no papel em 1988 para agregar representantes dos Legislativos dos oito países da bacia do Rio Amazonas.   A segunda idéia é a convocação do chanceler David Choquehuanca para que responda sobre sua suposta demora e negligência ao cobrar do Brasil explicações sobre os impactos ambientais dos projetos. A terceira iniciativa é enviar um convite ao embaixador do Brasil em La Paz, para que apresente informações técnicas sobre os projetos.


Ressalvas na aprovação


Para alguns especialistas, a autorização prévia para que o projeto das duas hidrelétricas do rio Madeira possa continuar não deve ser encarada como uma derrota para a área ambiental. “Eu defendo a hidrelétrica, mas com condições ambientais impostas”, explicou Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás e coordenador da Coppe. Para ele, as alternativas a essas hidrelétricas seriam piores. “A carvão, óleo diesel é um absurdo, e nuclear, além dos problemas, é caríssima.”
Pinguelli defende que o Brasil precisa crescer e que “não é possível evitar a energia elétrica”. “Acho que a vitoriosa nesse caso é a ministra Marina Silva, que impôs as regras.”
Mas muitos ambientalistas saíram criticando a decisão. Eles consideram as obras de grande impacto ambiental, apesar da fonte hidrelétrica ser considerada limpa.
Para Karen Suassuna, da área de energia do WWF, a liberação das licenças, seguidas da decisão do governo de retomar a construção da usina nuclear de Angra 3, mostra a prioridade dada pelo governo federal às grandes obras. ‘Fica claro que o governo prioriza grandes e polêmicas obras. Não se vê semelhante disposição em desburocratizar usinas de fontes renováveis, nem um plano mais audacioso de eficiência energética.’
O fato é que todos ambientalistas concordam que as fontes de energia alternativas como eólica, biomassa e solar não recebem a mesma atenção no planejamento estratégico do Ministério das Minas e Energia e do Governo.


Preservação de bagres


A empresa que requereu as licenças prévias para as hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau foi Furnas Centrais Elétricas. As licenças valem por dois anos e estão condicionadas a 33 exigências, principalmente em relação ao transporte de se-dimentos (visto que o Madeira carrega muito barro e cerca de 1% de cascalho), controle de mercúrio (mineral muito presente no leito do rio) e garantia de que os grandes bagres (como dourada e piramutaba e outras espécies de peixes) possam ter um canal de passagem para subir o rio durante a fase de reprodução.
Assim, quem vencer o leilão para dar início às obras das usinas do Madeira terá de construir um centro de reprodução da ictiofauna (relativa ao estudo dos peixes). Se os grandes bagres e outras espécies encontrarem dificuldades para subir duas rampas laterais que serão construídas ao lado dos vertedouros, o centro cuidará de repovoar o rio.


Crise de energia


Para o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo – ANP, David Zylbersztajn, ne-nhum projeto isolado livra o Brasil de uma crise. Zylbersztajn, um  dos formuladores do programa emergencial de racionamento que impediu uma crise ainda mais grave no fornecimento de energia elétrica em 2001, explica que as hidrelétricas do Madeira, na melhor das hipóteses, começam a operar em cinco anos. Mesmo assim, com as turbinas entrando em funcionamento gradualmente. Não seria essa a solução para uma crise energética que se avizinha para 2010, 2011. Estão fazendo uma onda muito grande para uma oferta de 6 mil megawatts, que é menos da metade do fornecimento de Itaipu. Zylbersztajn diz também que Angra 3 não se sustenta. Nem financeira nem temporalmente nem ambientalmente. Ele aponta como solução a eficiência energética, o investimento em fontes renováveis, a biomassa.
Já o ministro interino das Minas e Energia, Nelson Hub-ner, garante que o leilão do projeto da Hidrelétrica de Santo Antonio, no Rio Madeira, de-verá ocorrer em ‘em meados de outubro’. A licença prévia para essa usina foi emitida agora pelo Ibama, assim como a de Jirau, que, segundo o ministro, deverá ir a leilão no início de 2008. Para Hubner, o edital para a de Santo Antonio deverá ser submetido a uma audiência pública no início de agosto. Ele esclareceu que as duas usinas serão leiloadas separadamente. Hubner afirmou que as 33 condicionantes impostas pelo Ibama para liberar a licença ambiental prévia ‘nem aumentam o custo nem inviabilizam os empreendimentos’. O ministro interino disse que o governo quer fazer do complexo do Madeira ‘um projeto modelo’ do ponto de vista ambiental.


Leilão de construção
Pelo lado empresarial, várias construtoras e grupos renomados se preparam para dar seus lances, pois estão dispostas a entrar no negócio. Além da CPFL, Cesp, Light, Alcoa e Votorantim, alguns fundos de investimentos começavam a fazer estudos e buscar parceiros para participar do leilão da Hidrelétrica de Santo Antônio, a primeira a sair do papel. A unidade terá capacidade de produzir 3.150 megawatts e exigirá investimentos de R$ 12 bilhões. Até o momento as construtoras Odebrecht e Camargo Corrêa encabeçam dois consórcios em formação, que devem abrigar boa parte das companhias inte-ressadas. A Odebrecht, responsável pelos estudos de viabilidade econômica, social e ambiental, ao lado da estatal Furnas, deve contar com a participação de um fundo de investimento liderado pelos bancos Santander e Banif.