Financiamento ambiental

Fundos socioambientais

20 de julho de 2007

Fundo Nacional do Meio Ambiente faz 18 anos e Manoel Serrão explica as bases do futuro sistema de financiamento ambiental

Manoel Serrão: “Precisamos aperfeiçoar o financiamento para o setor ambiental”


 


 


 


Folha do Meio – Qual é o modelo de financiamento ambiental necessário?
Manoel Serrão –
A vida das pessoas e das instituições é feita de desafios. A projeção de um sistema como esse é um grande desafio. Na última década, o financiamento ambiental vivenciou uma significativa mudança de perfil. Agendas tradicionais, tais como a sustentabilidade das Unidades de Conservação, por exemplo, tiveram alte-rações profundas no seu ambiente de financiamento.
Houve significativa redução dos recursos internacionais disponíveis e passou a existir uma declarada concorrência por esses recursos entre diferentes agendas. Além disso, os custos por hectare de áreas protegidas se elevaram bastante.
 Então, as ferramentas que antes se apresentavam como alternativas para um amplo leque de ações, como fundos de endowment, se consolidam como instrumentos importantes para o financiamento de ações específicas – como a cobertura de custos recorrentes -, mas  já deixam claros seus limites
Mas existe hoje uma complexidade temática muito maior, novas agendas se somaram ao financiamento ambiental. As mudanças climáticas passaram a ocupar um lugar de destaque nesse cenário.
 Foram constituídos novos mercados, a exemplo dos créditos de carbono e até, mesmo, nichos específicos de financiamento com forte apelo junto ao setor privado. É o caso da neutralização de emissões.


FMA – E como esse contexto se expressa no Brasil?
Serrão –
No caso brasileiro, há uma enorme falha de mercado no financiamento de temas centrais para a gestão ambiental. Nesse sentido,  um sistema de financiamento para as próximas décadas só será adequado se viabilizar o diálogo financeiro entre os governos federal, estadual, municipal e sociedade civil.   Temos o SUS e o Sistema Único de Assistência Social como referências no Brasil.
Precisamos urgentemente de um sistema unificado de financiamento ambiental. Não se trata apenas de garantir um processo ágil de repasse de recursos, como os repasses fundo a fundo. Devemos discutir  a definição de nichos de financiamento, a performance financeira, os ganhos em escala e definir denominadores comuns que pautem a execução desses recursos como a boa governança.


FMA – O atual ambiente de financiamento não está adequado?
Serrão –
Na verdade o ambiente atual é um reflexo do baixo entendimento, não só dos gestores públicos, mas de todo o conjunto dos agentes sociais envolvidos em relação ao impacto que o desenvolvimento de novas ferramentas econômicas pode ter na dinamização do confronto de questões socioambientais.
 Deve-se destacar que não se deu nem o primeiro passo no sentido de estabelecer um sistema de financiamento, o que, em minha leitura, seria contabilizar o investimento feito na gestão ambiental no Brasil.


FMA – Muitas perguntas continuam sem respostas..
Serrão –
Isto mesmo, perguntas elementares ainda não possuem respostas. Quem financia meio ambiente no Brasil? Quanto é investido por ano? Em quê? Onde? Empiricamente parece óbvio que existem “deseconomias” no âmbito da gestão dos recursos disponíveis. Eu destacaria como mais graves as sobreposições, as lacunas e a descontinuidade do financiamento. Ainda há muito o que fazer.


FMA – Um novo sistema implicaria em mais impostos?
Serrão –
Não necessariamente, apesar de os recursos disponíveis ao financiamento ambiental não serem suficientes, estes já existem em um volume significativo. Porém, se faz necessário que no curto prazo os recursos que possuam origem ambiental em sua captação estejam disponíveis, ainda que parcialmente, para o financiamento ambiental.


FMA – Dê exemplos.
Serrão
– São exemplos o ICMS Ecológico, o CFEM, os Royalties e a CIDE. Mais de 500 municípios são beneficiários destas duas últimas fontes. A pergunta é: quanto destes recursos tem sido investido em ações socioambientais?
Um segundo passo é a ampliação da base de arrecadação ambiental. Existem atualmente cerca de 10 diferentes tipologias de fontes disponíveis ao financiamento ambiental público no Brasil. Temos trabalhado para a o mapeamento dessas fontes e o nosso maior desafio é sem dúvida o desenvolvimento de roteiros que facilitem sua implementação pelos gestores em todo o país.
O IR Ecológico permitirá ao cidadão definir com maior liberdade o destino da aplicação de uma parcela do imposto devido.  Isso não causa nenhuma pressão tributária e ainda fortalece a democracia, pois aproxima o cidadão da gestão pública.


Precisamos urgentemente
de um sistema unificado de
 financiamento ambiental.


FMA – E em relação à América Latina?
Serrão –
Um fenômeno que temos observado nos fundos ambientais da América Latina e Caribe é o envolvimento do setor privado.
Em 2002, os recursos disponibilizados pelo setor privado eram inferiores a 2% dos aportes aos fundos ambientais da região.
Hoje, passam de 20%, sendo identificado, além das fundações privadas, o ingresso de recursos de empresas ainda que de forma tímida. Vale ressaltar a existência de nichos de mercado que se formam a partir do investimento ambiental, tais como o ecoturismo, madeiras certificadas, carbono, entre diversos outros. Dessa forma, acredito que um primeiro reflexo de um sistema, ou seja uma estratégia estruturada de financiamento, serão o ingresso de novos agentes sociais como o setor privado e ganhos em eficiência, eficácia e efetividade nos recursos já disponíveis.


FMA – E qual o papel dos fundos ambientais nesse processo?
Serrão –
A oferta de recursos para a gestão ambiental deve ser percebida pela sociedade como investimentos na qualidade de vida da população ou como uma poupança, um investimento estratégico de médio e longo prazo. Existe uma diferença clara entre políticas de go-verno e políticas de estado, entre bens públicos e bens comuns.
A construção de uma escola, uma estação de tratamento de esgoto ou de um hospital estão contidas nas políticas de governo, mas a Educação, os recursos hídricos e a saúde são bens comuns, não podem estar sujeitas às circunstâncias de uma gestão. Saúde e Educação possuem na própria Constituição mecanismos de continuidade, não é o caso das políticas de meio ambiente.
Se assumirmos a perspectiva da execução dos recursos, nada melhor que um trust fund, ou seja, um instrumento de longo prazo como os fundos ambientais, que a exemplo do FNMA financia há 18 anos projetos ambientais com participação e controle social em diversas etapas de sua implementação.
Os fundos ambientais permitem visualizar com maior facilidade séries históricas do volume e o destino dos investimentos realizados.


FMA – Os fundos devem ser setorizados?
Serrão
– Acho que sim, porque o futuro do financiamento ambiental para mim passa pela setorização, a
exemplo do ocorrido no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o desenvolvimento de novas ferramentas para uma perspectiva sistêmica de gestão.
Para se ter uma idéia, apenas no MMA em 2006 foram criados dois fundos, o FNDF e o Fundo de Recuperação da Mata Atlântica. No terceiro setor, o exemplo mais famoso é o do SOS Mata Atlântica que já criou cinco fundos.
Vale ressaltar que ainda persiste um baixo nível de implementação da tecnologia financeira disponível para a gestão ambiental, a exemplo dos fundos de depósito com reembolso, licenças intercambiáveis, mecanismos como a servidão florestal ou mesmo resgatar o papel do “venture capital” no financiamento do “up scale” de atividades produtivas de base socioambiental.


FMA – O número de fundos ambientais em atividade no Brasil é baixo?
Serrão –
Ainda é, mas temos vivenciado diversas demonstrações de que a alteração desse quadro é possível. Exemplos de sucesso como o dos municípios de Joinville (SC) Maceió (AL) Montes Claros (MG) Vitória da Conquista (BA) Porto Velho (RO) e Boa Vista (RR).
No processo da primeira capacitação de fundos promovida pelo FNMA, esses fundos foram ativados ou deram saltos em suas trajetórias. Um exemplo é o fundo municipal de São Paulo.  Soma-se a isso o recente movimento espontâneo para o fortalecimento de seus fundos realizado por estados como Pernambuco, Pará, Bahia e Rio de Janeiro, que têm procurado o FNMA e a Rede Brasileira de Fundos como forma de reduzir passos no sentido da implementação de melhores práticas.


FMA – A Rede Brasileira de Fundos Socioambientais está no rumo certo, então?
Serrão
– Está mas há muito a ser feito, sem dúvida. Temos 27 estados e mais de 5 mil municípios com diferentes condições de gestão. Todavia, relatos como os do fundo de Campina Grande, na Paraíba, que realizou suas primeiras captações de recurso ou mesmo do município de Alterosa, em Minas, que, independente de qualquer contato, passa a destinar recursos do ICMS Ecológico a seu fundo contando agora com uma receita que salta de R$30 mil para R$350 mil/ano são motivadores.
A rede Brasileira de Fundos é hoje um fórum de convergência de melhores práticas e difusão e troca de experiências para fundos ambientais, atuando inclusive como um nó da Rede de Fundos Ambientais da América latina e Caribe.
A rede brasileira foi concebida a partir do envolvimento de 24 fundos que participaram da primeira capacitação de fundos rea-lizada pelo FNMA. Em sua primeira assembléia, havia a presença de 40 fundos.  Hoje, a rede tem a manifestação de interesse de mais de 100 instituições, sendo 70 delas fundos públicos de meio ambiente e recursos hídricos.
A rede tem demonstrado também grande capacidade de aglutinação parceiros. Está no rumo certo.


—————————————————————————————————————–


NOTA PÚBLICA
O Comitê da Bacia do São Francisco
encaminhou ao Procurador Geral da República solicitação de medidas legais junto ao STF para evitar que sejam iniciadas as obras da Transposição sem que haja julgamento de
mérito dos pontos de ilegalidade
 
A Diretoria Colegiada do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, reunida em Brasília, reitera a sua posição contrária ao Projeto de Transposição e lamenta que o Governo Federal esteja dando início às obras sem aguardar o exame de mérito das diversas ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal além de atropelar o diálogo prometido pelo próprio Presidente da República e que foi interrompido pela ânsia de executar o projeto a qualquer custo, inclusive valendo-se   do Exército Brasileiro para criar um fato consumado quanto ao início da transposição.
 
A direção do CBHSF aproveita a oportunidade para manifestar, dentro da lei, sua solidariedade à população e às entidades da sociedade civil que estão acampadas em Cabrobó, como último gesto de pleno exercício da cidadania que resta àqueles que discordam do projeto e cujos argumentos e reivindicações não foram, até o momento, devidamente considerados pelo Governo Federal.
 
A Diretoria Colegiada do CBHSF manifesta sua preocupação com a possibilidade do acirramento dos ânimos em Cabrobó e espera que o Governo Federal saiba encontrar uma solução pacífica para as manifestações que ocorrem naquela região e estabeleça a retomada do diálogo prometido pelo Presidente da Republica.
 
Esta preocupação motivou o encaminhamento, nesta data, de um requerimento ao Exmo. Sr. Procurador Geral da República solicitando a adoção de medidas legais junto ao Supremo Tribunal Federal, evitando que sejam iniciadas as obras sem que haja julgamento de mérito sobre os pontos de ilegalidade ventilados nas diversas ações em trâmite no STF, entre elas, aquelas que questionam a legalidade do licenciamento ambiental, da outorga e CERTHO e a violação do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco e das competências legais do CBHSF definidas na Lei 9.433.


 Brasília, 04 de julho de 2007.


DIRETORIA COLEGIADA DO CBHSF
JOSÉ CARLOS CARVALHO – Presidente
LUIZ CARLOS DA S. FONTES  –  Vice-Presidente
YVONILDE MEDEIROS – Secretária Executiva