O gringo, a floresta e a escória

22 de agosto de 2007

Apelo em prol de experimento talvez nem seja percebido

O Brasil deve ao americano Thomas Lovejoy um legado ímpar: o maior e mais antigo experimento sobre o comportamento de restos de floresta tropical do mundo. Para quem não conhece, o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), está a duas horas de carro ao norte de Manaus. Há muito figurão que de mata amazônica só conhece as áreas do PDBFF, idealizado nos anos 1970 por Lovejoy.


Quando a região administrada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) ia ser desmatada para  criação de gado, o ecólogo gringo conseguiu que trechos de 1 hectare (10 mil metros quadrados), 10 hectares e 100 hectares fossem mantidos. O plano era comparar essas ilhas de floresta cercadas de pasto, ao longo dos anos, com lotes de tamanho aproximado demarcados no meio da mata virgem. Descobrir, por exemplo, quais espécies de plantas e animais conseguem sobreviver nas áreas de tamanhos diversos. Trabalho tedioso, para décadas, que já rendeu coisa de 600 publicações científicas, entre artigos, capítulos de livros e teses acadêmicas.
Está certo que esse cabedal de conhecimento não chega a rivalizar, em volume, com a torrente de asneiras, ofensas e obscenidades desatada pelo novo acidente em Congonhas e impressa diariamente nos jornais. Em matéria de qualidade e relevância, porém, faz muito mais pelo País. Se não atearem fogo a isso também, claro, imolando o experimento na pira nacional da incompetência.O PDBFF freqüentou na semana que passou as páginas não dos jornais, mas de um “journal” (periódico científico), a “Nature”. Num comentário alarmista, William Laurance, um discípulo de Lovejoy na Instituição Smithsonian, que como ele já trabalhou em Manaus, e Regina Luizão, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), puseram a boca no trombone. Laurance já foi ameaçado de demissão do Inpa anos atrás, quando escreveu noutro periódico científico que metade da Amazônia poderia ser desmatada em poucas décadas. Agora, ele e Luizão saem em defesa do projeto, que já começa a sofrer os efeitos do crescimento desordenado na região de Manaus.
Assentamentos agrícolas planejados pela Suframa estão chegando perto demais das áreas de pesquisa, ameaçando sua continuidade. Apesar da repercussão que o comentário na “Nature” teve em jornais brasileiros, o provável é que entre por uma orelha e saia pela outra. Talvez nem seja percebido, com nossos ouvidos entupidos por tanta escória.


(*) Marcelo Leite é autor do livro “Promessas do Genoma” (Ed.Unesp)  e responsável pelo blog Ciência em Dia
 (
www.cienciaemdia.zip.net)
E-mail:
[email protected]


 


Pesquisadores contra assentamento da Suframa
INPA envia carta à Conabio mostrando que projeto de colonização na floresta ameaça áreas de pesquisa científica e de conservação ambiental vitais na Amazônia


Milano Lopes, de Brasília  (22 de Agosto de 2007)


O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa – enviou carta à Comissão Nacional de Biodiversidade – Conabio – solicitando seja incluída em pauta uma reclamação contra a Suframa, cujo projeto de colonização, instalado nas cercanias das áreas de estudo do instituto, estaria pondo em risco o programa de pesquisas ali desenvolvido.


A carta, assinada por Regina C.C. Luizão, responsável pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais – PDBFF – desenvolvido pelo Inpa, relata que tudo começou quando, “após 20 anos de abandono, em 2002/2003 a Suframa publicou em jornais locais o lançamento de seu novo Projeto Piloto de Colonização em Grupo – PPCG -, no Distrito Agropecuário, uma área de 600 mil hectares ao norte de Manaus.” Apelo em prol de experimento talvez nem seja percebido O Brasil deve ao americano Thomas Lovejoy um legado ímpar: o maior e mais antigo experimento sobre o comportamento de restos de floresta tropical do mundo. Para quem não conhece, o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), está a duas horas de carro ao norte de Manaus. Há muito figurão que de mata amazônica só conhece as áreas do PDBFF, idealizado nos anos 1970 por Lovejoy. Quando a região administrada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) ia ser desmatada para criação de gado, o ecólogo gringo conseguiu que trechos de 1 hectare (10 mil metros quadrados), 10 hectares e 100 hectares fossem mantidos. O plano era comparar essas ilhas de floresta cercadas de pasto, ao longo dos anos, com lotes de tamanho aproximado demarcados no meio da mata virgem. Descobrir, por exemplo, quais espécies de plantas e animais conseguem sobreviver nas áreas de tamanhos diversos. Trabalho tedioso, para décadas, que já rendeu coisa de 600 publicações científicas, entre artigos, capítulos de livros e teses acadêmicas. Está certo que esse cabedal de conhecimento não chega a rivalizar, em volume, com a torrente de asneiras, ofensas e obscenidades desatada pelo novo acidente em Congonhas e impressa diariamente nos jornais. Em matéria de qualidade e relevância, porém, faz muito mais pelo País. Se não atearem fogo a isso também, claro, imolando o experimento na pira nacional da incompetência. O PDBFF freqüentou na semana que passou as páginas não dos jornais, mas de um “journal” (periódico científico), a “Nature”. Num comentário alarmista, William Laurance, um discípulo de Lovejoy na Instituição Smithsonian, que como ele já trabalhou em Manaus, e Regina Luizão, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), puseram a boca no trombone. Laurance já foi ameaçado de demissão do Inpa anos atrás, quando escreveu noutro periódico científico que metade da Amazônia poderia ser desmatada em poucas décadas. Agora, ele e Luizão saem em defesa do projeto, que já começa a sofrer os efeitos do crescimento desordenado na região de Manaus. Assentamentos agrícolas planejados pela Suframa estão chegando perto demais das áreas de pesquisa, ameaçando sua continuidade. Apesar da repercussão que o comentário na “Nature” teve em jornais brasileiros, o provável é que entre por uma orelha e saia pela outra. Talvez nem seja percebido, com nossos ouvidos entupidos por tanta escória. (*) Marcelo Leite é autor do livro “Promessas do Genoma” (Ed.Unesp) e responsável pelo blog Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net) E-mail: [email protected]




Foto: Silvestre Gorgulho


O Brasil deve a Tom Lovejoy o maior e mais antigo experimento sobre a floresta amazônica


 


 


 


Temendo as conseqüências potenciais desse plano, o Inpa procurou a Suframa externando suas preocupações com  os novos assentamentos nas proximidades de suas áreas de estudo. Apesar das várias visitas à Suframa, principalmente à Coordenação de Análise e Acompanhamento de Projetos Agropecuários, responsável pelo  DAS, “inclusive com sugestões  de projetos de parceria”, nenhuma providência foi tomada.


Amortecimento
A intenção do Inpa, segundo a carta de Regina Luizão, “é convencer a Suframa da necessidade de estabelecer e respeitar uma zona de amortecimento ao redor das áreas de pesquisas de longa duração do Inpa, por causa do perigo a que estão expostas  com as novas queimadas, os caçadores e os roubos que se tornaram freqüentes na área, ameaçando vidas humanas e milhares de dólares investidos em pesquisas”.
Para a diretora do Inpa, “a atitude da Suframa em ignorar os apelos das instituições parceiras no Distrito Industrial não é compreensível, pois as conclusões do Relatório do Zoneamento Econômico Ecológico do DAS, financiado pela própria Suframa, e executado pelo Serviço Geológico do Brasil, junto com colaboradores do Inpa e outras instituições, diz claramente que o  território do DAS não é apropriado para expansão urbana, atividade carvoeira e pecuária de corte”.
O relatório conclui que as atividades mais benéficas ao uso da área são o ecoturismo, o extrativismo e a pesquisa em biodiversidade. Além disso – afirma a carta – “a Suframa não tem licenciamento ambiental para implantar quaisquer assentamentos no território do DAS.”
Na carta, a representante do Inpa pede “a imediata aplicação das recomendações do Zoneamento Econômico-Ecológico do DAS”. E afirma: “A persistência em fazer inclusão social a qualquer custo está na contramão da atual política do governo e de toda a sociedade, de valorizar o ambiente e proteger a biodiversidade amazônica.”