RIO GUAPORÉ

22 de agosto de 2007

Pérola rara da Amazônia


 


 


 


 


 


A beleza e a imponência do Guaporé, um rio que une três biomas e ainda está pouco impactado por cidades ribeirinhas


Logo após a nascente, um riozinho de águas transparentes, cercado por uma faixa de mata verde, vai ganhando volume na chapada aparentemente seca. Cem quilômetros depois, o rio é barrado pela única hidrelétrica em todo seu percurso. É a UHE Guaporé (na verdade, uma PCH), construída em 2003 e que, com um lago de apenas 4 km² de extensão, gera 124 MW de energia com um mínimo de impacto ambiental.
O Guaporé passa pelo território de 11 municípios em dois estados, mas há apenas quatro cidades nas suas margens. A primeira é a maior, Pontes e Lacerda, uma cidade com crescimento galopante. Aqui, o Guaporé é mais largo e conseguimos navegar pela primeira vez. Após cortar a Serra da Borda, uns 20km abaixo da cidade, o rio entra num belíssimo buritizal, onde se subdivide em múltiplos riachos que se perdem, cortados por troncos caídos. O lugar, inóspito ao homem, é um refúgio para milhares de aves. Ouvimos sugestões para que fosse aberto um canal pelo buritizal para fazer corridas de barco. Seria como organizar uma corrida de Formula-1 numa maternidade. Provocaria uma destruição totalmente desnecessária, um  verdadeiro crime ambiental.
Sem poder navegar pelo buritizal, seguimos de carro até Vila Bela da Santíssima Trindade. As íngremes chapadas da Serra Ricardo Franco servem de belo pano de fundo para a segunda cidade localizada às margens do rio.
Na verdade, ela era a primeira, fundada em 1752 pelo capitão-geral Antônio Rolim de Moura para ser a capital da Capitania de Mato Grosso.
A decisão da coroa portuguesa de criar uma nova capital tão longínqua visava, além da exploração do ouro, ocupar o Alto Guaporé e afastar a ameaça de invasões espanholas. Vila Bela perdeu a supremacia para Cuiabá em 1835, entrando em declínio seguido pelo esquecimento.
Enfim, a população negra, até então brutalmente escravizada, viveu um pouco de paz.


A fronteira com a Bolívia e os encontros com a História


O desmatamento aumenta sempre e compromete afluentes do rio Guaporé


 


Subir o rio Guaporé foi um aprendizado de Brasil

 


Emoção da palestra
Nossa palestra à noite para a comunidade vilabelense foi uma dos mais emocionantes de todo o projeto. Com a praça lotada, projetamos as imagens aéreas do rio na parede da igrejinha branca ao lado das ruínas da Igreja Matriz que dominam esse lugar há mais de 250 anos. As simples pedras de adobe do século 18 recentemente ganharam um telhado de metal vermelho do século 21.
A partir de Vila Bela, o rio é facilmente navegável até a foz. Porém, a logística é complicada. Nosso barco foi equipado com uma autonomia de 600 km, então o primeiro trecho de 370 km até Pimenteiras do Oeste (RO) não foi um problema.
Matas densas surgem em cada margem do rio onde vive uma abundância de aves. A presença de ribeirinhos é inexpressiva e, em toda a extensão, cruzamos talvez com uma dúzia de barcos.


Fronteira
No trecho onde o Brasil ocupa as duas margens do rio, passamos duas vezes por imensas balsas operadas com exclusividade por mega-fazendeiros que vêm ocupando as terras na margem esquerda, desmatando vastas áreas que, há pouco tempo, eram mata virgem.
O Rio Verde desce da Serra Ricardo Franco demarcando a fronteira entre a Bolívia e o Brasil e a partir do encontro com o Guaporé, esse rio se torna a linha da fronteira. Na margem boliviana, estende-se o imenso parque boliviano Noel Kempf, com 1,6 milhões de hectares, famoso pela riqueza de sua biodiversidade.
É interessante que a margem boliviana apresenta terras mais altas, com falésias que despencam diretamente dentro da água. A Serrania de Huanchaca domina a paisagem, contrastando com o lado brasileiro, mais plano.
A sede do Noel Kempf se encontra poucos quilômetros rio acima de Pimenteiras do Oeste. Devido à atual conjuntura na Bolívia, o parque está sem recursos e a infra-estrutura existente está deteriorando. Mesmo assim, apesar de ser tão remoto e de difícil acesso, havia turistas internacionais.
O Brasil perde por não saber oferecer estada e visitação  nos parques nacionais. Se incentivássemos mais o turismo, a presença constante de visitantes afastaria os depredadores e caçadores que operam sem restrições. 
O encontro do barrento rio Cabixi com o Guaporé marca a divisão entre os estados de Mato Grosso e Rondônia. A partir de Pimenteiras do Oeste (RO), a terceira e a menor cidade nas margens do rio, a logística ficou complicada. Seriam 620km, três dias de viagem, até Costa Marques sem acesso ao rio para o carro de apoio. Para nós, pelo rio, foi bem mais fácil, mesmo levando quase 12 horas para o trajeto.


Quilombolas
Entre Porto Rolim e Costa Marques, visitamos os quilombos de Pedras Negras e Santo Antonio do Guaporé. A maioria dos quilombolas é descendente dos vilabelenses que povoaram o Vale do Guaporé. Após os anos de repressão quando Vila Bela era capital, foram largados à sua própria sorte, tolerados pelo governo por estarem ocupando para o Brasil um pedaço de território infestado de malária que, de outra forma, estaria abandonado.
Além de parar nos quilombos e nas fazendas brasileiras para conversar com os moradores, também visitamos as comunidades bolivianas como Remanso e Versalles.
Com cada dia que passava, ficávamos mais apaixonados pelo Guaporé. De manhã cedo, sem vento, o rio estava um espelho. Nos bancos de areia, havia dezenas de talha-mares e gaivotas, acasalando e preparando os ninhos.
Rio abaixo de Santo Antônio do Guaporé, Juracy nos mostrou o projeto de proteção dos quelônios e das aves que aninham nas praias, da ONG Ecovale. Trabalham intensamente de julho a janeiro, demarcando os ninhos, contando os ovos, protegendo os filhotes, a cada ano tendo conseguido aumentar a quantidade de animais protegidos.
Quando enfim alcançamos a quarta cidade, Costa Marques, mal acreditávamos ter completado o trajeto sem transtornos. Faltavam apenas 165 km para alcançarmos a foz e já estávamos tranqüilos. Mas não ia ser tão fácil assim.
Surpresa
O Guaporé deságua no rio Mamoré no distrito de Surpresa, município de Guajará-Mirim.
Para ir a Surpresa de Costa Marques de carro, teria que rodar 1.200km passando por Porto Velho! Fazia mais sentido, então, navegarmos 330 km indo e voltando pelo rio. Preparados para um longo dia, saímos do hotel ainda na escuridão.
Para completar de vez o objetivo principal, seguimos diretamente até a foz, sem paradas. Após uma breve visita ao distrito de Surpresa, começamos a viagem de volta, tranqüilos, com tempo para conversar com os ribeirinhos. Tínhamos percorrido apenas 30km quando o motor da lancha pifou.
Gérard tentou consertá-lo, em vão. Remamos até uma fazenda boliviana, onde fomos acolhidos pela família.
Aí começou uma longa novela atrás do resgate e acabamos pernoitando ali mesmo.


Príncipe da Beira
Na manhã seguinte, fomos rebocados por um barco boliviano até encontrarmos com a voadeira da Ecovale, vindo de Costa Marques nos buscar. Eram 17 horas quando finalmente encostamos no ?porto? de Príncipe da Beira.
Terminar a odisséia pelo Guaporé ao lado das ruínas do Real Forte do Príncipe da Beira foi emocionante. É o mais antigo monumento histórico de Rondônia. A construção teve início em 20 de junho de 1776 e foi concluída em 1783. Até hoje os muros impressionam pela robustez.
A surpreendente fortaleza, erguida em local tão remoto e distante, tem um dos mais belos por-do-sol do Brasil. Refletida nas águas do Guaporé, a imensa bola vermelha do sol fecha o dia. E nossa equipe completou, assim, o projeto dos Sete Rios.
Missão cumprida!