Projeto de Transposição do São Francisco

Os perigos da transposição

25 de setembro de 2007

A desertificação e a devastação do bioma Caatinga


 


 


 


 


 


E qual o grande problema? É que todos os assentamentos apresentam um quadro de degradação ambiental gravíssimo, com desmatamento para produção de carvão e lenha; queimadas para formação de pastagens; caça predatória e destruição de colméias de abelhas nativas.  Nenhum apresenta índices de sustentabilidade, seja ambiental, social ou econômica, fato que tem gerado temores quanto à implantação de novos assentamentos. Cerca de metade dos assentamentos estão localizados na área de influência direta do canal.
A preocupação, agora, é que a obra promova a ocupação e exploração indiscriminada do bioma, considerado um dos mais frágeis e menos protegido. Tudo isto deve agravar o processo de desertificação e extinção de espécies animais e vegetais.. “A obra precisa considerar conceitos ambientais contemporâneos como: sustentabilidade dos assentamentos, corredores ecológicos da Caatinga e o próprio aquecimento global.
“O desmatamento que já se vê em grau preocupante será agravado pela obra”, observa o advogado Cláudio Novaes, do grupo ambiental S.O.S Caatinga, com forte atuação na região.
Falta informação para a população local. Até agora, apenas duas audiências públicas foram realizadas na região dos dois eixos do canal. Todos desconhecem o conteúdo do relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) na região de captação. O SOS Caatinga, reconhece que a revitalização da bacia de São Francisco (programa atrelado à transposição), vem dando uma atenção considerável às questões ambientais graves como saneamento e abastecimento das cidade às margens do Velho Chico e seus afluentes. Este é o caso de Floresta, localizada a 3 km do rio. Há mais de oito anos, a população do município recebe água nas torneiras apenas uma vez por mês.
A própria estação de tratamento, pronta há 10 anos, jamais funcionou. A grande crítica é sobre a pouca atenção que vem sendo dada a Caatinga. O grupo, que luta pela criação de RPPN – Reservas Particular do Patrimônio Natural, defende também a criação de novas áreas protegidas federais e estaduais, como forma de compensação pelos impactos do projeto da transposição. “O canal será vizinho da Reserva Biológica de Serra Negra e passará entre ela e as duas RPPNs já existentes”,  informa o advogado Cláudio Novaes.


Trukás resistem à transposição


Questões ambientais, somadas às sociais e econômicas, compõem o lastro de resistência ao projeto desde o início.
Há pouco, ribeirinhos, índios, pescadores e movimentos sociais, ocuparam pacificamente por mais de uma semana o canteiro de obras recém implantado pelo Exército em Cabrobó.
Os índios Trukás, que há décadas lutam pela retomada de suas terras, e cuja reserva fica na ilha de Assunção, estão entre os maiores críticos. Eles apostam na conclusão da obra. “Esperamos não ter que discutir compensações ambientais”, disse um líder da etnia.
Setores da igreja católica também  vêem a obra com grande preocupação. Há dois anos Dom Luiz Cappio, bispo de Barra (BA), e profundo conhecedor dos povos ribeirinhos, fez greve de fome por 11 dias em Cabrobó. Exigiu a suspensão do projeto e maior atenção para com a revitalização.
Outro ferrenho crítico da obra é o pesquisador João Suassuna, especialista em Hidrologia da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. Para ele, a transposição é cara, concentra água onde já existe e visa atender interesses de projetos econômicos na área da irrigação, carcinocultura (produção de camarões), piscicultura, e não resolve o problema de falta de água das populações dispersas.
Propositivo, ele defende ações baseada no mapa hidrológico do Nordeste, realizado pela ANA há dois anos, e o elogiado Programa Um Milhão de Cisternas, da Articulação do Semi Árido, entidade que reúne mais de 700 ONGs e igreja que recebem recursos do governo.
A resistência dos governos estaduais à transposição no primeiro governo Lula, foi quebrada, parcialmente, após a eleição dos governadores petistas Jacques Wagner, da Bahia, de Marcelo Deda, em Sergipe, e de aliados em Pernambuco.
O apoio está condicionado a obras compensatórias complementares ou incorporadas ao projeto de transposição.
Pernambuco, como doador e receptor, a princípio ficou em cima do muro, mas passou a apoiar a obra e recebeu a Adutora do Pajeú e o Ramal do Agreste, que estende o eixo leste original ate Gravatá.
 Para se contrapor à resistência dos movimentos sociais, todos os estados receptores estão constituindo bases de apoio institucional, para divulgar e defender o projeto pelos Comitês Especiais Pró-Interligação da Bacia do São Francisco.
    
Revitalização

Se a transposição dividiu os brasileiros, a revitalização é uma unanimidade absoluta: índios, ribeirinhos, igreja, movimentos sociais, ambientalistas, pesquisadores e governos. Para Maurício Laxe, coordenador do Programa de Revitalização da Bacia, criado em 2004,  orçado em 247 milhões, e a ser executado em 20 anos, trata-se de um grande desafio que exige muita articulação entre a União, governos estaduais e municipais, instituições e sociedades civil organizada.
Um dos objetivos é recupe-rar 600 mil hectares de áreas de proteção permanente em toda bacia. “Falta experiência. É um trabalho lento e os resultados não vêm de um dia para o outro”, afirma Laxe. Boa parte do reflorestamento se dará nas matas ciliares da bacia em MG, onde se concentram os afluentes permanentes. Mas os 3 biomas cortados pelo rio, Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga serão beneficiados. Oito centros de recuperação de áreas degradadas estão em diferentes fases de implantação. Dos três de Minas (Arcos, Paracatu e Montes Claros) dois estão prontos. Os demais serão em Bom Jesus da Lapa e Barreiras (BA), e Petrolina e Serra Talhada (PE).
Os pequenos municípios da bacia vivem hoje uma efervescência das questões ambientais nunca vista. A articulação entre União e instituições vem construindo aos poucos um quadro novo no que se refere a discussões  como Plano Diretor, Agenda 21, conselhos municipais do meio ambiente, fundo municipal de meio ambiente e elaboração de projetos.
Questões graves como saneamento e tratamentos de efluentes começam a virar realidade. Além de Floresta, Cabrobó, Petrolina e Salgueiro, todos situados na bacia, estão contemplados com recursos para saneamento total das cidades. Em Pernambuco, a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectma), em parceria com a União, está priorizando,  projetos de combate à desertificação e à implementação de aterros sanitários na bacia do Moxotó, afluente do São Francisco, região com um dos mais baixos índices de IDH.
Já o Ministério Público de Pernambuco celebrou convênio com o MMA (Projeto Novo Chico), que visa oferecer melhores condições de trabalho ao órgão, com a doação de veículos, com o intuito de facilitar a fiscalização das questões ambientais na bacia. O problema é que municípios como Floresta sequer dispõe de promotor e juiz próprios.