Na terra de Dona Canô

23 de novembro de 2007

Mãe de Caetano e Bethânia até hoje luta pela despoluição do rio Subaé

O exemplo mais dramático da ação poluidora do chumbo ocorreu na cidade baiana de Santo Amaro da Purificação, nas proximidades de Salvador, onde vive a centenária Dona Canô, mãe de Caetano e de Maria Betânia.
Lá, durante anos, funcionou a fábrica de chumbo francesa Plumbum,  subsidiária da Penarroya, que fechou em 1993, deixando uma herança maldita de 271 mortes de pessoas que trabalhavam na mineradora e meio milhão de toneladas de aparas de chumbo que contaminaram as pessoas, as ruas, o estuário da Baía de Todos os Santos e o rio Subaé ( “Purificar o Subaé/Mandar os malditos embora”) protestava Caetano.  Parte do chumbo correu para o Subaé, parte foi usada em calçamento, em pátios de escolas e no corpo das pessoas.
Os resultados começaram a aparecer com pesquisas das universidades da Bahia e de São Paulo.
Os estudos e avaliações efetuados ao longo dos últimos 25 anos demonstram a diminuição, mas não a eliminação da presença do chumbo em Santo Amaro. Na periferia da cidade ainda se pesca mariscos comprovadamente contaminados.
Os efeitos da contaminação por contato, inalação e ingestão continuam: níveis significativos de chumbo em cabelo e sangue, principalmente de crianças, problemas respiratórios, renais e hepáticos, anemia, perda parcial de memória e até leucemia.  A contaminação atingiu todo o ecossistema da área de Santo Amaro: solo, água, flora, fauna e saúde humana.



O perigo do chumbo


Metal danoso quando absorvido pelo organismo através da comida,
ar ou água.


O chumbo é um metal tóxico, pesado, macio, maleável e pobre condutor de eletricidade. Apresenta coloração branco-azulada quando recentemente cortado, porém adquire cor acinzentada quando exposto ao ar.
É usado na construção civil, baterias de ácido, munição, proteção contra raios-x, e forma parte de ligas metálicas para a produção de soldas, fusíveis, revestimento de cabos elétricos, materiais antifricção, metais de tipografia, pigmentos e outras aplicações. Porém o maior uso do chumbo é na fabricação de acumuladores
O chumbo não apresenta nenhuma função essencial conhecida no corpo humano. É extremamente danoso quando absorvido pelo organismo através da comida, ar ou água.  Entre seus efeitos indesejáveis estão: perturbação da biosíntese da hemoglobina e anemia; aumento da pressão sanguínea; danos aos rins, abortos; alterações no sistema nervoso; danos ao cérebro; diminuição da fertilidade do homem através de danos ao esperma; diminuição da aprendizagem em crianças; modificações no comportamento das crianças, como agressão, impulsividade e hipersensibilidade.  O chumbo pode atingir o feto através da placenta da mãe, podendo causar sérios danos ao sistema nervoso e ao cérebro da criança.


Índios e fazendeiros se unem contra recicladora de chumbo
População de Mauá da Serra (PR) luta para  proibir reciclagem de baterias na bacia do rio Tibagi


Milano Lopes, de Brasília


Há um lugar no Brasil onde índios e fazendeiros lutam ombro a ombro em defesa da terra comum: é no município paranaense de Mauá da Serra, localizado na bacia do rio Tibagi, uma área agrícola e pastoril de grande beleza no interior do Paraná. O motivo da disputa é a Metalúrgica CPG, que pretende instalar-se na região, localizada no centro-norte do Estado, como recicladora de baterias imprestáveis, ameaçando poluir os recursos naturais da Serra do Cadeado, da reserva indígena, dos campos agrícolas e das fazendas de gado.


O terreno e o barracão da CPG foram recentemente ocupados por cerca de cem índios caingangues da reserva Apucaraninha, que protestavam contra a instalação da empresa que teve as obras embargadas por força de uma liminar obtida pela Promotoria de Defesa do Meio Ambiente  de Marilândia do Sul.
No local foi construído um barracão e a base para a instalação de caldeiras, fornos e outros equipamentos, além de lagoas para despejo de efluentes industriais. Os índios fixaram faixas de protesto e promoveram uma “dança da guerra” em frente ao barracão da metalúrgica, sem encontrar resistência.
Também os proprietários rurais de Mauá da Serra, especialmente os produtores de grãos e os donos de hotéis-fazenda e de estâncias ambientais instalados na região, estão protestando contra a fábrica de reciclagem de baterias.
Eles elaboraram um documento enviado ao Instituto Ambiental do Paraná – IAP -, à Promotoria Pública e ao Governador Roberto Requião, protestando contra a CPG. O documento, firmado pelos fazendeiros Hamilton Laertes Araújo, Fernando Monteiro e Wander Eduardo Sardinha, pede às autoridades a definitiva suspensão da implantação da fábrica.


Ação pública
Na Ação Civil Pública Ambiental ajuizada pelo Ministério Público do Paraná, a CPG é acusada de tentar poluir “uma área eminentemente rural, inserida no divisor de sub-bacias do rio Preto e do rio do Meio, afluentes do Tibagi, utilizado como manancial de abastecimento  de água.”
Segundo o Ministério Público, no processo de implantação da CPG, a agência ambiental do Paraná não exigiu o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, tendo sido apresentado apenas o Plano de Controle Ambiental, “o que contraria imposição constitucional.”
O MP chama a atenção para o ocorrido no município paranaense de Adrianópolis, onde, em 2001, “foram detectados diversos casos de intoxicação por metais pesados, mais especificamente por chumbo, tendo uma pesquisa da USP divulgado que dezenas de crianças que tiveram sangue coletado estavam intoxicadas, apresentando níveis de chumbo no sangue três vezes maior do que o considerado tolerável pela OMS.”
No julgamento, a juíza Ana Cristina Penhalbel Moraes determinou a imediata paralisação das obras e de qualquer ato relativo ao processo de licenciamento ambiental. Diante da decisão judicial, o prefeito de Mauá da Serra, Hermes Wichtoff, baixou um decreto cassando o alvará que autorizava a implantação da CPG, e que havia sido concedido em março de 2006.
A despeito da determinação da juíza, a empresa não desistiu de instalar-se em Mauá, e anuncia que regularizará sua atuação junto à agência ambiental. Por esse motivo, as lideranças indígenas, os fazendeiros e os empresários da região continuam mobilizados, inclusive para a realização de novos protestos até alcançar a definitiva desistência da empresa. O Paraná possui atualmente 25 recicladoras de chumbo autorizadas pelo IAP. Elas passam por inspeções periódicas. Contudo, segundo o diretor da Associação Nacional de Defesa do Consumidor e Cidania,  Fernando Monteiro, é preciso maior rigidez para evitar contaminações.


Instalações da fábrica
em Mauá da Serra,
no Paraná, cuja operação foi suspensa pelas
autoridades ambientais
e pela prefeitura local.


 


Janelas enferrujadas
Cornélio Procópio, uma das principais cidades do norte do Paraná, que convive com a poluição provocada pela Indústria Brasileira de Placas para
Acumuladores – IBP.


 


Situada numa área densamente agrícola, a fábrica de baterias de Mauá da Serra,
no Paraná, ameaça a produção agrícola da região


 


 


Os moradores de Mauá da Serra sabem muito bem por que estão lutando contra a instalação de uma fábrica de reciclagem de baterias em seu município.
Eles acompanham as queixas da população de Cornélio Procópio, uma das principais cidades do norte do Paraná, que convive com a poluição provocada pela Indústria Brasileira de Placas para Acumuladores – IBP.
Um dos efeitos mais prejudiciais do chumbo que a IBP libera na atmosfera é a oxidação. Alambrados, telhados, portões, grades e até janelas de residências situadas nas proximidades da fábrica ficam constantemente enferrujados.
As indústrias próximas à IBP são freqüentemente obrigadas a reformar suas instalações, inclusive barracões. Mas não é só a saúde das fábricas que está ameaçada. As pessoas que trabalham no Parque Industrial Domingos Soares Filho, onde está localizada a IBP, reclamam de dores no peito e irritação nos olhos e no nariz, além do cheiro forte emanado das caldeiras da empresa. A IBP já foi multada três vezes pelo IAP.
Em 2002, por falta de licenciamento ambiental, e mais duas vezes no ano passado, por não ter realizado a Auditoria Ambiental Compulsória e por operar em desacordo com o licenciamento ambiental. Em Assaí, a 36km a leste de Londrina, também no Paraná, exames tentam identificar a causa da morte de 14 vacas, que tombaram depois de beber água no córrego Peroba, nas proximidades da Assaí Metais, outra empresa que trabalha com chumbo.