O fim do Cerrado e o mau exemplo da Bunge
23 de novembro de 2007Promotor de Justiça de Uruçui não dá conta de tantos processos que chegam à sua mesa
A floresta e a fauna vão sendo expulsas pela ganância de poucos fazendeiros. O grande negócio do momento é a produção de carvão.
Durante três dias, nossa equipe percorreu mais de 650km pelo o interior dos municípios de Marcos Parente, Porto Alegre do Piauí, Antônio Almeida, Tamboril, Uruçuí e Ribeiro Gonçalves. As áreas estão tomadas pelas atividades do plantio de soja e eucalipto e pelo desmatamento para a produção de carvão e lenha. Agrega a esta destruição, o uso do agrotóxico, o trabalho escravo, a grilagem de terras, a prostituição infantil e até roubos de cargas. O crime está cada vez mais organizado e ampliado. O município de Uruçuí é o coração do agronegócio. O atual promotor de Justiça de Uruçui, a 450km de Teresina, Flávio Teixeira de Abreu, há apenas seis meses naquela promotoria, vem trabalhando sobre uma pilha sem fim de processos sobre grilagem de terras. “O pior é que os processos continuam entrando e com os mesmos erros”, disse o promotor, referindo-se a um contra o governo que recentemente, através do Instituto de Terras – Interpi, se utilizou de três lotes de terras – dois de 750 mil hectares e um de 1.050,00 hectares – concedendo os títulos à associações de trabalhadores rurais de assentamentos ainda não criados.
Denúncias várias
Segundo o promotor, parece fácil resolver o problema da grilagem. “Eu desafio alguém a provar a origem cesmarial de alguma daquelas terras”, provocou e disse mais: “A Constituição diz que aquelas áreas só poderiam ter dois fins: assentamentos de famílias e uso destinado a pesquisas”. Enquanto explicava os casos, Flávio tinha pressa porque teria de deslocar-se para o município de Baixa Grande do Ribeiro, de sua jurisdição, e tentar impedir a ação de um produtor estrangeiro que vem dando destinação incorreta a embalagens de agrotóxicos. Isso sem contar o fato de diariamente receber denúncias de trabalho escravo em toda a região. Voltando à pauta, devo confessar que nosso trabalho também triplicou. Ao penetrar em terras do primeiro projeto, Fazenda Canel, no município de Uruçuí, percorremos 15km por estradas aberta em meio a campos desertos e quando, enfim, pensávamos ter visto a reserva legal, nos deparamos com uma plantação de eucalipto. As famílias de trabalhadores rurais, que se encontram isoladas na localidade Curralinhos, denunciam que a empresa escolheu a área de reserva onde achou conveniente e o que, segundo eles, é imprópria para reserva do ponto de vista biológico, fato jamais questionado pelo Ibama.
“Só os beiços
dos taiadões”
Na Barra da Pindaíba, um vale onde começam as águas que alimentam a região, o cenário já mudou completamente. Toda a riqueza natural do ecossistema secou. “Aquele vale e toda a região da Estiva era um verdadeiro paraíso para os bichos que ali se alimentavam e se reuniam para beber.
Hoje, os riachos secaram e não aparece mais nem passarinho”, lamenta Jucivano Pereira da Silva, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Antônio Almeida , testemunha da morte de raposas, jacarés, cobras e pássaros. Ele acrescenta ter sido da mesma forma na área de 3.300 hectares de plantação de eucalipto, na Fazenda Graúna, nas proximidades do Rio Parnaíba, em Antônio Almeida. “Se no Ibama disserem que é mentira, tenho o maior prazer em mostrar como eles só deixaram os beiços dos taiadões” – encostas das serras, garante. Se já não bastasse o crime, Jucivano acusa os projeteiros, como são chamados na região os forasteiros, donos dos projetos, de jogarem veneno nos vales onde estão instaladas quatro comunidades. “Eu acho que é de propósito porque não tinha essa necessidade”, denuncia.
“A lenha é para a Bunge”,
diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Ém nome de um desenvolvimento que, simbolicamente, beneficia meia dúzia de produtores do agronegócio, esses homens avançam destruindo o cerrado com um único objetivo: atender a um endereço, o da multinacional Bunge, que se alimenta à custas da devastação do cerrado em grandes áreas do Sul do Piauí, entrando no Maranhão. Diariamente, a gigante processa, com isenção fiscal, 2.200 toneladas de grãos em caldeiras alimentadas pela mata do cerrado.
A transação é feita através da empresa Graúna que, por sua vez adquiria as árvores de grandes fazendas de soja e de pequenos proprietários. Há seis anos é assim, o que extinguiu a vegetação em um raio de pelos menos 100km da empresa. “A lenha para a Bunge está vindo de outros municípios distantes como Ribeiro Gonçalves, Baixa Grande do Ribeira e até das proximidades de Cristino Castro”, afirma João Carlos, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uruçuí.
TAC para a Bunge
Aliado ao desmatamento, a empresa desencadeia uma série de atividades danosas ao homem e ao meio ambiente, entre elas, o veneno e as condições de trabalho degradante.
Na tentativa de evitar abusos por parte da Bunge, em 2004, a Procuradoria Geral da República obrigou a Bunge a assinar um Termo de Conduta Judicial com inúmeras cláusulas, entre elas: não adquirir matéria prima de fazendas que tenham pendências na Justiça, relacionadas a trabalho escravo. Relatórios anuais do Ministério do Trabalho apontam diversas fazendas autuadas pela fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho-DRT, e que fornecem para a Bunge.
Elas estão instaladas nos municípios de Uruçuí, Ribeiro Gonçalves, Baixa Grande do Ribeiro, Antônio Almeida, Manoel Emídio e outros municípios do sul do Estado. Fazendas como a Canel, Cosmos, Ribeirão, Piaçava, Itália, Tangará da Serra, União, Rainha da Serra, Rancharia, Independência, Vista Verde, estão entre as que têm processos instaurados pelo Ministério do Trabalho.
“Essas fazendas só existem porque a Bunge existe, caso o contrário, para quem elas iriam vender”? Justifica Jurandi Paes Landim Rodrigues, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeiro Gonçalves.
Durante uma audiência pública e na tentativa de evitar abusos por parte da Bunge, em 2004, a Procuradoria Geral da República obrigou a multinacional a assinar um TAC – Termo de ajustamento de Conduta com inúmeras cláusulas, como por exemplo não adquirir matéria prima de fazendas que tenham pendências na Justiça, relacionadas a trabalho escravo. O Procurador Tranvanvan Feitosa (de terno) participou da audiência. Também participou da audiência a Curadora do Meio Ambiente do Piauí, na época, Carmem Almeida (a senhora loira, à direita). Mas o comprometimento da Bunge em respeitar o meio ambiente não foi colocado em prática. Os abusos continuam.
Ocupação dolorosa
O trabalhador rural Eliseu Xavier dos Reis está sem emprego porque foi contaminado por agrotóxico e denunciou a fazenda.
Quando do frenesi para instalação de projetos se soja, arroz, milho e algodão no cerrado piauiense no início dos anos 2000, muitas vidas humanas, vegetais e animais foram sacrificadas. O que mais choca são os relatos apurados pelo o Ministério do Trabalho que não teve sossego desde que empresários da soja, do carvão e da lenha se apossaram das terras públicas devolutas e promoveram uma destruição sem precedentes na nossa história.
O Procurador do Trabalho, João Luzardo Filho, afirma existir uma relação intrínseca entre trabalho escravo, desmatamento e plantação de monoculturas. Segundo ele, entre 2000 a 2005 o fato foi muito comum no Piauí. Hoje, com uma fiscalização sem tréguas, houve uma redução, mais denuúcias continuam ocorrendo. Em nossa passagem por Uruçui fomos abordados pelo trabalhador rural, Eliseu Xavier dos Reis que pediu para ser ouvido por nossa reportagem por acreditar que saindo no jornal possa conseguir emprego.
Há mais de um ano desempregado, seu Eliseu é perseguido pelos empregadores porque denunciou no Ministério do Trabalho a fazenda Santa Bárbara, que não lhe socorreu quando foi contaminado por agrotóxico. Eliseu trabalhava dirigindo o trator que joga o veneno nas monoculturas e foi parar no hospital envenenado, vomitando sangue e inchado. “Adoeci e fui demitido. Então, resolvi denunciar e agora não consigo mais emprego”, conta, revelando uma atitude comum entre os produtores da região, de não aceitar trabalhador que denuncie irregularidades. “Muita gente esconde os pés inchados e diz que tá bom somente pela sobrevivência. Nessa região, é muito difícil encontrar quem não esteja contaminado”, afirma.
Bunge ilude sobre sustentabilidade socioambiental
Enquanto as provas se evidenciam, a Bunge, em seu relatório de sustentabilidade de 2007, afirma que dentre os combustíveis relacionados no setor de alimentos, usa zero metro cúbicos de lenha. No setor de festilizantes, a lenha que admite usar é fornecida por terceiros, neste caso, com sua origem comprovada por autorização de desmatamento concedida pelo o Ibama. Na realidade, o cenário é outro, já que diariamente são descarregados no pátio da empresa cerca de 29 caminhões com árvores cortadas. Em relação à legalização da lenha pelo o Ibama, a ONG Fundação Águas denunciou ao Ministério Público possível tráfego de guias de autorização de desmatamento que a empresa vinha utilizando de área de até 800km de sua sede em Uruçuí, como por exemplo, do litoral do Piauí e até mesmo de área de assentamentos e da capital.
Enquanto as provas se evidenciam, a Bunge, em seu relatório de sustentabilidade de 2007,afirma que dentre os combustíveis relacionados no setor de alimentos, usa zero metro cúbicos de lenha. No setor de festilizantes, a lenha que admite usar é fornecida por terceiros, neste caso, com sua origem comprovada por autorização de desmatamento concedida pelo o Ibama. Na realidade, o cenário é outro, já que diariamente descarrega no pátio da empresa cerca de 29 caminhões com de árvores cortadas. Em relação à legalização da lenha pelo o Ibama, a ONG Fundação Águas denunciou ao Ministério Público possível tráfego de guias de autorização de desmatamento que a empresa vinha utilizando de área de até 800km de sua sede em Uruçuí, como por exemplo, do litoral do Piauí e até mesmo de área de assentamentos e da capital.
Segundo o presidente da Funáguas, Judson Barros, que anexou uma relação fornecida pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas-IPT, onde prova a existência de guias de autorização que poderiam estar acobertando lenha retirada de áreas não autorizada pelo Ibama, como área de reservas legais e de outras áreas protegidas, até hoje nada foi apurado pela Justiça. Já o fiscal do Ibama, Ivan Cruz, nega a existência do processo e afirma que a Bunge trabalha dentro da legalidade.
ISO ambiental denunciado e processo de certificação questionado
Voltando ao relatório de sustentabilidade, a Bunge exibe como trunfo a concessão do ISO 14.001 (ambiental). A Funaguas denunciou ao Inmetro as irregularidades apontadas e pediu abertura de processo de averiguação a certificação emitida pela DNT (Det Norske Veritas) pela incompatibilidade da certificação ambiental para uma empresa que recebe e processa grãos oriundos de unidades interiorizadas de secagem de soja que tem como matriz energética a lenha nativa.
Enquanto se tenta abrir os olhos de quem é capaz de barrar os desmandos promovidos pela Bunge, a empresa segue realizando campanhas de marketing, mostrando que investe em sustentabilidade ambiental. A exemplo do programa Planeta Sustentável, no qual prega respeito ao meio ambiente, entre os quais o florestamento. E o mais irônico é vê-la está entre os patrocinadores, ao lado de empresas como a Sadia, Banco Real, WWF, MMA, de eventos da área ambiental como o que vai acontecer de 28 a 30 em Florianópolis, o Eco Power, onde inúmeras autoridades mundiais vão se encontrar para discutir Energias Renováveis. O Procurador da República, autor da Ação Civil Pública que resultou na assinatura do Ajuste de Conduta, Tranvanvan Feitosa, disse que uma vez comprovado as irregularidades apontadas em relação a Bunge e as demais fazendas, as mesmas podem perder o direito de funcionar no cerrado piauiense. “Cabe ao poder público verificar se está havendo abusos”, disse.
Desvio de recursos da ANA na Secretaria de Meio Ambiente do Piauí
Ação (2007.40.00.004892-6) foi recebida pelo Juiz da 3ª Vara Federal de Teresina
e acusa desvio de recursos da ANA para promoção pessoal.
O secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí, Dalton Macambira, está sendo acusado pelo Ministério Público Federal de desviar recursos de convênio firmado entre a Agência Nacional de Águas e a sua secretaria para produção e impressão de material de publicidade destinado à sua promoção pessoal.
Acusação – Segundo o MPF, o Secretário causou prejuízo no montante de R$ 38.800,00 (trinta e oito mil e oitocentos reais), pagos à empresa Click Assessoria Editora Comunicação e Publicidade LTDA, pela impressão de mil exemplares de uma revista, na qual estão impressas notas e reportagens já publicadas em jornais locais, o que em linguagem jornalística é denominado clipping. Nas páginas da revista aparecem reproduzidas matérias jornalísticas relativas a homenagens que o Secretário recebeu pelo 2º Batalhão de Engenharia e Construção e pela Assembléia Legislativa do Piauí, assim como a sua imagem fotográfica em cerca de 30 páginas. Em maio de 2006 a SEMAR havia solicitado à ANA autorização para realizar concorrência para contratação de empresa para a publicação/impressão de um livro sob o título “Recursos Hídricos e Meio Ambiente no Piauí”. Segundo a ANA, o objetivo da SEMAR era divulgar as ações desenvolvidas pelo Órgão, com ênfase à gestão de recursos hídricos que foram financiadas com recursos do PROÁGUA/Semi-Arido, dando visibilidade aos projetos, estudos e relatórios elaborados no âmbito da gestão estadual daquele programa. Segundo Wellington Bonfim, uma vez autorizado o recurso pela ANA, houve desvio de finalidade na sua utilização para promover a imagem pessoal do Secretário.
A ação
A ação (2007. 40.00.00 4892-6) foi recebida pelo Juiz da 3ª Vara Federal de Teresina, Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, que determinou a citação do Secretário para que este apresente contestação, embora os recursos usados para a impressão/publicação da revista tenham sido devolvidos à ANA pelo governo do estado do Piauí, depois de o Secretário ser acionado judicialmente pelo MPF. Na decisão de recebimento da ação, o juiz destaca a abundância de fotos do secretário e de referências ao seu nome na publicação, bem como parecer da ANA segundo o qual houve realização de despesa em desacordo com o Convênio, que veda, expressamente, “pagamentos de despesas com publicidade, salvo de caráter educativo, informativo ou de orientação social, das quais não constem nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.