Caixa-preta da ocupação da Amazônia
22 de novembro de 2007John Adrian Cowell: dos porões de Londres para o Instituto de Pré-História de Antropologia em Goiás
Foto: Luiz Abreu
Ulisses Nenê, do Nucleo
de Ecojornalistas do
Rio Grande do Sul,
e Adrian Cowell, conferencista da
abertura do II Congresso de Jornalismo Ambiental.
Recentemente, Cowell doou seu acervo completo para a Universidade Católica de Goiás: são 3 mil latas de filmes 16 mm (material bruto, negativos de imagem, negativos de som, fitas de 1/4, copiões sincronizados, matrizes, e diversas versões e cópias de filmes já editados), além de documentos e diários de campo. “O trabalho de uma vida”, diz.
O material está guardado no porão de sua casa, em Londres, e desembarca no Brasil até o final do ano. Os registros iniciam-se em 1957 – quando ele desceu de barco o rio Xingu pela primeira vez e foi fisgado para sempre – e prosseguem até hoje. A doação é um reconhecimento ao apoio que recebe da instituição goiana desde a década de 80. Trata-se do maior acervo de filmes existente sobre a Amazônia brasileira, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Goiano de Pré-História de Antropologia (IGPA).
O material histórico é de valor inestimável, contendo, em sua maior parte, registros inéditos e pioneiros sobre as questões ambientais e o processo de ocupação da região amazônica nos últimos 50 anos. “Os documentários contribuem para o debate político e cultural que envolve a Amazônia, e o acesso a estas imagens, que constituem a memória dos povos da floresta, pode promover novas e férteis discussões no sentido de compatibilizar o desenvolvimento socioambiental e o uso sustentável dos recursos naturais”, destaca o cinegrafista Vicente Rios, ligado à Universidade Católica de Goiás e parceiro de trabalho de Cowell há 27 anos. Juntos, os dois possuem pelo menos 18 filmes, além dois seis que compõem A Década da Destruição.
Triste década
Nascido na China, mas inglês de coração, Cowell é conhecido especialmente por produzir e dirigir o documentário A Década da Destruição, realizado na Amazônia entre 1980 e 1990 e exibido em mais de 70 países. Entre os filmes que virão para o Brasil estão, por exemplo, Bancando o Desastre (1986), que registra a briga dos ambientalistas contra o Banco Mundial por financiar o Projeto Polonoroeste, em Rondônia, que deixou 60?% da terra desmatada abandonada em apenas seis anos.
Os projetos mais recentes incluem Uma Dádiva para a Floresta (2000), que aborda os 20 anos do Projeto Carajás e como os créditos de carbono ligados ao Protocolo de Kyoto poderiam ajudar as fábricas de ferro gusa a replantar as áreas desmatadas. E ainda The Jungle Beat (2005), inédito em português, que narra a luta de Walmir de Jezus, gerente do IBAMA em Ji-Paraná, contra madeireiros e fazendeiros.
“Xodó” de Cowell
Algumas cenas, no entanto, são o “xodó” de Cowell. Como as últimas imagens e a entrevista do líder seringueiro Chico Mendes, acompanhado da mulher e do filho, comemorando a criação da primeira Unidade de Conservação na modalidade extrativista no Acre. Cowell também destaca as cenas de bastidores de algumas expedições dos irmãos ViIlas Bôas, como a que proporcionou os primeiros contatos com os chamados “índios gigantes” (Kreen Akorore), transformada na película A Tribo que se Esconde do Homem, de 1973. A disponibilização deste patrimônio documental dará acesso ao principal registro histórico sobre a região amazônica a professores, pesquisadores e produtores. Isso vai viabilizar a realização de outras ações educativas futuras, destaca Vicente Rios, que ficará na capital inglesa até o final do ano para embalar e pré-catalogar o acervo. A transferência dos filmes só foi possível com o apoio da Casa de Oswaldo Cruz, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz, da Petrobras, do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama. O projeto – batizado de História da Amazônia – 50 anos de Memória Audiovisual – está orçado em R$ 668 mil.
Abrindo a lata
“Vamos abrir lata por lata”, diz Luiza Moraes Cardoso, da Fundação Oswaldo Cruz. Ela admite que ninguém possui noção do tamanho e da quantidade de informações que essas fitas contêm. É uma caixa-preta. A equipe tem dois meses para terminar a primeira fase, de pré-inventário, que será comemorada com três mostras de filmes já editados – nas cidades de Goiânia, Rio de Janeiro e Brasília.
Estima-se, no entanto, que leve cinco anos para o trabalho ser finalizado. E outros tantos para digerir as lições que o passado trará para que lidemos melhor – quem sabe – com os tempos sombrios de aquecimento global.
Fotos: Acervo Cowell
Equipe da Funai em passeio na Amazônia. Em destaque, o indianista Orlando Villas-Bôas
O cinegrafista Vicente Rios em filmagem na Amazônia
Adrian Cowell, Vicente Rios e equipe filmam na Amazônia