Em busca da sustentabilidade

Holanda: equilíbrio ambiental frágil

16 de dezembro de 2007

A Holanda descobriu que ao contrário de lutar contra a natureza, como fez no passado, é hora de respeitá-la. Resta saber se não é tarde demais.

Do lixo, os holandeses tiram energia para movimentar trens, metrô e a iluminação de Amsterdam

 

 

A Holanda é um território com características ambientais muito delicadas. Combina uma alta densidade demográfica – 485 pessoas por km2 – com forte industrialização, o que resulta numa pressão histórica pelo uso da terra.
Sua vocação para o comércio marítimo, principal fonte de riqueza da nação, sobretudo no século XVII, se traduz hoje em um dos portos mais movimentados do mundo, o de Rotterdam, mas também numa economia que demanda intensa energia e faz o país produzir um índice elevado de emissão de gases causadores do efeito estufa (208 bilhões de toneladas de Co2 em 2006). 
Os setores mais fortes são transporte, química, energia, refino de petróleo, gás natural, produção de alimentos e intenso agronegócio. Não à toa, estão entre os historicamente mais poluentes, o que, aliado à idéia vigente até poucos anos de que os recursos naturais eram infinitos, deixou um rastro de problemas ambientais no país, como contaminação de solos, excesso de produção de resíduos e poluição das águas.
Para se ter uma idéia, a Holanda tem hoje 400 mil áreas de terras potencialmente contaminadas, muitas delas com metais pesados.

Abaixo do nível do mar
Para completar, o país está localizado no delta de três dos principais rios do Noroeste da Europa (Reno, Waal e Mosa) e mais da metade de sua população (70%) vive abaixo do nível do mar.
O litoral é mantido por um sistema gigantesco de drenagem que utiliza moinhos, diques e canais, mas os riscos de inundações são enormes, o que deixa o país entre os mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Dessa forma, cuidar dos recursos naturais virou uma obsessão no País.
A preocupação começou nos anos 80 e ganhou força mais recentemente com o aumento da rigidez das regras ambientais pela União Européia e o agravamento do aquecimento global. “Os problemas ambientais se globalizaram e não há mais tempo a perder”, afirma a ministra do Meio Ambiente e Planejamento Espacial, Jacqueline Cramer.
O governo da Holanda instituiu uma série de políticas públicas e legislações e avançou nesta área, tornando o país uma referência em pelo menos três áreas, todas elas de interesse do Brasil: manejo de recursos hídricos, remediação de solos e reciclagem de resíduos sólidos. “Erramos muito, mas também aprendemos muito nos últimos anos. A lição que queremos levar aos países em desenvolvimento é a seguinte: prevenir, prevenir, prevenir”, afirma Henk Rieff, o coordenador Internacional de Troca de Experiências e Tecnologias do Ministério de Meio Ambiente e Planejamento Espacial.

Resíduos
Uma das áreas com maior avanço foi a de processamento de resíduos. Além de uma legislação bem restritiva, o governo elevou os impostos para tornar a reciclagem mais atrativa do que o depósito do lixo em aterros, especialmente para o setor industrial. O custo de não reciclar resíduos combustíveis subiu de 27 euros/tonelada, em 1990, para 128 euros em 2002.  Hoje está estabilizado em 85 euros. O número de aterros caiu de mais de mil, em 1976, para 38 em 2000, e a partir de janeiro de 2008 não poderão mais ser construídos de acordo com a legislação da União Européia. A política pública é baseada nos seguintes eixos: prevenir, reutilizar, reciclar, incinerar e, em último caso, depositar em aterros.
Hoje, 68% do lixo do país são reciclados, com apenas 9% indo para aterros e 2% depositados direto no meio ambiente. O restante é incinerado e vira energia. Para a Afval Energie Bedrijf (AEB), a companhia pública de resíduos e energia de Amsterdam, há muito tempo que o lixo deixou de ser um problema. “É uma matéria-prima valiosíssima”, diz Wil Sierhuis, gerente de estratégia e inovação da empresa, que incinera 1,5 milhões de toneladas de lixo domestico a cada ano. A nova planta, chamada Waste Fired Power Plant (WFPP) é uma das mais modernas do mundo, com eficiência de 22% (a média européia é de 10%), quatro linhas de incineração e funcionamento de 24 horas.
A energia gerada pela queima do lixo abastece atualmente todos os trams (ônibus elétricos) e linhas de metrô de Amsterdam, bem como o Centro Cívico e 160 mil famílias. “Não usamos combustíveis fósseis, como óleo ou gás, que emitem dióxido de carbono. Geramos energia do lixo comum que as pessoas descartam em casa”, acrescenta Sierhuis. Ele acrescenta que 25% do que é coletado não pode ser incinerado, mas segue para companhias de reciclagem e apenas 1,3% não pode ser reutilizado de nenhuma forma.

Recursos Hídricos
A luta contra a água perpassa a história da Holanda como um fio condutor. Além do alto percentual da população que vive abaixo do nível do mar, grandes extensões do território foram conquistadas em zonas onde, antigamente, só existia mar. Ao longo dos anos, foram realizadas diversas obras hidráulicas para dominar a gestão hídrica, como o projeto Delta, após as grandes inundações de 1953, quando 1.800 pessoas morreram. Em 1993 e 1995 a Holanda sofreu novamente com inundações e 250 mil pessoas tiveram de abandonar suas casas em uma semana. Foi o sinal de alerta para o governo, que precisou rever suas estratégias e encarar um plano urgente de adaptação às mudanças climáticas. Qualquer mudança na temperatura, com conseqüente elevação do nível do mar e aumento do fluxo dos rios, irá influenciar o modo de vida de toda

 

 

Na Holanda, 68% do lixo do país são reciclados, com apenas 9% indo para aterros e 2% depositados direto no meio ambiente. O restante é incinerado e vira energia.

 

Holanda quer ser “à prova de clima”
Ministra Jacqueline Cramer: a tarefa é complexa e as soluções são drásticas

A Holanda quer reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa em 30% (comparado com os níveis de 1999) em 2020 e elevar a fatia de energia renovável dos níveis atuais (entre 2% e 3%) para 20% no período.  As metas fazem parte do programa “Clean and Efficient: New energy for climate policy”, lançado em setembro passado pelo governo. “Sei que é um plano ambicioso, mas trabalho com a premissa de que atingiremos os objetivos. Todos os setores da sociedade estão prontos para contribuir e compatibilizar crescimento econômico com sustentabilidade”, afirma a ministra do Meio Ambiente e Planejamento Espacial, Jacqueline Cramer.

O plano envolve diversos ministérios, como Relações Exteriores, Agricultura e Finanças, e irá injetar mais 140 milhões de euros – podendo chegar a 500 milhões – em um orçamento que já possui 1,3 bilhões de euros. De acordo com o Protocolo de Kioto, a Holanda precisa reduzir em 6% suas emissões. Em 2006, o volume de gases atingiu 208 bilhões de quilos de Co2, 3% abaixo do nível de 1990.
“Tornar o país seguro e adaptado às mudanças climáticas é nosso objetivo neste século, mas isso vai exigir um redirecionamento das políticas públicas e programas. A tarefa é complexa e as soluções, freqüentemente, são drásticas”, diz a ministra.
Um segundo plano, oficializado em novembro, traz as metas de adaptação ás mudanças climáticas. Segundo a ministra, a mitigação é importante, mas adaptação será fundamental para o país no médio e curto prazos. O governo está adotando, por exemplo, uma série de critérios para novos investimentos, especialmente em áreas vulneráveis. Onde há planos para expansão urbana, os projetos já irão incluir prédios anti-inundações e tetos ecológicos, bem como casas flutuantes. A estratégia envolve, ainda, a identificação de áreas que serão reservadas para dar passagem à água dos rios. “Se construirmos ou investirmos nesses locais agora, ficará mais difícil e caro disponibilizarmos esses espaços depois, especialmente em áreas urbanas em expansão”, explica.
Uma outra linha de trabalho é o desenvolvimento de projetos-piloto multidisciplinares. A idéia é mostrar o valor do planejamento espacial para reduzir os efeitos das mudanças climáticas. Estes projetos irão ajudar a aumentar a consciência da população sobre o tema e o apoio aos investimentos nessa área.
Serão aplicados, por exemplo, 50 milhões de euros para o programa Knowledge for Climate, que tem como meta tornar oito áreas vulneráveis mais seguras. Este programa também inclui melhorias sustentáveis no aeroporto de  Schiphol, em Amsterdam, e no Porto de Rotterdam.

“Tornar o adaptado às mudanças climáticas
 é nosso objetivo. Isso vai exigir um
redirecionamento das políticas públicas e programas.
A tarefa é complexa e as soluções são drásticas”.
Jacqueline Cramer, Ministra do Meio Ambiente e Planejamento Espacial

 

 

 

 

Amsterdam já tem sua iluminação garantida pelo gerenciamento do lixo. O governo da Holanda quer mostrar o valor do planejamento espacial para reduzir os efeitos das mudanças climáticas.

 

 

A Holanda descobriu que, ao contrário de lutar contra a natureza, como fez no passado, está na hora de respeitá-la. Resta saber se não é tarde demais.

a população que vive nas áreas costeiras.
A Holanda também deverá sofrer com precipitações extras, especialmente no inverno, e com a salinização.
Até agora, a maneira tradicional de lidar com a água era elevar o tamanho dos diques, mas os técnicos do setor já sabem que essa alternativa não funcionará em longo prazo.

Espaço para água
Por isso, foi realizada uma mudança estrutural na forma como governo holandês faz o gerenciamento hídrico. Mais espaço para a água, ao contrário de bloqueá-la, é principal prioridade. “Se a gente não reservar um espaço extra para a água agora, ela vai tomar o seu lugar de qualquer forma, e à força, no futuro”, diz a ministra.
O governo batizou seu novo programa, criado em 2000, de “Room for the River”. A proposta não é um consenso entre a população, principalmente entre os que vivem em áreas potencialmente alagáveis, já que os diques não serão elevados e sim alargados, tomando parte, em alguns casos, de áreas privadas.

Natureza livre
Outros canais paralelos serão construídos. Um dos objetivos é que em 2015 o rio Reno possa desaguar de forma segura com 16 mil metros cúbicos por segundo, além de melhorar a qualidade da água na bacia.
A Holanda descobriu que, ao contrário de lutar contra a natureza, como fez no passado, está na hora de respeitá-la. Resta saber se não é tarde demais.