Febre amarela e meio ambiente

28 de fevereiro de 2008

A origem da doença, as pesquisas, a vacina e a vigilância

E como a febre amarela chegou ao Rio de Janeiro? Relatos de época relacionaram a eclosão da epidemia, que irrompeu em meados do século 19, à chegada de um navio negreiro procedente de Nova Orleans, Estados Unidos, tendo feito escalas em Havana, Cuba e Salvador, Bahia, antes de atracar no Rio dia 3 de dezembro de 1849. Em fevereiro de 1850, a febre amarela tomou conta da cidade.  Segundo estimativas da época, atingiu 90.658 dos 266 mil habitantes do Rio de Janeiro, causando 4.160 mortes, de acordo com os dados oficiais. Ou até 15 mil vítimas, segundo a contabilidade oficiosa As epidemias de febre amarela aconteciam com regularidade na longa temporada de calor e chuvas que começava em novembro e terminava em março ou abril.
Os higienistas iniciaram, então, um programa de ações destinadas a reformar tanto a paisagem natural da cidade como práticas, hábitos e o comportamento de seus moradores.
Os debates sobre a urgência de sanear o Rio de Janeiro aumentaram entre duas epidemias de febre amarela muito violentas, as de 1873 e 1876, que causaram, respectivamente, 3.659 e 3.476 óbitos numa população estimada em cerca de 270 mil habitantes. Foi elaborado, então, o primeiro plano urbanístico para o Rio de Janeiro.
O saneamento do solo e a drenagem do subsolo da capital do Império foram, assim, as medidas consideradas mais urgentes. Mas as controvérsias sobre a etiologia e profilaxia da febre amarela apenas tiveram fim a partir de um deslocamento radical na abordagem da doença que levou a nova geração de bacteriologistas para o âmbito da saúde pública, sob a liderança de Oswaldo Cruz.


A transmissão
As narrativas sobre a derrota da febre amarela pela medicina “científica” privilegiam ora os Estados Unidos ora Cuba, conforme o valor atribuído a dois episódios: a formulação da hipótese da transmissão pelo mosquito, pelo cubano Carlos Juan Finlay, em 1880-81, ou sua demonstração pela equipe chefiada pelo norte-americano Walter Reed, em 1900.Quando outros dois pesquisadores, Ronald Ross e Giovanni Battista Grassi, demonstraram, em 1897/78, que um mosquito era o hospedeiro intermediário do parasito da malária, tornou-se inevitável a suposição de que cumprisse idêntico papel na febre amarela. O diagnóstico clínico confundia-se com as duas doenças. A transmissão “exclusiva” pelo Aedes aegypti fora o divisor de águas entre as épocas de Domingos Freire e Oswaldo Cruz, que se converteu no mito da ciência brasileira em grande parte graças ao “experimento” bem-sucedido que conduziu no Rio de Janeiro para provar a validade da teoria de Finlay.


Multiplicação do vírus
Os testes de imunidade feitos em diversas regiões do país confirmaram as evidências de que a doença constituía problema mais complexo do que se imaginava. Massas humanas deslocadas pelas migrações internas estavam transportando o vírus para o litoral e multiplicando a infecção de pessoas não imunes nas grandes cidades, o que fatalmente redundaria na recriação de quadro epidêmico tão grave quanto o do século 19.
A Revolução de 1930 alterou as bases institucionais da campanha, que passou a ser direcionada contra as duas modalidades de febre amarela, a urbana e a silvestre. Só em 1937surgiria a vacina, que se usa até hoje, a partir do vírus 17D.


Relaxando o combate
Em 2 de outubro de 1958, a 15ª Conferência Sanitária Pan-Americana, realizada em Porto Rico, aprovou resolução declarando livres do Aedes aegypti não apenas o Brasil, mas também Belize, Bolívia, Equador, Guiana Francesa, Peru, Uruguai e outros países Sul-americanos. Nos anos seguintes foi drasticamente reduzido o pessoal engajado na campanha contra a febre amarela. O eficiente sistema estruturado pela Fundação Rockefeller e mantido pelo Serviço Nacional de Febre Amarela foi, aos poucos, se desfazendo. Relaxou o combate ao mosquito. E em 1967, o Aedes aegypti ressurgiu no Pará. No ano seguinte, foi reencontrado também no Maranhão; em 1976, na Bahia. O País estava desaparelhado para enfrentar o problema, e o mosquito foi reconquistando seu território primitivo: chegou às cidades do Rio de Janeiro e Natal em 1977. A Santos em 1980.  Em 1986, estaria presente em 226 municípios como protagonista de um “novo” tipo de epidemia urbana, a dengue.


Tire suas dúvidas…


1- Pode haver problema se a pessoa receber a vacina e logo depois ingerir álcool?
Não. Não há problema de associação de álcool com a vacina.


2 – Quem recebe a vacina pode tomar qualquer tipo de medicamento depois. E se tomar remédio controlado? Tem alguma restrição. E os remédios que contem ácido acetilsalicílico, tipo as aspirinas?
Não há nenhum problema de interação medicamentosa entre a vacina e outros medicamentos, qualquer que seja ele.


3 – É preciso evitar movimentos bruscos com o braço depois da vacinação?
Não deve haver nenhuma preocupação com movimentação brusca após a vacinação.


4 – Uma pessoa sabe que há oito anos ela recebeu algumas vacinas, mas não lembra se entre elas está a de febre amarela. Ela pode se vacinar novamente?
Na dúvida, a recomendação é para se vacinar.


5- Que tipo de reação a vacina pode provocar? Dor de cabeça, mal estar, ou outras?
Pode haver reações no local da injeção, com febre e mal estar. Mas esses efeitos são raros.


6 – A partir de quantos meses um bebê pode se vacinar?
O bebê pode ser vacinado a partir dos seis meses de idade se residir em uma área em que há morte de macacos com suspeita de febre amarela e na área em que há casos de febre amarela silvestre. Mas fora dessas situações, o calendário de vacinações indicado é a partir dos nove meses de idade.


7- A doença se chama febre amarela por que quem a contrai fica com icterícia?
A icterícia é uma coloração amarelada que aparece na pele e nos olhos.  Mas temos que lembrar que existem formas muito leves da doença que não chegam a formar a icterícia. Já a febre sim, essa acontece em todas as situações.


8 – A vacina não pode ser tomada por pessoas com baixa imunidade?
A vacina não é recomendável para pessoas  com baixa imunidade. Para quem esteve doente, depende de avaliação médica.


9 – E como avaliar quem tem ou não baixa imunidade? O que acontece se uma pessoa com baixa imunidade tomar a vacina?
Imunidade é quando a pessoa cuja defesa do organismo está em baixa. Mas, geralmente, as pessoas têm diagnóstico por parte dos médicos que a acompanham. São aquelas pessoas que estão em tratamento de câncer, por exemplo, que estão tomando drogas imunosupressoras, como corticóides com dosagens elevadas, algumas situações de portadores de HIV em que estejam com imunosupressão.


10 – Gestante pode receber a vacina?
Não, há contra indicação para a vacinação em gestante.        


11 – Quem está tentando engravidar pode tomar a vacina?
Não sendo indicada a vacina para gestantes, quem está tentando engravidar já pode estar grávida e, assim, não deve receber a vacina nesse período.


12 – Existe alguma relação entre o retorno da febre amarela com o aquecimento global? O aumento de temperatura e uma maior freqüência de chuvas não podem acelerar o processo de reprodução do mosquito e provocar epizootias?
Nesse momento, não se pode culpar o aquecimento global pelo que está acontecendo no Brasil.  Mas,  quando há aumento de temperatura, aumenta consequentemente a quantidade de chuvas e isso tem influência no aumento da população dos mosquitos, que são os vetores da doença.


13 – Existe algum cuidado específico que uma pessoa imunizada há menos de 10 dias precisa tomar para não se contaminar?
Deve evitar áreas de risco nos período anterior aos 10 dias. A vacina assegura 100% de imunização após o décimo dia de aplicação. E essa proteção dura 10 anos. 


14 – Retornando de um município em estado de alerta, a pessoa deve ficar atenta a quais sintomas?
Se ela não está vacinada é preciso verificar se aparece febre, dor de cabeça, dor no corpo, dor abdominal. Nessa situação, procurar um serviço de saúde.


15 – Em quanto tempo fica pronto o resultado de um exame para a identificação do vírus no sangue?
Esse exame é muito específico e complexo, leva no mínimo 15 dias por conta da técnica que é usada para o isolamento do vírus. Mas tem um outro exame que é a sorologia, e esse é rápido, ficando pronto em 48 horas.


16 – A doença passa de pessoa para pessoa?
Não. Não existe transmissão de pessoa a pessoa. A doença é sempre transmitida pelo mosquito contaminado.  


17 – Faltando dois meses para vencer a vacina, a pessoa deve tomá-la novamente? A imunização é 100% garantida no período de 10 anos ou a eficácia da vacina diminui na medida em que o tempo vai passando?
A vacina tem cobertura total de 10 anos. Mas não há problema em repetir a vacina caso faltem poucos meses para vencer os 10 anos.


18 – Existe a necessidade de algum jejum (de comida ou mesmo bebida alcoólica) para tomar a vacina?
Não há qualquer recomendação nesse sentido.


19 – A vacina provoca reações adversas?
Qualquer medicamento pode provocar reações adversas. A vacina pode provocar dor de cabeça, febre e mal estar em algumas pessoas.


20 – Se a pessoa perdeu o cartão de vacinação, ela pode ir ao posto se vacinar?
Sim.


21 –  Os hospitais também estão vacinando?
Depende da organização dos serviços em cada município e em cada cidade. Em alguns hospitais há salas de vacinas. Mas geralmente as salas de vacinas estão nas unidades básicas de saúde da família.    


22 – Há algum tipo de doença (hipertensão, diabetes, ou outra) que restringe a vacinação?
Nessas condições citadas não existem contra-indicações para a vacinação.


23 – Além do Aedes aegypti, outro mosquito transmite a febre amarela? Ele também se reproduz da mesma forma que o da dengue, ou seja, em água parada? Como podemos prevenir a reprodução do mosquito?
O Aedes aegypti é o transmissor da febre amarela nas cidades. Mas a febre amarela que temos hoje no Brasil é a de transmissão silvestre, transmitidas pelos vetores silvestres chamados haemagogus e sabethes. Prevenir esse mosquito é impossível porque faz parte da natureza e são seres silvestres. A reprodução desses mosquitos está mais ligada ao ambiente silvestre.


24 – Qual é a chance, em porcentagem, de uma pessoa contaminada morrer?
A chance é muito elevada se a gente considerar as formas graves da doença, que pode chegar até 100%. Mas se a gente considerar que a febre amarela tem várias formas de apresentação clínica, esse índice se reduz a uns 10%. Nos últimos 10 anos, a letalidade foi de 46%.


25 – O que devem fazer as pessoas que não podem se vacinar (grávidas, alérgicas a ovo etc)?
Procurar orientação médica. Em caso de não ter como evitar  a permanência em áreas silvestres, a pessoa deve reforçar o uso de repelentes.


26 – Pessoas que farão viagens internacionais e não tomaram vacina antecipadamente podem ser impedidas de viajar por não estar em dia com a vacina?
Sim. Se o país para o qual ele se dirige exige a vacinação. Nem todos exigem essa vacinação. A publicação é feita anualmente na pagina da OMS e também na Anvisa. Nem todos os países exigem, mas se você não está com a vacina em dia, você corre o risco de voltar sim.


Proliferação do mosquito
O crescimento populacional do Brasil, o fluxo de deslocamento humano, a falta de planejamento para a expansão das cidades, a falta de saneamento e o crescimento da indústria dos descartáveis são fatores que contribuem para a proliferação do mosquito transmissor tanto da dengue como da febre amarela. Um novo elemento, ainda não confirmado, é o aquecimento global.
Erradicar o mosquito, como foi feito no século passado, hoje é impossível em virtude das dimensões populacionais do Brasil e do novo padrão de consumo. No entanto, mantê-lo confinado às áreas silvestres de baixa ocupação é possível.  Para isto é preciso planejamento, vacinação e vigilância. 
Nos últimos 10 anos, o Ministério da Saúde registrou 349 casos de febre amarela em todo o Brasil, com 161 óbitos.
O estado com maior número de casos no período é o de Minas Gerais, 98; seguido pelo Pará, 69; Goiás, 66; Amazonas, 40; Tocantins, 22; e Mato Grosso, 21. Até o dia 17 de fevereiro de 2008, foram confirmados 30 casos e 15 óbitos por febre amarela no Brasil. O estado de Goiás lidera o número de notificações, com 19 casos e 12 óbitos.