Águas Minerais

Águas que curam

24 de abril de 2008

Como proteger o patrimônio brasileiro das águas minerais

Sidney Cabizuca, presidente do Movimento Viva São Lourenço, Mário Dantas, presidente do Comitê Bacia do rio Verde, e Luiza de Marillac Moreira, do IGAM


 


 


O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Verde foi o primeiro dos 31 já criados em Minas Gerais. Nasceu em 1985, em São Lourenço, sob a liderança do agrônomo e ambientalista Sérgio Mário Regina, já preocupado em proteger a quantidade e a qualidade da água do rio. O Verde nasce a 2600 metros de altitude, na divisa dos municípios de Itanhandu e Passa Quatro, e desce por 220 quilômetros da serra da Mantiqueira. A região é conhecida como a maior província hidromineral do Brasil, concentrando inúmeras fontes de águas carbo-gasosas, com propriedades comprovadamente medicinais, em Cambuquira, Caxambu, Lambari, São Lourenço, Águas de Contendas e Baependi.
Mais de 20 anos depois de criado, o comitê realizou o primeiro fórum, dentro das comemorações da Semana da Água, preocupado em definir ações e objetivos que garantam a sustentabilidade da região, tendo novamente as águas minerais como foco. “Precisamos enfatizar a responsabilidade de todos e refletir sobre o desenvolvimento que queremos”, disse o presidente do Comitê, Mário Dantas.
Nos três dias de encontro, o quadro apresentado foi de uma região que cresce desordenadamente, desmatando topos de morros, encostas e mata ciliar. O resultado é, segundo o agrônomo Ricardo Galeno, do Instituto Estadual de Florestas, um conjunto de municípios com menos de 20% de cobertura vegetal nativa, com exceção de Alagoa, Baependi e Itamonte. A conseqüência disso aparece principalmente no período das chuvas, com enchentes e inundações que provocam prejuízos incalculáveis às populações e administrações das cidades que cresceram na calha do rio.
Para administrar o problema causado pelas enchentes, as prefeituras de São Lourenço, Passa Quatro. Itamonte, Itanhandu, São Sebastião do Rio Verde, Pouso Alto, Três Corações e Soledade de Minas estão investindo, com o apoio do Instituto Mineiro de Gestão das Águas, num projeto para instalação de um sistema de alerta e monitoramento de enchentes. Segundo o meteorologista do instituto, Arthur Chaves, o projeto inclui a instalação de equipamentos para acompanhar a vazão do rio, a medição pluviométrica e de comunicação com os órgãos de Defesa Civil dos municípios.


A região cresce desordenadamente, desmatando topos de morros, encostas e mata ciliar. Segundo o IEF-MG, quase todos os municípios têm menos de 20% de cobertura vegetal nativa, com exceção de Alagoa, Baependi e Itamonte.


No início do ano 2000, esses e outros municípios da região ficaram dias ilhados em conseqüência de um forte temporal. De acordo com o técnico da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Tales Augusto de Noronha Mota, a vazão do rio Verde, que normalmente é de 8 mil litros por segundo, passou para 600 mil litros por segundo. Embora de menor porte que a do ano 2000, as sucessivas inundações que afetam a região são uma das maiores preocupações de moradores, comerciantes e administradores. Em meados de 2007, o governador do estado, Aécio Neves, aprovou a liberação de R$ 310 milhões para a construção de três barramentos – reservatórios com capacidade de armazenar mais de 340 bilhões de litros de água – nos rios Sapucaí, Lourenço Velho e Vargem Grande. Ao contrário das barragens, nos barramentos, os reservatórios ficarão vazios a maior parte do tempo e, durante os períodos de chuvas intensas, a água ficará acumulada nesses piscinões por no máximo 15 dias. O projeto, porém, não agrada os ambientalistas que alegam danos irremediáveis para a fauna e flora durante o período de represamento.
Já em parceria com organizações não governamentais e proprietários rurais, o Instituto Estadual de Florestas está conseguindo, graças à doação de R$ 50 milhões do Governo Alemão, proteger remanescentes e recuperar áreas degradadas da Mata Atlântica. Paralelamente, o comitê prioriza a elaboração do Plano Diretor para definir instrumentos de gestão, fazer o inventário hídrico do rio Verde, cadastrar os usuários e finalmente criar a agência da bacia que controlará os recursos resultantes da cobrança pelo uso da água da bacia.


 



Para Nélida Fontana, médica termalista, antigamente os banhos eram um referencial
para tratamentos. Para gregos e romanos a água tinha virtudes purificadoras


Tirando as cartas da mesa
É preciso valorizar a água mineral não só como bem econômico, mas também como bem ecológico, sociocultural e medicinal


Foi preciso mais de meio século para cair a ficha. Desde que o presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu o jogo, na década de 40 do século passado, as cidades do Circuito das Águas passaram a viver de memória e a sonhar com a reabertura dos cassinos como única salvação para a economia local. Finalmente, o foco mudou.
Durante o Fórum do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Verde, os movimentos em prol da revitalização da região apontaram para outra direção, cujo caminho é muito, muito antigo: o termalismo e a crenoterapia. O desenvolvimento que todos desejam depende, agora, de recuperar a tradição das antigas estações de águas para retomar a cultura dos tratamentos medicinais.
A descoberta das primeiras fontes ocorreu no século 18. Mas nos anos 40, as cidades do Circuito viveram seu momento de glória, com o  parque hoteleiro funcionando também com cassinos. “Naquela época, a crenologia  – estudo das águas minerais – fazia parte do curriculum das faculdades de medicina”, diz Sidney Cabizuca, médico e vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Verde. “Havia médicos especializados nessa cadeira, mas, no pós-guerra, a cultura do termalismo sofreu com a influência da indústria farmacêutica e praticamente acabou”, lamenta.
As estações de água duravam 21 dias e os turistas recebiam orientação médica sobre o tipo e a quantidade de água que deveriam tomar durante aquele período. De acordo com a médica termalista, homeopata e antroposófica, Nélida Amélia Fontana, a fixação dos 21 dias vem desde a antiguidade. “Antigamente os banhos eram um referencial para tratamentos”, explica a médica. Para gregos e romanos, a água tinha virtudes purificadoras. Durante o Império Romano – lembra Nélida – as termas eram públicas e gratuitas.
Mas, na Idade Média,  época da inquisição, a Igreja considerou que as termas eram locais de promiscuidade “e a água foco de contaminação”, conta a médica. “A conseqüência foram séculos de sujeira”.



Ainda se discute se a água mineral é um recurso hídrico ou um recurso mineral. A definição pode determinar, entre outras coisas, a forma de exploração do produto.



Para resgatar a terapia pelas águas e a identidade do circuito das águas ficou claro, durante o fórum, que é preciso aprofundar o conhecimento sobre o assunto. Ainda se discute, por exemplo, se a água mineral é um recurso hídrico ou um recurso mineral.
A definição pode determinar, entre outras coisas, a forma de exploração do produto.
Hoje, de acordo com o diretor da Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam), Ricardo  Signorelli, mais de 400 indústrias engarrafam e comercializam águas minerais. Na opinião do promotor de Justiça de Caxambu e curador de Meio Ambiente, Bergson Cardoso Guimarães, “é preciso valorizar a água mineral não só como bem econômico, mas também como bem ecológico e sociocultural”.
O arquiteto Ari Costa sugeriu a construção de um Ecomuseu, em São Lourenço, para abrigar espécies nativas da região, que integra a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. O Ecomuseu funcionaria também como espaço cultural e, principalmente, como um centro de referência para estudos e pesquisas sobre águas minerais. Enfim, o jogo mudou. É hora de apostar. (VF)


Fontes medicinais




























   
 Fonte
Oriente
(fluoretada)
 Diurética e digestiva. Usada para tratar problemas renais e intoxicações.
 Fonte
Andrade Figueira
(magnesiana)
 Indicada para o fígado, vesícula biliar e intestino grosso.
 Fonte Vichy
(alcalina)
 Esse tipo de água só foi encontrado em São Lourenço e em Vichy, na França. É eficiente no tratamento de úlcera péptica, problemas gástricos, renais, arteriosclerose e insuficiência cardíaca.
 Fonte
Primavera
(ferruginosa)
 Para casos de anemia, astenia e anorexia. Deve ser usada com cautela, porque costuma provocar cólica.
 Fonte
Alcalina (bicarbonata)
da mista
 Ajuda na eliminação de ácido úrico e cálculos renais, além de tratar úlceras duodenais.
 Fonte
Jayme
Sotto
Mayor
(sulfurosa)
 É laxativa, portanto recomendada para quem sofre com problemas de intestino. Também é usada para tratar diabetes, doenças do colágeno e alergias.
 

PS: As fontes citadas no quadro ficam no Parque das Águas de São Lourenço, mas suas
propriedades são semelhantes as encontradas nas fontes
localizadas nas demais cidades do Circuito das Águas.