Estradas do Inferno
24 de maio de 2008É hora de indignar-se com o desmatamento da Amazônia
Fiz uma viagem de arrepios e emoções por lugares que muitos até duvidam existir. Por lugares onde poucos artistas topariam cantar e dançar. Lugares esquecidos pelos poderes políticos, onde o Ministro da Cultura ou do Meio Ambiente jamais ousou pisar para aprender e entender os hábitos de um gueto esquecido pela modernidade.
A cantilena que se ouve aqui é de dor. Uma dor estridente e penetrante provocado pelas motosseras. Vi, com meus próprios olhos, centenárias castanheiras, mognos e frondosas samaúmas tombando indefesas.
Sob um gemido rascante, elas arrastam consigo milhares de pequenas árvores, ninhos de aves e pequenos animais. O eco da morte ressoa pela floresta afora. É de arrepiar… E depois de um silêncio sepulcral, a nova gritaria das serras e das modernas máquinas da ambição.
Cantei nestes lugares… Cantei e chorei. Meu choro continua porque eu sei que a modernidade leva tudo e nada repõe. Caminhões e carretas por mim passavam carregando a exuberância de nossas florestas. Os pássaros e bichos fugiam porque pressentiam que o pior ainda estava por vir: o fogo devastador para “limpar” aquele chão outrora sagrado e hoje condenado.
Não há como ensinar e muito menos algo que faça entender a estes “capitalistas selvagens” que a floresta em pé vale muito mais do que ela no chão. Para eles, o que vale é o hoje. O amanhã não interessa.
Comecei a perceber que a solução tem que ser econômica. Tem que ser financeira. Alguém tem que pagar mais para que a floresta permaneça onde está. Alguém tem que dar uma vantagem financeira aos ribeirinhos, aos índios e aos empresários da madeira, da soja ou do gado para que eles ganhem, respeitando as castanheiras, os mognos, as samaúmas e os bichos da floresta. Aí está a equação para salvar a Amazônia.
O direito de nossa Amazônia viver em paz já não nos pertence. Os brasileiros sozinhos não têm como bancar esta conta. A soberania é nossa, mas a responsabilidade também. A hora é do entendimento e de colocar a mão no bolso para acabar com o desmatamento.
Se não houver uma ação prática pela moratória da floresta, de compensação para não desmatar, vão continuar os discursos fáceis que não levam a nada. Um solene blá-blá-blá politiqueiro que vai se confundir com a cantilena triste do som das motosseras e das árvores nobres que caem.
Derrubar, desmatar e destruir é a palavra de ordem destes imbecis. Uns desmatam pela pobreza e outros pela ganância. O fato é que pulverizam o mundo com suas ambições é destroem os sonhos de quem ainda nem chegou.
Nossos filhos e netos já contabilizam a destruição. Estudar em livros o que já não existe é real. Amazônia destruída. Amazônia cada vez mais cheia de clareiras, sufocada pela fumaça de suas folhas caídas, amassadas e queimadas. Um grito profundo de dor corta o silêncio dos céus amazônicos em cada amanhecer.
A floresta, aos poucos, vai nos deixando com saudades. Com tristeza, observo a fuga e o canto sofrido dos animais.
Mas as mesas dos traficantes e do capitalismo selvagem que barganham nossa diversidade continuam fartas, sempre regadas de vinhos e champanhe. Se é covardia não combater, é também covardia não denunciar.Voltei de minha viagem pela Transamazônica muito triste. O que eu vi, me abalou. É cruel. O desmatamento de nossas florestas é real, angustiante, sem fim. Se nada posso fazer, pelo menos posso contar o que vi. Posso dizer que protestei e protestarei sempre. Posso, com minha arte, levar mais gente a este inconformismo. É hora de indignar-se. É hora de mudar.
BETO BARBOSA é cantor, conhecido como o Rei da Lambada, e tem uma página na internet para divulgar suas idéias, músicas e shows.
www.betobarbosa.com.br