Biocombustíveis e a segurança alimentar

23 de maio de 2008

Parlamentares do G-8 alertam para aumento dos preços agrícolas

Foto: Marcello Casal Jr./ABr


O diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, fala na 30ª Conferência Regional da organização, que discutiu questões como biocombustíveis, reforma agrária e desenvolvimento rural. À direita, o ministro do Desenvolvimento Agrário do Brasil, Guilherme Cassel


 


Os parlamentares afirmam que “o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem o entendimento de que a demanda por biocombustíveis nos Estados Unidos e na União Européia resultou na elevação dos preços de diversas commodities agrícolas, devido ao deslocamento da produção de alimentos.”
No Brasil, a matéria-prima mais utilizada na produção de biodiesel é a soja, que também é disputada pela alimentação humana e animal. Embora o dendê possa também ser utilizado para produzir biodiesel, sua produção – 151 mil toneladas anuais – não atende à demanda do combustível, ao contrário da soja, cuja safra anual ( 2007) gira em torno de 56 milhões de toneladas.


Critérios de
sustentabilidade

Conquanto defendam a produção de biocombustíveis, os parlamentares do G-8 sugerem a adoção de vários “critérios de sustentabilidade”, ou condições cujo atendimento justificaria a utilização de produtos da terra para chegar ao biocombustível.
Conforme o documento, caso a terra utilizada para a plantação de matéria-prima para combustíveis contenha em si um elevado estoque de carbono, ou caso a cobertura vegetal seja cortada para dar espaço ao plantio, há uma probabilidade de que o carbono contido no solo ou na cobertura vegetal seja liberado para a atmosfera, “compensando os efeitos positivos dos biocombustíveis em termos de redução de uso de combustíveis fósseis.”
Portanto, “os efeitos totais do carbono deverão ser levados em conta quando do cálculo da redução de gases do efeito estufa referente a determinados biocombustíveis.” Para os parlamentares, os solos em que o estoque de carbono em conversão não puder ser compensado, dentro de um período razoável de tempo, pela redução de gases do efeito estufa decorrente da produção de biocombustíveis, “não deverão ser destinados à produção de biocombustíveis.”
Além do mais – afirma o documento – ” é necessário assegurar que o plantio de insumos para a produção de biocombustível não acarrete degradação de solos com alta biodiversidade.” Significa queo biocombustível não deve ser produzido a partir de matéria-prima obtida de áreas em que a biodiversidade tenha valor reconhecido, como as de proteção ambiental e as florestais que não sofreram interferência significativa do homem.
Outra condição diz respeito à proteção de terras com alto estoque de carbono. Conforme o documento, o biocombustível deverá ser considerado insustentável em caso de a matéria-prima empregada em sua produção ter sido obtida por meio de terras com elevado estoque de carbono, como as terras úmidas e as áreas de floresta contínuas superiores a um hectare. Os parlamentares consideram que a sustentabilidade da produção de biocombustíveis deve levar em conta também os impactos no uso da terra, a preservação da água e de sua qualidade e a sustentabilidade social, ou seja, a preservação dos interesses dos povos indígenas e de outros grupos socialmente desfavorecidos.


O futuro dos
biocombustíveis

O documento considera que, “no futuro, os avanços na tecnologia de biocombustíveis podem atenuar os possíveis impactos na segurança alimentar,” lembrando o interesse demonstrado por alguns países no desenvolvimento de lavouras de gêneros não alimentícios, cujos requisitos agrícolas não concorram com produtos destinados à alimentação humana.
Os deputados do G-8 acreditam que a futura geração de biocombustíveis poderá ter como matéria-prima a lignocelulose e outros insumos de biomassa, tais como resíduos das florestas e das lavouras, lascas de madeira, resíduos de alimentos, resíduos sólidos municipais, cama de frango, palha e até algas. Nos Estados Unidos estão sendo desenvolvidas pesquisas destinadas a produzir biodiesel a partir de certos tipos de capim.
Na Índia e na África, os agricultores estão expandindo a produção de jatrofa, uma erva não-comestível que cresce em terra infértil e requer relativamente pouca água. Na Inglaterra, aumenta o interesse por uma gramínia chamada miscanthus, que  é perene, cresce facilmente e pode ser usada para gerar energia sem que se aumente o custo das culturas necessárias ao consumo humano.


Distorções
Do decorrer dos debates da 30ª Conferência Regional da FAO realizada recentemente em Brasília, foi feito um alerta de que a produção de biocombustíveis pode colocar em risco o acesso a alimentos pelos setores sociais mais pobres da América Latina e do Caribe.
O documento oficial do evento diz que a expansão dos biocombustíveis “pode ocasionar mudanças na demanda, no comércio exterior, na destinação de insumos produtivos – terra, água, capital etc. – e, finalmente, um aumento nos preços dos cultivos energéticos e tradicionais, pondo  em risco o acesso aos alimentos para os setores mais pobres.”
Os Estados Unidos foram criticados por destinarem, este ano, 31% da safra de milho para a produção de álcool, assim como a Europa, acusada de distorcer o comércio de alimentos com subsídios para a produção de biocombustíveis e imposição de tarifas na importação de produtos agrícolas. O Brasil, que produz álcool através da cana-de-açúcar, foi poupado porque não utiliza subsídios e nem compromete a produção de alimentos, no caso, o açúcar.
Mais veemente, o relator especial das Nações Unidas  para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, considerou “crime contra a humanidade a produção em massa de biocombustíveis”, acrescentando que a queima de centenas de milhares de toneladas de trigo, cereais, arroz e outros produtos para produzir biocombustíveis é um fator importante para as altas dos preços dos alimentos.


 


Jean Ziegler: “Produção em massa de combustíveis é crime contra a humanidade”.


 


 


 


Campanha pelos biocombustíveis


Lula promete campanha a favor do Brasil:
biocombustível é ecológico e oportunidade de renda


A posição do governo brasileiro nessa questão, expressa em recentes pronunciamentos no País e no exterior, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é de que tudo não passa de uma campanha de descrédito contra os biocombustíveis, que representam, no seu entendimento, uma oportunidade ecológica e de geração de renda e emprego para os países em desenvolvimento como o Brasil.
Lula anunciou que o governo pretende desencadear uma campanha publicitária a nível internacional em favor do biodiesel produzido no Brasil a partir da soja, mostrando a importância econômica, social e ambiental da iniciativa.
Lula tem assinalado que o Brasil deve produzir biodiesel sem subsídios aos agricultores, ao contrário do que fazem os EUA e os países da Europa, que subsidiam amplamente os produtores de milho.


 



 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva observa amostra de biodiesel, durante inauguração de usina que vai produzir 108 milhões de litros
por ano