Gilbués: o deserto vermelho
19 de junho de 2008Mineradora contribui até hoje com a terrível desertificação de Gilbués
Sem alternativa, desde criança Jean Batista vive de
garimpar diamantes
O casal dona Eva e Izaldo Nere Oliveira teve a terra arrasada pela mineradora DM
Boqueirão é a pobreza absoluta em cima de uma jazida de diamantes. Uma realidade triste e constante são buracos às margens do Riachão. O garimpo desenfreado vai produzindo grandes voçorocas e o leito do rio vai morrendo aos poucos… A desertificação só aumenta.
Além do leito, as margens do Riachão também são alvo do garimpo. Nos locais conhecidos por Goianinha, Bom Jardim, Compra Fiado e Boqueirão os buracos são capazes de abrigar prédios de até 10 metros de altura.
Na propriedade Boqueirão, onde o trabalhador rural Izaldo Nere Oliveira tem um pedaço de terra, a destruição é alarmante. “Foi tudo muito rápido. Quando a gente menos esperava começaram a chegar máquinas e abrir buracos em nossas terras. Destruíram as matas da beira do Riachão todinha, todinha. Depois que acabaram com tudo, foram embora sem dar satisfação”, conta gesticulando indignado o agricultor. Segundo ele, a empresa limitou-se a informar que tinha autorização para garimpar ali. Sua esposa, Eva Rodrigues, 60 anos, acusa o estrangeiro Shukri Layouse, que ela diz ser dono da empresa de promover intimidação e medo nas famílias do povoado Boqueirão. “Ele vive dizendo que tem autorização para ficar cem anos e que não vai mais devolver nossas terras. Aqui todo mundo tem medo dele que vive de enganar as pessoas”, desabafa dona Eva.
As crateras aumentam
Faisqueiros são os homens que praticam o garimpo de forma artesanal na comunidade. Leonardo Cruz Batista, 55 anos, é um faisqueiro. Ele mostra como ficou a situação da área Goaininha, depois que retoescavadeira passou por lá. É alarmante o tamanho da destruição. “Ali havia uma plantação de goiabas nativas”, aponta Leonardo para onde hoje não enormes crateras capazes de engolir caminhões inteiros compõem a paisagem. Além de licenciada pela Secretaria de Meio Ambiente, a DM Mineração responsável tem guia de utilização do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral-DNPM. A autorização é destinada à pesquisa, lavra e comercialização do minério. De acordo com o Geólogo do DNPM, Elano Fontenele, a empresa DM pode pesquisar e extrair diamante suficiente para bancar suas pesquisas. “Para nós o que interessa é provar que ali existe ou não uma jazida de diamante”, disse o técnico, sem se importar com as erosões que crescem cada vez mais. Segundo ele, regularmente o DNPM fiscaliza a empresa no que tange a extração do minério em si. “Em relação à questão ambiental, isso é problema da Secretaria de Meio Ambiente”, disse o geólogo justificando que a expedição da guia é feita mediante análise da Licença Ambiental do órgão ambiental. É incrível como o governo além de não investir para acabar com as erosões, ainda incentiva a mineração.
A mineradora foi licenciada pela primeira vez em 2003 e teve prorrogada a licença em 2005. A autorização lhe permite promover o garimpo mecanizado em dois mil hectares.
Desertificação se alastra
Segundo a ONU, em Gilbués está o maior núcleo de desertificação da América Latina. O pesquisador da Universidade Federal do Piauí-UFPI, Deodaldo Salviano, confirma a informação e diz que a mineração ora em pratica é extremamente danosa. “Não se tem como medir o impacto. O material que é removido é monstruoso. O solo está descendo para o rio Gurguéia, chegando ao rio Parnaíba e a Barragem de Boa Esperança que vai assoreando e pode comprometer até mesmo suas turbinas”, analisa o pesquisador, assegurando que nesse processo vão embora muitas vidas aquáticas e partículas sólidas.
O também pesquisador, doutor em desertificação da Embrapa Meio Norte, Luiz Fernando, condena a mineração em áreas já degradadas. “É evidente que a atividade vai levar ao aumento da degradação na região de Gilbués. A tendência é que surjam cada vez mais áreas desertificadas”, afirma. O primeiro diagnóstico sobre o perigo da desertificação em Gilbués foi feito ainda nos anos 30 por um dos mais respeitados pesquisadores brasileiros, o pernambucano João Vasconcelos Sobrinho. Na época ele alertou para as reais possibilidades do município de Gilbués virar deserto. “Atípico, diferente do saariano, mas com as mesmas implicações de inabitalidade”, dizia o pesquisador.
As previsões do cientista vêm aos poucos concretizando. O agricultor Izaldo Nere, que faz roça há mais de 50 anos na região do Boqueirão, conta que ali quase já não existem mais terras propícias para o plantio. “Tá tudo se acabando. Perdi as contas dos lugares onde não dar mais para fazer roça”, afirma.
Mas, foi nos anos 40, quando havia uma atividade de garimpo intensa que realmente começou o pior. Na época, o movimento em Gilbués era tamanho que a cidade recebia aviões de grande porte da companhia Cruzeiro. “Seu” Leonardo diz que ainda lembra quando havia ali centenas de garimpeiros e o diamante era farto. Tanta gente levou a uma ocupação desordenada da região, desmatamentos, queimadas e a criação de gado. Foram esses fatores, aliados a fragilidade do solo e as oscilações climáticas, responsáveis pela degradação do solo e as grandes erosões. O processo de desertificação continua avançando e hoje já atinge prédios públicos na zona urbana da cidade como a igreja e o hospital que tiveram seus muros derrubados pelas voçorocas.
Esperança Perdida
Em 2004, o governo do Piauí smostrou preocupação com o caso e deu início a uma experiência para conter o avanço das voçorocas, como chamam os buracos que saem serpentando a terra, em uma área de 50 hectares. Pesquisadores contratados adotaram medidas simples como a plantação de leguminosas específica para impedir a erosão e reterem água em micro bacias.
Em 2007, a então ministra Marina Silva esteve na região e liberou verbas para estruturar o núcleo. Desses esforços, na prática, o que resta é um prédio que abriga o núcleo. Quanto à experiência chamada pelos os pesquisadores de Núcleo de Recuperação de Áreas Degradadas foi somente mais uma esperança deixada para trás.