Altar da Humanidade

Everest:deusa Mãe do Mundo

23 de julho de 2008

João Paulo Barbosa – ENTREVISTA


A denúncia soou como uma bomba: o lixo acumulado no Monte Everest, só do lado chinês, deixado por alpinistas e turistas, chega a mais de 120 toneladas. Os chineses cogitam limitar o acesso de visitantes à montanha, pois hoje cerca de 60 mil turistas/ano visitam. São 40 mil pelo lado chinês e 20 mil pelo lado do Nepal. Na verdade, o lixo deveria ser retirado pelos próprios alpinistas, mas na medida que eles sofrem os efeitos do ar rarefeito e do frio, passam a ter mais dificuldades para carregar de volta tanto peso. Sobretudo quando entram na zona da morte, ao ultrapassar os 8 mil metros. Aí vão deixando pelo caminho garrafas plásticas, cordas, pilhas, roupas e até barracas
O fotógrafo brasileiro João Paulo Barbosa está no Everest, percorrendo o Sagarmatha National Park, parque nacional mais alto do mundo, com mais de cinco mil metros de altitude. Ele está registrando a beleza nas alturas e a presença do “lixo no mundo”. A expedição solitária termina no final do ano. João Paulo Barbosa conta, via WEB, como está sendo a experiência.


FMA – Você começou a viagem no início do ano. Onde você está agora?
João Paulo – Estou em Kathmandu, capital do Nepal (em junho), vindo de Lukla, em um pequeno avião. Foram 24 dias caminhando, sobe-desce sobe-desce, entre 2.900 e 5.546 metros, dentro do parque nacional mais alto do mundo, o Sagarmatha National Park – terra dos Sherpas, guardiões do Monte Everest. Uma região muito privilegiada: o Ama Dablam, o Kangtega, o Thamserku, o Kwangde, o Lhotse, o Nuptse, o Changtse, o Taboche, o Lobuche, o Pumori, o Cho Oyu, o Makalu… e tantos gigantes belíssimos reunidos.


FMA – Qual o objetivo da viagem?
JP – Para mim, que sempre curtiu História, Fotografia e Montanhismo, foi um dos melhores presentes da vida. Descer sozinho o Kala Pathar (5.543 m), com a luz incrível da Lua cheia iluminando tudo, sem um movimento de vento, num mundo de silêncio profundo, com o monte Everest crescendo a minha frente, posso dizer, lembrar e emocionar-me para sempre, que foi um dos momentos mais bem vividos de toda a minha vida.
Entendi perfeitamente o “love affair with a mountain”, vivido pelo alpinista George Mallory, entre 1921 e 1924. No meu caso, precisei viver 34 anos e viajar 265 dias para encontrar-me ali, diante de um símbolo, de um mito, de uma massa de rocha que encanta meio mundo.
Estou percorrendo alguns lugares remotos do planeta para a registrar o lixo no mundo. É impressionante a quantidade de coisas e a variedade, dependendo da cultura, que as pessoas vão deixando pelo caminho.


FMA – O que a caminhada tem mostrado?
JP – Dentre os pontos altos dessa caminhada, interna e externa, além das figuras raríssimas que conheci e que pude compartilhar tudo de bom que se vive nas montanhas – aprendi a conhecer melhor as pessoas através das pedras que elas escolhem pisar ao caminhar –  cito a subida solitária ao Chhukung Ri (5.546 m), uma noite de sonhos de apnéia  no acampamento-base do Everest, a travessia do Chola Pass (5.330 m), e, por fim, a subida ao topo do Gokyo Ri (5.483 m).
Não são, nem de longe, consideradas aventuras perigosas, que mereçam um “parabéns, você mandou muito bem”. Mas, ao contrário, o que sempre contou para mim é a possibilidade da altura ampliar a dimensão da paisagem.
Como bem definiu Robert Macfarlane, em seu Mountains of the mind, “visionary amplitudes of altitute”. E, também, o prazer sem-fim de estar bem e em paz em qualquer lugar.


FMA – A montanha nos aproxima do céu, do divino?
JP – Acho que sim. Voltando a Kathmandu, feliz por retornar a “civilização”, dei-me conta pela centésima vez, e nem precisava dar-me mais conta disso, de que a vida com a montanha, no meio da natureza, é bem mais vida, bem mais sonho, bem mais intensa, bem mais real.
São momentos, são dias, são situações que me promovem, me deslocam, me transportam, para um universo sem modernidade, sem tecnologia, sem aceleração.