Ecologia humana

Assédio moral

26 de agosto de 2008

O risco não visível no ambiente de trabalho

FMA – Quais os fatos que levaram a criação do site?
Margarida Barreto – Após a defesa que fiz no Mestrado, em 2000, “Uma Jornada de Humilhações”, surgiu uma demanda por palestras sobre o tema. Foi quando uma jornalista ligada ao movimento sindical publicou uma entrevista comigo. A pequena matéria acabou veiculada na coluna de Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. E eu fui surpreendida com telefonemas de várias emissoras e jornais que queriam entrevistas.  Fiquei surpresa. Desde aquele momento,  as solicitações da mídia nacional e internacional tem sido constante. O tema foi capa de várias revistas e objeto de inúmeras reportagens, artigos, entrevistas para rádio, televisão e sala de conversas “on-line”, assim como de incontáveis seminários, encontros, tribunal popular, oficinas etc.  A demanda do movimento sindical e de redes sociais foi o motivo que nos levou a idealizar uma forma de dar mais visibilidade às informações e socializar o conhecimento. Criamos o site, que foi idealizado por mim e Maria Benigna Arraes Gervaiseau. Nossa idéia é que essas  informações sejam  apropriadas pelos trabalhadores,  pesquisadores e demais interessados no tema. Por isso, pensamos em um site com muita informação, e disponibilizamos tudo o que sabíamos, de uma forma acessível e fácil!


FMA – Há uma estimativa do número de trabalha-dores que sofre este tipo de assédio?
Margarida – Sim. Em nossa segunda pesquisa, que é nacional, foram distribuídos 42 mil questionários específicos para todos os trabalhadores de diferentes categorias em todos os estados do Brasil.  Era um questionário especifico para aqueles/as que em algum momento de sua vida, houvesse sofrido o assédio moral e não tinha ferramenta teórica para identificá-lo. Destes questionários, 10.600 foram devolvidos, correspondendo a um percentual15,7%, a Nordeste com 12.4%,  a Centro-oeste com 5,5% e a Norte com 2,5%.


FMA – Qual o perfil do assediador e o da vítima?
Margarida – Geralmente o assediador é uma pessoa autoritária e até mesmo insegura, que exerce a tirania e comanda os trabalhadores como se estivesse comandando uma batalha, uma guerra.  Quanto aos inseguros, escondem seu medo,  imaturidade e inexperiência, tiranizando e exigindo que todos se submetam e façam o que ele ordena.  Tiranizam humilhando, constrangendo,  desqualificando. Ele tem medo que seus pares e subordinados possam constituir um perigo a sua permanência na empresa. Tem medo de ser descoberto em sua incapacidade de relacionar-se. Para ele, qualquer questionamento pode significar uma ameaça. O autoritário é uma personalidade muito comum naqueles que detém o poder. Não conseguem liderar e sim mandar como se o outro fosse uma  coisa.


Margarida Barreto, autora de estudo sobre o tema


 


 


 


 


FMA – O problema é sempre com o chefe imediato?
Margarida – Há outros chefes que acreditam que o sucesso da empresa depende exclusivamente de sua capacidade de exigir e subjugar os trabalhadores. Isto se deve em muito à cultura organizacional de uma empresa, a forma de organizar o trabalho, a natureza e processo de socialização da produção, o que resulta em sofrimento para o coletivo.


FMA – E a vítima?
Margarida – Quanto a vitima, normalmente são pessoas que têm como característica fundamental ser um profissional que gosta do que faz, apaixonado por seu trabalho, capaz, brilhante, inteligente, criativo e com grande sentimento de justiça.  Têm capacidade de liderança nata  e fazem amizade fácil, influenciando as pessoas em volta com suas idéias. É dedicado ao trabalho e sabe questionar, não aceita as injustiças. Todos admiram sua capacidade. Com o assédio moral, adoecem do trabalho, ficam afastados e perdem sua capacidade produtiva.  Especialmente as mulheres, os mais velhos, negros, integrantes de comissão de segurança no trabalho e dirigentes sindicais combativos.


FMA – E necessário o tratamento psicológico?
Margarida – Sim, a vítima é destroçada e, vamos dizer assim, assassinada psiquicamente em sua criatividade, ela deve ser encaminhada a algum serviço especializado de apoio psicológico.  Ela precisa de apoio moral, escuta atenta e respeitosa e tratamento psicológico. Algumas vezes, de acompanhamento psiquiátrico. A empresa deve garantir à vítima o médico, o psicólogo e apoio social.


FMA – E quanto ao assediador?
Margarida – Quanto ao tirano, precisa refletir sobre suas ações e atos, ele é consciente do que faz e porque faz. Cabe puni-lo, responsabiliza-lo e deixar claro que não se vai tolerar esse tipo de prática. A empresa não deve agraciá-lo com condecorações, premiações ou promoções. Esta ação, de 25,20%, e foi neste universo que trabalhamos. Quanto às regiões em que existe mais casos de assedio, temos a Sudeste com 63,8%,  a Sul com comum em algumas empresas, contribui para a permanência destas práticas nefastas.


FMA – A senhora atribuiu o fenômeno às novas relações de trabalho. Parece que o problema sempre existiu mas agora foi identificado…
Margarida – Antigamente se falava que o chefe perseguia, que a chefe era arbitrária, coisas assim. É um fenômeno velho com novas características e novas causas.
O mundo do trabalho na configuração que hoje temos, é violento. Há uma guerra invisível na medida em que adoece e mata centenas de trabalhadores e trabalhadoras.
Só para dar uma idéia, dados do Ministério da Previdência, em 2006, referem a ocorrência de 503.890 acidentes do trabalho, resultando na morte de mais de 2.700 trabalhadores e a incapacitação permanente de 8.300 mil pessoas. No passado, poderíamos dizer que a violência  nascia das relações interpessoais, hoje já não podemos falar nesta linearidade causal. Desde o final dos anos 80, o mundo do trabalho vem sofrendo mudanças de forma acelerada: tanto na forma de organizar o trabalho como na forma de administrar as políticas. Isto leva a uma diminuição do número de trabalhadores e aumento da sobrecarga de trabalho graças às políticas de reestruturação e reengenharia que objetivam enxugar as gorduras e diminuir os gastos.
FMA – Como atuam governo e instituições públicas?
Margarida – A primeira instituição pública a assumir no  código de ética e na ouvidoria a questão do assédio moral foi a Petrobras. E nem por isso a prática do assédio moral desapareceu na empresa.
Os ministérios, como o Planejamento, têm discutido e inclusive realizado uma pesquisa. Quanto a legislação, alguns estados e município têm leis específicas. Em São Paulo, no entanto, o governador vetou a Lei 12.250 (fevereiro/2006) alegando inconstitucionalidade. É uma lástima que governantes que se dizem comprometidos com a ética e a justiça, tapem os olhos à realidade e achem natural que exista discriminação, constrangimentos, desqualificações e variadas punições com seus servidores.


FMA – Quais os setores que mais apresentam assédio moral?
Margarida – Os setores que mais sofrem o assédio moral são a saúde (enfermagem, médicos)  educação (escolas e academias) , serviços (bancos) e comunicação (jornalistas).