Rios Voadores

Saudades de um dia chuvoso

26 de agosto de 2008

Como o vapor das águas amazônicas chega ao resto do Brasil

Felizmente, lá por outubro ou novembro, a bendita chuva vai chegar e transformará toda a paisagem em nossa volta. Vai apagar os incêndios, fogos insensatos que queimam pequenas árvores que lutam a crescer e filhotes de pássaros em seus ninhos. Mas quando caem as gotas que regenerarão a vida, quantas vezes paramos de pensar, “De onde será que aparece toda essa água, tão de repente?”
É uma pergunta cada vez mais relevante. E é muito importante saber. Se dispormos da tecnologia avançada e do interesse suficiente para fazer previsões (mais ou menos corretas) do tempo, porque não ampliar nossos conhecimentos para entendermos melhor a origem das nossas chuvas? Pois quase a metade da umidade no ar acima da nossa cabeça – que se transformará em chuva em algum lugar – vem da Amazônia.
Isso porque os ventos alísios empurram para o Oeste a umidade vindo do oceano Atlântico, subindo país adentro em contramão à correnteza do Rio Amazonas. A chuva vai caindo e evaporando, sempre subindo (e enchendo) o rio. Quando os ventos começam uma curva à esquerda e aproam ao su% l, seguem carregados de umidade evapotranspirada pelas árvores da floresta amazônica. É um processo milenar que disciplina a interatividade do clima e da natureza – sua vegetação, a vazão de seus rios – na maior parte do continente.
Mas agora a região Amazônica encontra-se sob pressão de duas forçantes climáticas: o desmatamento e a repercussão das mudanças climáticas. Esses dois fatores afetarão não apenas a região Amazônica, mas poderão comprometer o clima de outras regiões do país. Podemos nos dar o luxo de alterar um processo que nos fornece quase a metade das nossas chuvas?
Utilizando técnicas isotópicas, o professor e cientista Enéas Salati demonstrou, em 1979, que cerca de 44% do fluxo de vapor d’água que penetra na região amazônica vindo do mar, trazido pelos ventos, saem da bacia e vão condicionar o clima de outras regiões da América do Sul. 
A quantidade de vapor transportado depende da posição da ITCZ, a zona de convergência intertropical, que varia latitudinalmente ao longo do Equador, para o norte e para o sul de acordo com o período do ano.
As informações existentes demonstram a importância do equilíbrio do clima da Amazônia no condicionamento do tempo, especialmente das precipitações, em outras áreas do Brasil e os países limítrofes.


Conceito de “rios voadores”
O transporte dessa umidade em direção ao sul muitas vezes acontece em amplas faixas de massas de ar, empurradas pelos ventos, como se fossem rios empurrados pela correnteza. Daí nasceu o conceito de “rios voadores” – são verdadeiros “rios” de vapor d’água que passam despercebidos acima da nossa cabeça e trazem uma quantidade tão imensa de umidade que ultrapassa a vazão do majestoso Amazonas. 
O Projeto Rios Voadores, idealizado por Gérard Moss, nasceu como resultado da preocupação sobre o futuro desses rios invisíveis.
Se não somos capazes de cuidar bem dos rios que passam diante de nossos olhos, quem vai se esquentar sobre correntezas invisíveis de ar úmido?
As exigências pessoais do homem moderno crescem com a rapidez de um trem bala: ambições imediatistas que não medem as conseqüências a longo prazo, seja por simples ignorância dos fatos, seja por falta de responsabilidade mesmo.  Portanto, o principal objetivo do projeto é aprofundar os estudos sobre este transporte de vapor d’água da bacia Amazônica para as outras regiões do Brasil. Pelo melhor entendimento da quantidade de vapor d’água que provem da Amazônia desta forma, e a conscientização do público brasileiro – autoridades e consumidores da água – espera-se que a razão possa prevalecer, evitando a destruição da maior floresta tropical do planeta. Para defender os interesses da população brasileira como um todo que depende de e deve seu sucesso às abundantes chuvas que caem sobre o país.
Chuvas que sustentam nossa agricultura, que enchem nossos rios e nossas represam que, por sua vez, geram a energia que precisamos para nossas casas e nossas indústrias. 
Pare um pouco e pense: como vai ficar tudo isso se, algum dia, as centenas represas já existentes no Centro-Oeste, Sudeste e Sul ficarem inoperantes?  Se as nossas paisagens algum dia se tornarem parecidas a tantas outras nas mesmas latitudes – os desertos de Atacama, da Namíbia, do Kalahari e a imensa aridez australiana – que  não tem uma Amazônia para fornecer a umidade? Podemos, a troca de madeira ilegal, soja ilegal, bois ilegais, seguir por um caminho que repercute no regime de chuvas do País?
Brasil é mesmo um lugar muito especial, privilegiado com todas as cartas em suas mãos, em grande parte graças à floresta amazônica. Atualmente, é o campeão mundial em chuvas, ultrapassando por longe o segundo colocado, a Rússia. Mas por quanto tempo?


Mais informações: O projeto Rios Voadores é patrocinado pela Petrobras. Para entender mais visite o site www.riosvoadores.com.br.