Amianto: omissão e castigo

A morte branca do sertão

18 de setembro de 2008

Há 40 anos está sendo praticado um crime contra o meio ambiente

A antiga cava principal de amianto, com 4km de extensão e até 200m de profundidade, foi tomada pelas águas e agora é um lago cheio o ano inteiro.


 


 


O lugar é a Fazenda São Félix do Amianto, de 700 hectares. Aqui existia uma mineração de amianto, da Sociedade Anônima Mineração de Amianto, Sama, que rasgou a terra de 1939 a 1967, até o seu esgotamento. Então encerrou as atividades e se transferiu para Minaçu, em Goiás, onde está até hoje. A fazenda e o que restou dela foi “vendida” por um preço simbólico a Manoel Candido de Oliveira ex-funcionário da Sama (morto anos depois por conta de doença do amianto). O estranho contrato de venda estabeleceu que 10% do que se produzisse ali seria do antigo dono, a Sama. Vender assim foi o jeito da empresa se livrar dos problemas. Em tese (como diz a lei hoje) ela deveria recuperar a área degradada, mas a legislação na época (1967) não existia. E lá ficou a terra devastada.


Lago da morte
A antiga cava principal de amianto, com 4km de extensão e até 200m de profundidade, foi tomada pelas águas do lençol freático e agora é um lago que permanece cheio o ano inteiro, mesmo naqueles de seca mais radical. Tornou-se espaço de lazer da população de Bom Jesus da Serra. Crianças e adultos tomam banho nessas águas contaminadas, pescam e consomem os peixes do lago. É comum a garotada jogar futebol e depois se banhar no lago. Na época de seca, os caminhões-pipa pegam essa água e levam ao povo pobre. Aqui e ali cabras e bodes, gado vacuum, pastam tranquilamente entre os escombros. O lugar é aberto; qualquer um pode entrar ou sair. Não existe nenhuma placa alertando a população sobre os riscos que corre. Ainda hoje o amianto é negócio. Pedras com a fibra assassina, encontradas não apenas na fazenda devastada, mas em toda região, são vendidas à população que as utilizam para construção de casas, muros, calçadas. Na sede do município elas estão por toda parte. Não apenas nas construções civis, mas também nas obras da Prefeitura. O amianto aparece no pavimento das ruas, praças, e até no muro das escolas. Em suma: toda população (rural e urbana), estimada em 10.300 habitantes, está sujeita à contaminação pela fibra assassina. Mas ela não sabe disso. Nenhuma das pessoas ouvidas pela Folha do Meio sabe da dimensão do risco que corre por conviver com o amianto. O prefeito da cidade, Ednaldo Meira Silva (“Gazzo”), disse que: “vai estudar o caso com seus auxiliares para ver que providências irá adotar…”


Amianto no caminhão-pipa
Os estudos sobre a situação são raros e quase sempre ocultados da população. Em abril deste ano o Instituto de Meio Ambiente, órgão da Secretaria de Meio Ambiente da Bahia, realizou duas análises da água do lago, concluindo que existe muito magnésio e coliformes fecais. Embora o amianto não tenha aparecido por motivos óbvios (a fibra é pesada e se deposita no fundo do lago), a água “é considerada imprópria para o consumo”, garante Pedro Moreira, diretor de fiscalização do IMA.
A população, no entanto, não foi alertada sobre isso. Na verdade, a água que ela bebe muito provavelmente contém amianto, uma vez que o caminhão-pipa transporta a água coletada do fundo.  Mas isso não parece preocupar as autoridades públicas. Em nome da Secretaria de Indústria e Comércio e Mineração da Bahia, André Bolinches afirma que “a água não é problema; o problema é o pó. O único problema que pode advir da água, uma vez que o magnésio é laxante, é dor de barriga. É só a pessoa não beber demais. Tudo em demasia faz mal. Até água de coco”.
O problema não se resume ao passivo ambiental. Existe um outro, tão grande ou maior que este, para ser resolvido – a saúde dos antigos trabalhadores da mina. Eles estão morrendo aos poucos devido às doenças contraídas na atividade: dos 300 trabalhadores da empresa estima-se que 180 já tenham morrido. Os que sobrevivem reclamam de falta de assistência da Sama.


O que é o amianto


O amianto, ou asbesto, uma fibra mineral natural, tem como propriedades: alta resistência à tração mecânica e às temperaturas elevadas, não entra em combustão, é isolante, é praticamente imune ao ataque de fungos e bactérias, é facilmente tecido. Ele é abundante na natureza sob a forma de crisotila (amianto branco)
ou anfibólio (marrom e azul, entre outros). O Brasil é um dos cinco maiores produtores de amianto
do mundo.
Devido às suas características, o amianto está presente em diversos produtos: nas telhas e caixas-d’água de cimento-amianto; freios, lonas e pastilhas dos automóveis; tecidos que exigem imunidade ao fogo (vestimentas dos bombeiros, por exemplo); em algumas tinturas; isolantes de espaços (cinemas antigos); na indústria de cloro-soda.
Mas o amianto não é coisa boa. Tanto que a produção e comércio do amianto – anfibólio ou crisotila – estão proibidos em pelo menos 49 países. Há quase um século se sabe que na manipulação do produto a fibra microscópica vai se cravando nos pulmões. Com o tempo – uma média de 30 anos – surge a asbestose (redução da capacidade pulmonar), o câncer de pulmão ou do trato gastrointestinal, o mesotelioma – um tumor maligno que pode atingir a pleura e o peritônio. Todas as doenças são irreversíveis e letais.
Apesar dessas evidências, por motivos econômicos, o Brasil somente proíbe uma espécie de amianto, o anfibólio. O outro, a crisotila, que é tão perigoso quanto o outro, está liberado.  Mas, enquanto o Governo Federal se omite, os estados (São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) e alguns municípios (Recife, Rio de janeiro, São Caetano do Sul, Pelotas, Ribeirão Preto, Campinas, Amparo, Santa Bárbara do Oeste, São Caetano do sul, Ponta Grossa,…) fazem leis próprias de rejeição à fibra assassina em suas fronteiras. (DL)