As mais significativas paisagens culturais

22 de outubro de 2008

FMA – Podia dar exemplos?CF – Evidente. Vamos a eles:Histórico: o sítio do Descobrimento, as margens plácidas do Ipiranga, o sítio da casa de José de Alencar em Fortaleza. Artístico: seria qualquer paisagem retratada desde a chegada dos viajantes europeus no século XIX, como os jardins de Glaziou e de Burle Marx. Geológico: os penhascos… Ver artigo

FMA – Podia dar exemplos?
CF – Evidente. Vamos a eles:
Histórico: o sítio do Descobrimento, as margens plácidas do Ipiranga, o sítio da casa de José de Alencar em Fortaleza.
Artístico: seria qualquer paisagem retratada desde a chegada dos viajantes europeus no século XIX, como os jardins de Glaziou e de Burle Marx. Geológico: os penhascos do Rio de Janeiro, o Vale do Cariri, a Ilha do Bananal, em Goiás, e o deserto do Jalapão, em Tocantins.
Científico: dentre os muitos sítios de valor geológico e paleontológico, o que me ocorre mais imediatamente é a Pedra do Letreiro, em Souza, Paraíba. Trata-se de, um sítio de icnofósseis, com pegadas petrificadas de um dinossauro, o primeiro documento científico do Brasil.
Geomorfológico podem ser as impressionantes formações rochosas com efeitos pareidólicos (2) que são os inselbergs (3) de Quixadá, no Ceará ou a Pedra do Lagarto e o Frade e a Freira no Espírito Santo ou a Pedra da Boca Na Paraíba;
Espeleológico são as cavernas tombadas pelo Iphan como as grutas Azul, de N. S. Aparecida, em Bonito (MS), Terra Ronca (GO)s e outras. Vale lembrar que a responsabilidade pelo patrimônio espeleológico nacional é atribuição legal conferida exclusivamente ao Ibama, salvo quando protegidas pelo tombamento.
Hidrológico como as Águas Emendadas no Distrito Federal ou o encontro de águas de diferentes cores em rios na Amazônia, ou todo o percurso do Rio São Francisco.
Arqueológico, como São Raimundo Nonato no Piauí, Sete Cidade no Piauí. Aí se registra uma das mais comoventes cenas familiares de um cotidiano perdido há milênios: um pai pré-histórico grava a forma de sua mão colocando-a contra uma parede de pedra e pulverizando todo o redor com um pigmento terroso. Em uma pedra bem mais baixa, vê-se a mesma inscrição, de uma mãozinha infantil, certamente do filho copiando o que estava sendo feito pelo pai. Mortos há mais de mil anos podem continuar tocando nossos corações com gestos de amor e ternura.
Rural, como as antigas fazendas de café e cacau que desaparecem para dar lugar a perniciosos monocultivos.
Simbólico, como Sítio de Porongos, onde ocorreu o assalto das tropas imperiais que provocou a mortandade dos lanceiros negros propositalmente separados do restante das tropas e desarmados por Davi Canabarro e que hoje é um monumento ao sonho humano de liberdade.
Religioso, como o sítio onde apareceu a padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida e onde se construiu sua Basílica. Como o Horto em Juazeiro no Ceará, onde foi erigida a estátua do padre Cícero, a Igreja da Penha no Rio de Janeiro ou em Vitória, a capela do Padre Pio, no Rio Grande do Sul e uma infinidade de lugares por todo o País.
FMA – Você defende um dos tombamentos que mais me agrada: o Céu de Brasília…
CF – É verdade. Você mesmo fez uma entrevista com a Imperatriz do Japão e a primeira lembrança dela foi sobre a beleza dos Céus de Brasília.
Para mim, o céu de Brasília deve ser declarado como paisagem cultural por seu valor sublime. Quando fiz esta proposta há uns dois ou três anos, pessoas prosaicas, cujas almas não têm asas para empreender os grandes vôos, únicos que justificam nossa frágil condição humana, viram nisto um desvario. Espero que elas tenham considerado também delirante a decisão da Unesco de tombar como Patrimônio da Humanidade a noite escura e estrelada. No fundo, é um esforço, uma guerra contra a crescente iluminação artificial e as emissões de gases que roubam a luz ao planeta Terra. Quantas crianças nascidas e criadas nas grandes cidades não fazem a menor idéia de onde está Vênus, a Via Láctea, a Ursa Maior, o Cruzeiro do Sul… Neste caso, a nova legislação obrigará a um uso mais responsável da luz-ambiente, da construção de prédios nos centros urbanos e ao controlo da poluição. Todas estas ações nos roubam o Céu e as estrelas.


FMA – Ou seja, é hora de preservar muito mais do que edifícios e monumentos?
CF – Corretíssimo! É hora – como diz o presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida – de preservar muito além de prédios de “pedra e cal”. O próprio Iphan indica a importância da preservação dos valores e dos bens culturais. A valorização do patrimônio cultural vai se intensificar a partir da compreensão de seus significados históricos e de seus benefícios sociais e econômicos. A história, o passado, o presente e o futuro passam pela Paisagem Cultural.



“O céu de Brasília deve ser declarado como paisagem cultural por seu valor sublime”.


FMA – Há interferência com o direito de propriedade ou funciona mais ou menos como no caso das RPPNs?
CF – Como as RPPNs, a chancela da paisagem cultural parte da vontade de proteger demonstrada por seus proprietários e usuários. Sob a coordenação do órgão cultural, esses agentes assinam um termo de responsabilidade no qual assumem o compromisso de cuidar da paisagem dentro de certos princípios expressos em um termo de gestão. O descumprimento do compromisso cria o risco de perda da chancela, algo vergonhoso, que muito afetará adversamente o reconhecimento público do valor da paisagem. Um efeito previsível será sobre as atividades turísticas.  Órgãos públicos com responsabilidades sobre a paisagem serão convocados a participar de forma exemplar em sua defesa. Por exemplo, se uma fazenda apresenta áreas protegidas pela legislação ambiental, o Ibama deverá aplicar ali sua ação fiscalizadora de forma mais concentrada.


FMA – Prevista há tanto tempo, porque só agora a questão passou a ser tratada com profundidade?
CF – Por pura falta de interesse dos órgãos culturais. A princípio a questão do patrimônio natural era compreendida pelo Iphan como sendo atribuição de órgãos ambientais. Apenas após o Iphan ter entendido que cultura é muito mais do que edificações, esculturas e pinturas e contando com o total interesse do Ministério da Cultura, tornou-se possível assumir essa responsabilidade.


As paisagens espeleológica são as cavernas tombadas pelo Iphan, como as grutas Azul (Lençõis-BA), de N. S. Aparecida, em Bonito (MS), Terra Ronca (GO)s e outras. Vale lembrar que a responsabilidade pelo patrimônio espeleológico nacional é atribuição legal conferida exclusivamente ao Ibama, salvo quando protegidas pelo tombamento.
Na foto, a Gruta de Maquiné, em Cordisburgo, Minas Gerais, apresenta espeleotemas de rara beleza e é conhecida por ter servido de cenário para o trabalho científico de Peter Lund.


 


O deslumbrante cenário da Chapada Diamantina, em Lençóis, na Bahia.


 


 


 


Parque Estadual do Rio Preto, em Diamantina-MG: paisagem que faz bem aos olhos

 


 


 


Glossário


(1) Arquétipo vem do grego arché: principal ou princípio. É o primeiro modelo de alguma coisa. O termo “arquétipo” é usado por filósofos neoplatônicos, como Plotino, para designar as idéias como modelos de todas as coisas existentes, segundo a concepção de Platão. Nas filosofias teístas o termo indica as idéias presentes na mente de Deus. Pela confluência entre neoplatonismo e cristianismo, termo arquétipo chegou à filosofia cristã, sendo difundido por Agostinho, provavelmente por influência dos escritos de Porfírio, discípulo de Plotino. Arquétipo, na psicologia analítica, significa a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar. Jung usou o termo para se referir aos modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento da psique. Eles são as tendências estruturais invisíveis dos símbolos. Os arquétipos criam imagens ou visões que correspondem a alguns aspectos da situação consciente.
(2) Pareidolia descreve um fenômeno psicológico que envolve um vago e aleatório estímulo, em geral uma imagem ou som, sendo percebido como algo distinto e significativo. Exemplos comuns incluem imagens de animais ou faces em nuvens, em janelas de vidro e em mensagens ocultas em músicas executadas do contrário. A palavra vêm do grego para – junto de, ao lado de – e eidolon – imagem, figura, forma. A pareidolia é um tipo de ilusão ou percepção equivocada, em que um estímulo vago ou obscuro é percebido como algo claro e distinto. Por exemplo, quando alguém vê o rosto de Jesus nas descolorações de uma rosquinha queimada.
(3) Inselbergs o termo vem do alemão, “monte ilha”, é um relevo que se destaca em seu entorno já aplainado, caracterizando-se por ser um relevo residual. São monólitos. No Brasil, é comum Inselbergs graníticos ou granitóides, tendo então uma forma esfeirodal e de alta inclinação, cerca de 40º. É o caso do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Esses relevos são considerados “testemunhos”, pois são os relevos que resistem ao processo de pediplanação e pedogênese.


PATRIMÔNIO CULTURAL


Unesco e a Constituição brasileira definem o que é Paisagem Cultural


Definição segundo a UNESCO
“Os bens naturais devem: ser exemplos excepcionais representativos dos diferentes períodos da história da Terra, incluindo o registro da evolução, dos processos geológicos significativos em curso, do desenvolvimento das formas terrestres ou de elementos geomórficos e fisiográficos significativos, ou
 ser exemplos excepcionais que representem processos ecológicos e biológicos significativos para a evolução e o desenvolvimento de ecossistemas terrestres, costeiros, marítimos e de água doce e de comunidades de plantas e animais, ou conter fenômenos naturais extraordinários ou áreas de uma beleza natural e uma importância estética excepcionais, ou conter os habitats naturais mais importantes e mais representativos para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles que abrigam espécies ameaçadas que possuam um valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação.”


Definição segundo a Constituição do Brasil
“Constituem o patrimônio cultural brasileiro, os bens, de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.