Brincando de Lembrar

22 de outubro de 2008

A ponte continua como referência, mas as águas atualmente são como espelhos quebrados desfigurando as imagens

Vejo-me desgarrado das mãos de minha mãe e correndo para a ponte com o dedinho apontando em direção às águas e gritando: – Olha o rio, mamãe!
Pacientemente, ela ficava por muito tempo conversando e zelando minhas brincadeiras. Eu atirava pedrinhas observando a geometria que se formava nas águas. Lançava uma florzinha silvestre e corria para o outro lado da ponte para vê-la passar. Cuspia seguidamente e dava risadas com o aglomerado de peixinhos em torno da saliva. Muitos encontros foram marcados tendo a ponte como referência. Enquanto esperava, era esplêndido mirar-me nas águas a imagem do céu azulino, das árvores verdejantes e dos pássaros coloridos. A referência  para os encontros continua, mas as águas atualmente são como espelhos quebrados desfigurando as imagens e turvando as finalidades. Suas corredeiras estão bloqueadas e sua sonoridade sufocada.


Repetir as brincadeiras do passado já não fulgura as mesmas emoções. A mais atual seria a de despoluição, mas parece estar fora de moda.


 A tentativa de repetir as brincadeiras do passado já não fulgura as mesmas emoções. A mais atual seria a de despoluição, mas parece estar fora de moda. Além de necessitar um grande número de participantes, o termo brincadeira continua sendo um derivado de criancice. Gosto de ser criança travessa através das recordações, confrontando a possibilidade do hoje com a realidade do ontem. Quero continuar tendo momentos refletivos em cima das pontes, mesmo que os rios estejam pedindo socorro. Sei que a realidade reflete indignação e temor e que o progresso está afastando o homem de suas lembranças. Continuarei desfrutando as emoções dos meus sentimentos acreditando na esperança, pois minhas lembranças não querem parar de existir.