Ecologizando as cidades

22 de novembro de 2008

No contexto da crise energética, o alto preço de energia motivou a busca de soluções arquitetônicas, construtivas e urbanas.

Ecologizar a cidade é cuidar
de sua relação com o meio
ambiente, trânsito,
clima, parques
 e a energia.


 


Maurício Andrés Ribeiro – ENTREVISTA  


Folha do Meio – Como contribuir para redução das emissões de gases de efeitos estufa pelas cidades e pelo ambiente construído?
Maurício Andrés – Os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas) mostraram que há um enorme potencial para reduzir emissões de gases de efeito estufa a partir do ambiente construído.
O IPCC é composto por mais de 2 mil cientistas. Muito se pode fazer para as cidades serem ecologizadas. Pode ser por meio da certificação de construções sustentáveis, de normas para a construção e para o urbanismo, por meio do planejamento de transportes e tráfego urbano. Pode ser por meio do ecodesign de vários tipos. A ecologia urbana e a ecologia industrial são campos das ciências ecológicas com forte potencial para contribuir nessa tarefa.


FMA – Como fica a crise energética neste contexto?
Maurício – No contexto da crise energética dos anos 70, o alto preço de energia motivou a busca de soluções arquitetônicas, construtivas e urbanas que levasse à economia de energia. Quando a crise amainou, esses esforços foram abandonados.
Três décadas depois, neste início do século 21, os temas ambientais, energéticos e climáticos retornaram com intensidade crescente.
Hoje, o tema da arquitetura, da cidade e das construções sustentáveis estão na ordem do dia. Essa questão tende a condicionar o desenho do espaço, à medida que aumentar a escassez e o alto preço da energia derivada do petróleo ou de outras fontes. Dada, também, à gravidade dos impactos que sua exploração e uso causam sobre o ambiente e sobre o clima.  


FMA – Qual a relação entre cidade e energia?
Maurício – Grande parte da energia usada nas sociedades modernas destina-se à construção e operação dos assentamentos humanos, habitações ou cidades, com sua infraestrutura. Ao se construir as habitações, os equipamentos públicos e a infra-estrutura urbana, fazem-se investimentos iniciais de energia, provenientes de fontes variadas: os derivados do petróleo, a lenha, a hidroeletricidade, a energia solar, a energia animal, a força humana etc. A construção dos assentamentos humanos inclui operações diversas, tais como a extração da matéria-prima, seu processamento industrial, o transporte dos materiais de construção e sua montagem na obra.
A cidade é, do ponto de vista energético, um ponto do espaço que importa certas formas de energia, as transforma e exporta de forma desagregada.


FMA – Onde estão os principais gastos?
Maurício – Investimentos permanentes de energia são realizados na etapa de operação dos assentamentos humanos, durante sua vida útil. Principais pontos: a cozinha, o aquecimento de água, a iluminação, a climatização da habitação, a secagem de roupas, a preservação de alimentos, o abastecimento de água, o transporte e a recreação, a comunicação por meio de computadores são algumas das atividades que consomem energia proveniente de várias fontes e que utilizam variados equipamentos ou instalações.


FMA – Quais os maiores gastos de energia nas cidades em climas tropicais?
Maurício – A proporção entre a energia inicial e a energia usada na manutenção é variável de país para país e de edificação para edificação. Como regra geral, no clima temperado ou clima frio gasta-se mais energia de manutenção, devido às exigências de calefação de casas nos invernos e também ao estilo de vida intensivo em energia de suas populações.  
Nos climas temperados precisa-se de luz e sol. Nos tropicais, de sombra e ar para ventilar e dar conforto térmico. Nos climas tropicais, os estilos de vida menos intensivos em energia e as condições climáticas favorecem a conservação de energia na operação dos assentamentos humanos.   Por isso, nos climas tropicais, têm importância especial os investimentos iniciais de energia na construção das edificações e dos assentamentos humanos. Mas, com o aquecimento progressivo, cada vez mais precisa-se usar ar condicionado nos carros, nas casas, nos locais de trabalho, para proporcionar conforto térmico.


FMA – Por que o senhor gosta de usar o termo ecologizar a cidade?
Maurício – É verdade! Ecologizar a cidade é cuidar de sua relação com o meio ambiente, trânsito, o clima e a energia.  Nas cidades vive mais da metade da população mundial. No Brasil, vivem cerca de 80%. O adequado planejamento ou gestão urbana, bem como o ecodesign de construções e das cidades podem contribuir muito para tornar nosso habitat mais sustentável.
As cidades exercem pressão sobre a capacidade de suporte do ambiente ao se abastecerem de água, materiais e construção, alimentos e energia. Gerenciar o ciclo de vida das construções e das cidades, desde a extração de materiais de construção, seu processamento, uso e descarte de resíduos é uma forma de abordá-la do ponto de vista ecológico.


FMA – Como cada cidadão, cada pessoa pode dar sua contribuição ambiental?
Maurício – Cada pessoa pode fazer sua parte, no seu âmbito de ação. Pode mudar seu modo de vida para reduzir seu impacto sobre o ambiente como consumidora, eleitora, trabalhadora e nos vários papéis que desempenha na sociedade.
Existem ações, entretanto, que precisam ser tomadas coletivamente para facilitar que os indivíduos, famílias e grupos sociais adotem estilos e formas de vida mais ecológicas, de forma mais eficiente energeticamente e com menores impactos ambientais ou emissão de gases de efeito estufa.


FMA – Há exemplos de assentamentos humanos sustentáveis?
Maurício – Se compararmos os sistemas de assentamentos humanos de acordo com sua escala, verificamos que na Ásia as redes de centenas de milhares de aldeias souberam se sustentar por milênios com baixa pressão sobre o ambiente. Já as metrópoles modernas são vorazes em consumir recursos naturais e energia e tem uma forte pegada ecológica. O uso de fontes limpas e renováveis de energia e sua conservação são cruciais para reduzir os impactos ambientais e climáticos das cidades.


FMA – O que é a arquitetura ecológica?
Maurício – A arquitetura ecológica resulta do uso de materiais e tecnologia adequados, do aproveitamento climático voltado para a qualidade de vida. Tem características próprias. A casa autônoma pode reduzir suas demandas de energia, alimentos e água, a partir do design ecologicamente responsável.
A arquitetura ecológica é consciente de seus impactos ambientais e climáticos, mesmo aqueles que ocorrem distantes do local em que a obra está sendo construída. Ela economiza energias e materiais, consciente de que o uso ou a exploração de qualquer fonte de energia produz impactos ambientais. E que a energia que se economiza ou que se deixa de utilizar é a que menos polui o ambiente. Que atende a necessidades básicas, individuais e coletivas, e não apenas a demandas supérfluas formuladas e reforçadas por parcela minoritária da população.
A arquitetura ecológica é consciente do clima e das modificações que este sofre em escalas global e local, procurando proporcionar conforto ambiental – térmico, acústico, luminoso – com o menor dispêndio de energia.


FMA – E os impactos socioeconômicos?
Maurício – Sim, a arquitetura ecológica é consciente de seus impactos socioeconômicos e usa tecnologia, material e capacitação humana existentes na região em que vai se construir. Isso significa contribuir para desacelerar a devastação do patrimônio ambiental e para mudar a direção desenvolvimento. Ela busca ser mais autônoma e menos dependente em termos de seu abastecimento de energia, água e alimentos.


FMA – E como ecologizar as profissões que cuidam do ambiente construído?
Maurício – Paisagistas, arquitetos e engenheiros podem atuar no sentido de evitar desperdícios, influir sobre os clientes perdulários e ecologicamente irresponsáveis, modificar a ação dos demais membros da cadeia produtiva da construção civil.
Ecologizar a arquitetura e o urbanismo exigem desenvolver, holisticamente, a percepção sensorial e a consciência ecológica.


Os concursos de arquitetura e obras primas precisam valorizar a arquitetura ecológica. O ecodesign possibilita fazer mais com menos materiais e menos energia.


FMA – Quais as características dos edifícios verdes?
Maurício – Sim, os chamados edifícios verdes ou sustentáveis e a arquitetura bioclimática têm uma característica: usar de forma inteligente a ventilação, a iluminação e a insolação naturais. Eles precisam ser concebidos a partir da formação profissional nas escolas, com um ensino não apenas teórico e conceitual, mas que recolham da prática construída bons exemplos que possam ser adaptados e replicados. Os concursos de arquitetura e obras primas precisam valorizar a arquitetura ecológica. O ecodesign possibilita fazer mais com menos materiais e menos energia.


FMA – Os materiais usados nas construções têm também a ver?
Maurício – Evidente. Os materiais de construção precisam ser selecionados conforme seus mínimos impactos ambientais e climáticos. A redução de desperdícios de materiais é um dos critérios para se avaliar uma arquitetura ecologicamente adequada. A integração do paisagismo e da vegetação às soluções arquitetônicas e urbanísticas precisa ser valorizada.
Nesse contexto de crise climática e de crescente custo ambiental da energia, é urgente que os arquitetos, engenheiros, advogados e demais profissões coloquem a criatividade a serviço de ecologizar o ambiente construído.


FMA – Qual a motivação para editar o livro Ecologizando a cidade e o planeta?
Maurício – Nos anos 70, no contexto da crise energética, Cláudio Martins e eu realizamos em parceria os livros  “Uma Cidade se forma” e “Migrações de um arquiteto” .Ali abordamos os temas da demanda energética do ambiente construído e da necessidade de edifícios e cidades sustentáveis.
Naquela ocasião o alto preço de energia motivou a busca de soluções arquitetônicas, construtivas e urbanas que levasse à economia de energia.
Nos anos 70, as crises do petróleo chamaram a atenção para a finitude desse recurso e para a necessidade de investir em energias limpas e renováveis. 
Quando a crise amainou, esses esforços foram abandonados. Três décadas depois, neste início do século 21, os temas ambientais, energéticos e climáticos retornaram com intensidade crescente. Assim, completamos, atualizamos textos e fundimos o conteúdo daqueles dois livros num único, Ecologizando  a cidade e o planeta.


O livro


O livro tem duas partes
A primeira parte trata de temas locais e da ecologização das cidades, ecossistemas em que vive a maior parte de população mundial e brasileira. Aborda a pegada ecológica das cidades, que exercem pressão sobre a capacidade de suporte do ambiente ao se abastecerem de água, alimentos e energia. Trata da cidade e de sua relação com o meio ambiente, o clima e a energia.  É realçado o tema crucial da relação da cidade com a água. Compara os sistemas de assentamentos humanos no ocidente e no oriente, com o estudo de caso de uma aldeia indiana e um município brasileiro.
A segunda parte aborda a ecologização do planeta.  Estuda os assentamentos humanos a partir dos casos de dois pequenos países-ilha, um socialista, outro capitalista – Cuba e Japão – bem como dois grandes países tropicais, Índia e Brasil. Propõe a cidadania planetária, a economia ecológica e a ação ecologizada, já que o ser humano tornou-se gestor da evolução.
A crise atual da evolução é similar em profundidade àquela que dizimou os dinossauros há 67 milhões de anos e cujos sinais mais evidentes são a extinção de espécies e as mudanças climáticas. 


Público-alvo
O livro se destina a arquitetos, urbanistas, engenheiros, gestores ambientais no setor público e privado e estudantes dessas áreas.
No prefácio, Cláudia Pires, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – MG explica que “Ecologizando a cidade e o planeta” fala de cidades, de práticas cotidianas, de seres sociais, questionando de maneira simples, mas contundente, as necessidades de sobrevivência do homem contemporâneo. Este, além de fazer parte de uma coletividade, é ser vivo e pertence ao ecossistema terrestre, cada vez mais posto à prova, pela escassez de água e por problemas ambientais  de toda sorte”.


FICHA TÉCNICA


156 páginas.  Preço –  R$ 48,00 – Distribuído nas Livraria Quixote, Travessa, Ouvidor (Belo Horizonte); Travessa e Folhas Secas (Rio de Janeiro); Cultura (São Paulo) ou na Editora C/Arte: telefax: 31-34912001.