A NOVA DESCOBERTA DO BRASIL

22 de abril de 2009

A História do Brasil é uma das mais mal contadas do mundo, porque a cultura oral sempre foi mais utilizada que a escrita.


jornalista e historiador Jorge Caldeira


O pior é que a história oficial continua dando pouca relevância ao que pensavam – e pensam – os nativos da Terra Brasilis. O livro de Caldeira, é claro, não comete esse erro de percurso. Um dos relatos mais comoventes e de máxima atualidade, feito por um padre calvinista, Jean de Léry, está lá para mostrar o outro lado da moeda.
É surpreendente ver que, em 1556, Léry descreve o que chama de “economia indígena de dano mínimo aos frutos da terra”. Em contraste com o pensamento do colonizador europeu, ele registra o modo de pensar dos nossos índios, que achavam tola a mentalidade dos “brancos” de acumular, em vida, fortunas para deixar como herança para seus filhos. Sob a perspectiva dos homens de pele vermelha, nus e rústicos, “somente a terra é que deveria nutrir seus filhos”.  
“Na época, essa visão causou grande impacto no Velho Mundo. Hoje, por necessidades ecológicas de pura sobrevivência, a cultura ocidental moderna tenta seguir nesta trilha. Pouca gente se dá conta, mas a base da filosofia do Protocolo de kioto gira em torno do conhecimento da teoria econômica dos nossos índios tupis”, destaca Caldeira. 


Desconhecimento e negação das raízes
A proposta do livro Brasil: a história contada por quem viu, patrocinado pelo Itaú BBA por Lei Rouanet, é mostrar nossas várias e pouco exploradas facetas. “A obra retrata nossa história viva e vivida por personagens famosas e também por pessoas anônimas do povo, que em comum foram testemunhas oculares de acontecimentos fundamentais da vida brasileira”, diz o organizador. 
Segundo Caldeira, o desconhecimento e até negação de nossas raízes, forjadas desde o século 16, com o descobrimento ou “achamento” do Brasil, compromete a percepção e enfrentamento de fatos que hoje afligem nossa sociedade. A voracidade com que a Amazônia é desmatada ou o conflito acirrado pela posse da terra como se vê na Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, situação que o STF acredita ter colocado um ponto final ao determinar a saída definitiva dos arrozeiros do local para que somente os indígenas vivam ali, são exemplos de problemas de origem histórica, que pela complexidade não se resolvem com simples canetadas.
“Entre os últimos textos do livro, está o assassinato do índio pataxó, queimado vivo, em 1997, por jovens da classe média de Brasília. O fato tem forte simbolismo: a dificuldade do brasileiro de perceber a importância dos índios na formação da nossa cultura. São eles que guardam o conhecimento de nossas florestas, a tecnologia de viver nos trópicos, a alimentação que enriqueceu o cardápio dos ocidentais por meio da cultura de produtos como batata, mandioca e tomate. O Brasil e o mundo herdaram tudo isso, mas negamos o valor desta herança”, enfatiza o jornalista Jorge Caldeira.


 


História
do Brasil


O que falta contar


Livro organizado pelo jornalista e historiador Jorge Caldeira traz relatos inéditos, de testemunhas oculares, desde a chegada de Cabral ao litoral baiano a fatos mais recentes.
Ele afirma que a História do Brasil é a história da destruição da floresta tropical e uma das mais mal contadas do mundo.
E faz uma revelação surpreendente: a base da filosofia do Protocolo de Kioto gira em torno do conhecimento da teoria econômica dos nossos
índios tupis.


 


Denúncias corajosas


Outro relato interessante data de 1859. O advogado e professor Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, faz, do Ceará, uma das primeiras descrições da seca que, segundo ele, há tempos assolava o Nordeste brasileiro. Ele afirma que se trata de “fenômeno progressivo na região”, ao qual atribuiu o desmatamento, provocado pelas culturas de algodão e café, como causa principal. Dessa época, o livro também resgata relatos da fome que atingia as populações le as precárias condições sanitárias do País, com altos índices de morte provocada por doenças tropicais que os médicos tinham dificuldade de diagnosticar e tratar.
Em 1970, uma reportagem assinada pelo jornalista Murilo Melo Filho ressalta que fortunas haviam sido “tragadas” pela floresta, reação da natureza a  empreendimentos equivocados como a estrada Transamazônica e a ambiciosa ferrovia Madeira-Mamoré. Ele aproveita o espaço para fazer uma denúncia, que facilmente pode ser transposta para os nossos dias:
“Começaram a surgir, dentro e fora do Brasil, as mais engenhosas manobras e campanhas contra a construção da estrada [a Transamazônica], a começar por aquela suspeita segundo a qual ela privará a humanidade de muito oxigênio e assim ameaça o equilíbrio ecológico da terra”.     
Um aviso: o livro de Jorge Caldeira é um calhamaço de mais de 600 páginas, mas surpreende pela leveza da leitura. Foram cuidadosamente reunidos 173 depoimentos, curtos e intensos, que cobrem desde a chegada de Cabral no litoral baiano até o final do século XX. A reação do público mostra o valor da obra: a primeira edição de 8 mil exemplares, lançada em dezembro do ano passado, esgotou em poucos dias. A segunda edição está vendendo bem nas livrarias e uma terceira já está sendo cogitada.   
“Queria ver um exemplar do livro em cada biblioteca do País. O fato é que a História do Brasil é uma das mais mal contadas do mundo, pois entre nós a cultura oral sempre foi mais importante que a escrita. É mais do que tempo de conhecermos a nossa história real, pois ela tem muitas soluções e méritos a oferecer. Isso só vai contribuir para que o Brasil assuma seu papel estratégico no cenário global, especialmente nas questões de preservação e geração de energia limpa”, conclui Jorge Caldeira.



Ficha técnica
Editora Mameluco