Transposição x revitalização

22 de abril de 2009

Projeto para o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Bacia hidrográfica é uma das ações mais importantes para revitalização do rio São Francisco

Foz do Rio são Francisco entre os estados de Alagoas e Sergipe – local muito visitado por turistas de todo o mundo


(Foto: Guilherme Déstro)


 


 


 


 


 


 


 


Entrevista


Bióloga Giovana Bottura, Mestra em Ciências da Engenharia Ambiental e Coordenadora de Zoneamento Ambiental e Analista Ambiental do Ibama.


 


 


 


FOLHA DO MEIO – O projeto de revitalização é uma resposta às críticas pelo projeto da transposição?
GIOVANA BOTTURA – A Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do MMA realiza projetos de revitalização também em outras Bacias Hidrográficas, como a do Alto Paraguai, Tocantins/Araguaia e Água Doce. A prioridade de ação é estabelecida por critérios técnicos. A Bacia do São Francisco, além da intensa ação antrópica, é uma bacia importante pois integra uma grande parcela do território nacional e congrega usos múltiplos, sou seja navegação, pesca, turismo e lazer, irrigação, uso hidrelétrico, abastecimento. Os múltiplos usos da água sempre geram muitos conflitos, neste sentido, acredito que o projeto de transposição seja um novo elemento neste cenário e talvez tenha elevado a necessidade de ordenamento das atividades, visando sua conservação e recuperação ambiental, que de qualquer maneira seria pauta urgente do MMA.


FMA – O que é o diagnóstico para o Macrozoneamento Ecológico Econômico da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco?
GIOVANA – O projeto para o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Bacia hidrográfica do São Francisco – BHSF é uma das ações mais importantes para e revitalização do rio  São Francisco.  O projeto começou no primeiro semestre de 2005, após aprovação do termo de referência e formação de um Grupo de Trabalho Técnico. Nós da Coordenação de Zoneamento Ambiental do Ibama fomos  convidados para fazer o diagnóstico de biodiversidade. Isso foi em abril de 2006, quando fizemos a primeira reunião técnica com especialistas em biodiversidade da região. Na ocasião, foram selecionadas mais de 300 espécies da flora e fauna, além de cavernas e unidades de paisagens, que serviram como indicadores para a conservação desta Bacia.
 
FMA – Quais os biomas presentes na bacia, qual sua importância e estado de conservação?
GIOVANA – Estão presentes na bacia três biomas: Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. Dois deles são considerados Hotspots (1)  para conservação, que é o Cerrado e Mata Atlântica. Por quê? Justamente por possuírem elevada riqueza de espécies e alto grau de endemismos (2), além de estarem seriamente ameaçados.
O Cerrado é o bioma que ocupa a maior parte da bacia e que possui ainda grandes remanescentes naturais, todavia, bastante ameaçado pela expansão agropecuária. A Caatinga também se destaca por ocupar parte significativa na bacia e também pelo elevado grau de endemismo de flora. A Caatinga está também ameaçada pela expansão agropecuária, pelo uso inadequado de técnicas de irrigação e pela conversão de vegetação em carvão vegetal.
A Mata Atlântica, por fim, é o bioma de menor extensão na bacia e está restrita às nascentes e foz. Restam, atualmente, poucos remanescentes florestais devido à histórica ocupação predatória.



FMA – Que instituições participaram do projeto?
GIOVANA – A ação foi coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente e desenvolvida por meio do Consórcio ZEE-Brasil. O consórcio ZEE-Brasil é constituído por instituições públicas que alinham competências e expertise para o desenvolvimento de projetos e a otimização de recursos financeiros e humanos dentro do ZEE Brasil.


FMA –  Mas quem participou?
GIOVANA – Foi dividido assim: O meio físico da bacia foi caracterizado pela CPRM; o meio natural pela Embrapa, IBGE e CPRM; o sócio-econômico pelo IBGE; o jurídico-institucional pelo membro convidado da Fundação Joaquim Nabuco e, finalmente, o diagnóstico de biodiversidade, realizado pela Coordenação de Zoneamento Ambiental do Ibama.


FMA – Essas discussões foram apenas no âmbito das entidades ou houve uma participação maior da comunidade.
GIOVANA – Houve sim. E houve até um fórum virtual, criado para tornar o processo ainda mais participativo. Entre as entidades foram definidas as diretrizes e conceitos sobre a metodologia a serem utilizadas.


FMA – Quer dizer então que os levantamentos realizados serão importantes ferramentas para o planejamento de ações de conservação na BHSF?
GIOVANA – Sim. Entre as ações propostas estão o monitoramento da biodiversidade, planos de ação específicos para espécies ameaçadas, inventários de biodiversidade, estudos de processos ecológicos e evolutivos e ações de proteção e controle, assim como ações de recuperação de habitats e/ou mitigação dos impactos por atividades humanas. É importante salientar que entre as estratégias abordadas se destacaram a criação, implementação e ampliação de Unidades de Conservação (UCs),a elaboração e revisão de seus planos de manejos e a formação de corredores ecológicos e/ou mosaicos de unidades.



Onça-parda (Puma concolor), animal
ainda bem distribuído na Bacia do Rio São Francisco


 


FMA – Qual o total da área hoje ocupada por Unidades de Conservação?
GIOVANA – Olha, em toda área da bacia há 130 UCs, sendo 43 de Proteção Integral e 87 de Uso Sustentável. Elas são administradas ou pelos municípios, pelos cinco estados ou pelo MMA. Os tamanhos variam de 2,13 hectares (Parque Municipal Mata das Borboletas) a 1.235.000,00 de hectares (APA Lago de Sobradinho). Apesar do número aparentemente grande de Unidades de Conservação, em um total de 63 milhões de hectares da área da bacia, há apenas 1,57% da bacia ou, aproximadamente, hum mil de hectares de áreas de Unidades de Conservação de Proteção Integral – UCPI (3).
Em relação às Unidades de Conservação de Uso Sustentável – UCUS (4) existem atualmente um total aproximado de 8,83% da bacia ou cinco milhões e meio de hectares de áreas protegidas.


FMA – E quanto à fauna e flora da região?
GIOVANA –  A Bacia do Rio São Francisco possui uma grande riqueza de espécies. Além de espécies extremamente ameaçadas como o pato mergulhão (Mergus octosetaceus), a onça-pintada (Panthera onca) e o cachorro-vinagre (Speothos venaticus), possui espécies únicas como o cara-dourada (Phylloscartes roquettei) e o bagre cego (Trichomycterus itacarambiensis), bem como o único ponto de registro de espécies animais, como o do roedor Phyllomys brasiliensis.


 Foto: Marcelo Pontes Monteiro
Espécies indicadoras de qualidade ambiental, como o soldadinho (Antilophia galeata), são a base para a indicação de Áreas Importantes para a Conservação da Biodiversidade


 


 


FMA – E as áreas de beleza cênica, áreas para o ecoturismo?
GIOVANA –  O rio desde sua nascente, na Serra da Canastra, já de uma beleza indescritível. A começar pela nascente histórica na Casca D?Anta. E na nascente geográfica no rio Samburá. As barragens, os canyons, as cachoeiras, as lagoas marginais e as dunas do São Francisco, localizadas na Bahia, e a foz maravilhosa no , tudo tem uma beleza única. Ainda, há grandes áreas de ocorrência de cavernas e as próprias lendas e histórias que envolvem a história do grande rio.


FMA – E os corredores ecológicos?É possível interligar reservas legais, fragmentos e Áreas de Preservação Permanente?
GIOVANA – A metodologia utilizada seguiu a escala 1:250.000, mesma do mapeamento dos remanescentes que existem para a área da bacia. Assim, nesta escala, pode-se utilizar o corredor ecológico como instrumento de gestão ambiental. Em uma escala mais refinada, pode-se também trabalhar com corredores ecológicos em seu sentido restrito, favorecendo o fluxo gênico, ou seja, buscando a conexão dos remanescentes de vegetação e testando sua funcionalidade a partir do monitoramento da movimentação de espécies da fauna. Durante a reunião de validação, a criação de corredores ecológicos foi sugerida como estratégia de conservação para as nascentes do rio São Francisco e para o complexo do Norte de Minas, na região dos Parques Nacionais Grande Sertão Veredas e das Cavernas do Peruaçu.


FMA – Como está a proposta de criação do Parque Boqueirão da Onça, em Sento Sé, Bahia?
GIOVANA – Sua criação foi sugerida durante a reunião de validação deste projeto, e a relevância deste Parque como área de ocorrência da onça-pintada e outras espécies importantes da fauna já foram comprovadas. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade está finalizando a proposição desta Unidade de Conservação. Em dezembro de 2008 foram realizadas audiências públicas nos municípios de Sento Sé, Campo Formoso e Juazeiro. Esperamos que em breve saia o decreto que cria o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, que prevê a conservação de 800 mil hectares de Caatinga muito bem conservada.


FMA – Diagnósticos prontos, resultados publicados, qual o próximo passo?
GIOVANA – Todo este trabalho tem uma finalidade, nortear os investimentos no âmbito do Programa de Revitalização do Rio São Francisco. Porém, espera-se que os estados e municípios também se apropriem das bases de informação, das metodologias e dos produtos síntese do ZEE para construir seus próprios indicativos de uso e conservação.
O MMA vai investir na criação dos centros de capacitação que servirão a vários municípios da bacia. Estes centros vão implementar muitas ações para o zoneamento. Além da capacitação, haverá ações de educação, abordando questões ambientais, sociais e culturais.


glossário


Hotspots – Para cada área tem um significado. A palavra, em inglês, significa ponto quente, ponto mais importante, ponto de acesso. Quem criou este conceito foi o ambientalista inglês Norman Myers, em 1988, para resolver um dilema dos conservacionistas: quais as áreas mais importantes para preservar a biodiversidade na Terra? Ao observar que a biodiversidade não está igualmente distribuída no planeta, Myers procurou identificar quais as regiões que concentravam os mais altos níveis de biodiversidade e onde as ações de conservação seriam mais urgentes. Ele chamou essas regiões de Hotspots.
(2) Endemismo – O termo vem do grego, endemos, que significa indígena. Na zoologia e na botânica, endemismos é especifidade de origem de uma planta ou animal. O endemismo é causado por mecanismos de isolamento, alagamentos, movimentação de placas tectônicas.
(3) UCPI – Unidades de Conservação de Proteção Integral são os parques nacionais, estaduais e municipais, bem como as estações ecológicas, reservas biológicas e refúgios da vida silvestre.
(4) UCUS – Unidades de Conservação de Uso Sustentável são áreas de proteção especial, exclusivas de Minas Gerais, como florestas nacionais e federais e reserva de desenvolvimento sustentável.