Ponto de Vista

Decifra-me ou te devoro!

18 de junho de 2009

    A Esfinge, com sua cabeça de mulher, corpo de um leão e asas de águia, foi enviada à cidade de Tebas pela deusa Hera. Depois de destruir os campos e afugentar os moradores, passou a interpelar os viajantes: O que possui quatro pernas pela manhã, duas pernas à tarde e três pernas ao… Ver artigo

 

 


A Esfinge, com sua cabeça de mulher, corpo de um leão e asas de águia, foi enviada à cidade de Tebas pela deusa Hera. Depois de destruir os campos e afugentar os moradores, passou a interpelar os viajantes:
O que possui quatro pernas pela manhã, duas pernas à tarde e três pernas ao anoitecer?
E, ameaçando: – Decifra-me ou te devoro!
Quem não decifrava o enigma, era devorado.
Nestes tempos bicudos, quando parece não existir mais dúvida de que os seres humanos devam tomar um outro caminho, que garanta a viabilidade da espécie, são muitos os que consideram que a questão ambiental é o grande enigma a ser decifrado pela humanidade.
Por questão ambiental entenda-se as pervertidas relações que nós, humanos, temos com o meio ambiente. Até porque, sem os humanos, a natureza estaria por aí, com suas regras simples e claras, sem questão ambiental nenhuma para ser resolvida
Portanto, nós é que somos o problema.
E o somos porque, a cada etapa de nosso processo evolutivo, nos distanciamos mais e mais do mundo natural. Nos distanciamos a ponto de acreditar, por exemplo, que a natureza humana já é feita de uma outra natureza.
Muitos de nós já nem mais sabe que cheiro tem a chuva quando cai na terra. Somos poucos os que deixam de se incomodar com o vento quando ele desalinha nossos cabelos. Menos ainda os que não se enervam com o monótono zumbido da cigarra.
Mas, somos muitos os que tornaram-se intolerantes com o canto do galo, amedrontados com o pio rouco da coruja, ou com o silêncio quase absoluto de uma noite de lua nova.
Somos nós, estes que se distanciaram tanto, que chegamos a sentir a falta do cheiro da fumaça dos veículos, a lamentar a ausência do conhecido odor de esgoto de um rio condenado. Somos nós, os que, de forma inconsciente, em lugar do canto do grilo, desejam o ronco dos motores, a sirene da ambulância, as buzinas e as ensandecidas frenagens. Que em lugar da suave luz do vagalume, preferem os estriônicos flashes dos shopping centers…
Por isso, a cada arranha-céu mais alto, a cada vôo espacial mais longo, a cada carro mais veloz, a cada novidadeira mania da informática, da robótica, da química fina, da biotecnologia, reafirmam-se as conquistas humanas sobre o mundo natural Porque é necessário deixar patente que nos libertamos do mundo animal, do mundo das paixões vis, da escuridão, do mundo da ignorância e do medo.
Para esconder nosso medo é preciso esconder nossa condição animal.
Por isso, reafirmamos tanto que somos de uma outra natureza. E quanto mais nos distanciamos da natureza, mais a agredimos.
 Entretanto, quanto mais longe dela, menores serão as nossas chances.
Não… Nós somos natureza também! Essa é a constatação retumbante, verdadeira, sensata, resolutiva, demolidora.
É preciso decifrar o enigma. Na essência da resposta, ouso dizer, está nossa reaproximação com o mundo natural. E, não é preciso abrir mão de muitas das conquistas científicas e tecnológicas que a humanidade, a duras penas, realizou. É tão somente fazer o movimento de volta. Em lugar de ir, voltar.
Até porque, só temos ido. É hora de voltar. Voltar não é, necessariamente, retroceder. Voltar nem sempre significa atraso ou arrependimento. Voltar à procura da paz. Voltar em busca da harmonia. Voltar para reascender uma ética perdida entre os homens; e entre eles e o mundo natural. Voltar trazendo a solidariedade como prova de nossas novas intenções e relações.
Na mesma mitologia grega que criou a Esfinge, Édipo derrotou-a, solucionando o enigma: – O que possui quatro pernas pela manhã, duas pernas à tarde e três pernas ao anoitecer?
Respondeu ele:
O amanhecer é a criança engatinhando, o entardecer é a fase adulta, que usamos ambas as pernas, e o anoitecer é a velhice quando se usa a bengala. Portanto,a resposta é: o homem.
Acabamos de comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente. São poucos os que não se apercebem que o grande enigma a ser decifrado pela humanidade é a questão ambiental. Mas, ainda são muito poucos os que perceberam que a questão ambiental é a própria conduta humana.
Decifra-me
ou te devoro!


Mais Informações


Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do Conama.