Rio São Francisco

Revitalização e transposição

24 de novembro de 2009

Lula e Geddel acompanham as obras do rio São Francisco

A questão ambiental está sendo levada em alta consideração. O Ibama estabeleceu 36 programas básicos que visam  minimizar os impactos ambientais.


O  ministro Geddel Vieira Lima explica que a integração do Rio São Francisco às bacias dos rios temporários do semiárido será possível com a retirada contínua de 26,4 m³/s de água, o equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1850 m³/s) no trecho do rio onde se dará a captação. “O projeto é de grande alcance no abastecimento da população rural, por meio de centenas de quilômetros de canais, leitos de rios perenizados e por intermédio de adutoras para o atendimento de um conjunto de localidades”, salienta Geddel.
Estão sendo construídos dois eixos de canais: o eixo Leste, que abastecerá   o agreste e o sertão de Pernambuco e da Paraíba, a ser concluído no final de 2010, podendo ser inaugurado pelo presidente Lula, e o eixo Norte, que levará a água para  Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e estará concluído no final de 2012, durante o próximo governo. Deixaremos a obra, pela sua importância, em estado de absoluta irreversibilidade para que tenha prosseguimento sem problemas pelo próximo governo, afirma o ministro Geddel Vieira Lima.
Para o ministro, este montante hídrico será destinado ao consumo da população urbana de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos quatro estados do Nordeste Setentrional. Nos anos em que o reservatório de Sobradinho estiver vertendo, o volume captado poderá ser ampliado para até 127 m³/s, contribuindo para o aumento da garantia da oferta de água para múltiplos usos. Os técnicos garantem que o projeto é bem mais amplo, pois promove a revitalização do rio São Francisco por meio da plantação de matas ciliares nas margens, para o combate ao assoreamento do rio, recuperando a navegabilidade de trechos tomados por bancos de areia e criando hidrovias para o escoamento da produção regional. Além disso, um de seus aspectos mais importantes são as obras de saneamento básico nas cidades ribeirinhas, evitando a proliferação de doenças.  Vamos à entrevista com o ministro Geddel Vieira Lima.


Entrevista 


Ministro GEDDEL VIEIRA LIMA – PERFIL


Geddel Vieira é considerado um profissional da política. Deputado federal desde 1991, sempre pelo PMDB. Filho do ex-deputado Afrísio Vieira Lima, de quem herdou a combatividade na defesa de suas idéias, é um parlamentar dinâmico e coerente em suas posições, tendo sido reeleito sete vezes para a liderança do partido na Câmara dos Deputados. Ainda jovem começou a trabalhar na administração pública, tendo sido diretor do antigo Banco do Estado da Bahia, posteriormente assessor da Casa Civil da Prefeitura de Salvador, e diretor de empresas públicas como a Embasa (Saneamento) e Emater (Extensão Rural).


O hoje ministro da Integração Nacional, tal como seu pai, foi um dos mais aguerridos adversários do ex-governador Antonio Carlos Magalhães, de quem criticava os métodos violentos de agir na política. Mas isso não o impediu de ser fraternal amigo do deputado Luis Eduardo Magalhães, filho do falecido senador, de quem era vizinho e confidente. Correligionários e adversários destacam a coerência de Geddel em suas posições, mesmo se discordando delas. Tem fidelidade aos acordos.
Geddel mantém bom relacionamento com todos os parlamentares, independente de posições partidárias, e foi indicado pelo presidente Lula para o Ministério da Integração Nacional após ter contribuído para a vitória do petista Jaques Wagner ao governo da Bahia, na eleição de 2006. Agora ele é candidato a suceder ao próprio Wagner no governo baiano, tendo sido desfeita a aliança anterior com o PT, mas sem alterar seu relacionamento pessoal e administrativo com o Presidente da República. Na Câmara foi ainda Primeiro Secretário da Mesa, de 2003 a 2004.
Geddel comanda o maior projeto do governo, o da integração e revitalização do rio São Francisco, uma aspiração regional desde os tempos do império. O ministro foi também grande amigo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem conversava sobre política e administração com frequência.  Geddel conhece toda a Bahia, cujas cidades do interior costuma visitar nos fins de semana, desde que entrou na política. Sob sua liderança o PMDB cresceu bastante no Estado,  e  nas ultimas eleições municipais elegeu 115 prefeitos.  Sua participação foi também decisiva para reeleger o prefeito João Henrique, de Salvador. 



Folha do Meio – Qual a importância do projeto de revitalização do rio São Francisco?
Geddel  – Eu diria que este é um dos mais importantes projetos já realizados na história do nosso Brasil. A idéia é do tempo do Império, mas precisou haver um brasileiro decidido, como o presidente Lula, para iniciar os trabalhos, que já seguem avançados.
Bastaria dizer que 12 milhões de brasileiros que vivem no semiárido nordestino passarão a ter água para consumo e para a produção. Surgirão novas oportunidades de trabalho que ajudarão a fixar a população no meio rural, e esse grande número de habitantes terá um novo horizonte de esperanças, que lhes eram antes negadas pela natureza adversa e pela falta de ação do homem.


FMA – E esta polêmica toda em torno do projeto?
Geddel – Todo grande projeto, todo projeto audacioso,  tem sua dose de polêmica. A construção de Brasília – hoje reconhecida como fundamental para o Brasil – nasceu criando uma grande polêmica. A construção de Itaipu foi polêmica e hoje o Brasil não sobrevive sem a energia gerada por Itaipu. E assim é o projeto da transposição.
O fato é que este é um projeto inteligente que levará água a uma população carente e tratará também da revitalização do rio, através de obras de saneamento nas cidades ribeirinhas, também já em fase de execução, eliminando com isso focos de propagação de doenças. 
As margens do rio estão sendo recuperadas com a plantação de árvores e outras espécies nativas adequadas para evitar o assoreamento e a degradação do meio ambiente.


FMA – O senhor quer dizer que este é um projeto maior?
Geddel – Justamente. O projeto não é simplesmente para levar água para as regiões dela necessitadas, mas um completo programa de incorporação de uma vasta região do país ao processo produtivo, aumentando as oportunidades de emprego e renda para a população.
A questão ambiental está sendo levada em alta consideração na execução de todo o projeto. O Ibama estabeleceu 36 programas básicos que visam a eliminação, minimização e controle dos impactos ambientais provocados pelo grande empreendimento.  Todos eles estão em fase de implantação.
A destacar igualmente os trabalhos de drenagem de vários trechos do rio, de modo que a navegabilidade seja retomada para a formação de uma hidrovia, como no trecho entre Ibotirama e Juazeiro, na Bahia, pela qual será feito o escoamento da produção regional. A meta á atingir 320 km de hidrovia navegável.



FMA – Ou seja, a obra tem outras dimensões, além da social?
Geddel – É verdade. É uma obra de tamanha importância social, econômica e humana, eu diria também, porque levará água a quem tem sede e dela não dispunha nem para beber. Surpreendente e lamentável é que tal iniciativa tenha sido postergada por mais de um século e durante todo esse tempo a população nordestina das regiões semiáridas sofreram sem nenhuma perspectiva de melhoria de sua condição. Convenhamos que foi demais.  Nossos irmãos não mereciam esse verdadeiro castigo, esse desinteresse dos governos passados.


FMA – Como o senhor se sente como nordestino, baiano, comandando a execução deste projeto?
Geddel – É para mim, sem dúvida, motivo de grande alegria e estímulo a mais para a dedicação a essa obra.  Sou nordestino da Bahia, assim como o presidente o é de Pernambuco, e ele sofreu desde garoto as amarguras da seca, da pobreza, das migrações, da busca por uma melhor oportunidade. Mas não é o aspecto regionalista que destaco, apesar dessas citações.
É uma obra de vulto nacional, pois ajudará a reduzir os desníveis regionais e vai incorporar doze milhões de pessoas ao processo produtivo do país, do qual estavam marginalizados. É preciso lembrar que a distribuição das fontes de água no país é muito desigual. A Amazônia, com cerca de 10% da população brasileira, detém 70% da disponibilidade da água doce do País. O Nordeste, com 30% da população nacional, dispõe de apenas 3% de toda a água doce do Brasil. Essa desigualdade é no próprio Nordeste.
A bacia do São Francisco concentra 63% da disponibilidade de água da região nordestina, sendo que 95% de sua vazão vão para o mar. A bacia do rio Parnaíba (Piauí/Maranhão) detém 15% da água disponível no Nordeste. Essas duas bacias dispõem de 78% das disponibilidades de água da região.
As bacias dos rios intermitentes nordestinos detêm apenas 22% da água disponível, os quais se concentram em alguns açudes estratégicos de grande porte e em aquíferos profundos próximos à Zona Costeira. Em compensação, 2/3 da população residente estimada para 2025 vivem justamente nessas bacias deficitárias.


FMA – Mas o senhor não acha o projeto muito polêmico?
Geddel –  Não é tão polêmico assim, mas claramente suscitou um debate amplo sobre o semiárido nordestino e as diversas maneiras de tentar superar as agruras da natureza naquela região. Houve e ainda há muitos debates, mas deles se pode extrair sempre uma contribuição positiva para o aperfeiçoamento do projeto, desde que as idéias sejam expostas com boa fé e o interesse de realmente contribuir.


 



A ilustração mostra os eixos de integração e as adutoras construídas e planejadas


FMA – Esta polêmica não é negativa para a obra?
Geddel – Uma polêmica negativista e destruidora não interessa ao projeto do rio São Francisco nem a nenhum outro programa de governo ou do setor privado. Quando se debate é para elevar o nível de propostas, não para destruir sem nada a apresentar, ou simplesmente criticar por questões políticas, de preconceito ou simples desconhecimento do fato.
Sou inteiramente aberto ao debate, mas com objetivo construtivo. Temos argumentos para justificar amplamente o acerto das decisões do governo sobre o projeto do rio São Francisco.
Desta vez, realmente, uma população sofrida e quase abandonada terá sua oportunidade, graças ao presidente Lula.


FMA – O senhor então admite a polêmica…
Geddel – Se for admitida a polêmica pelo fato de haver opiniões contrárias e a favor isso acontece em qualquer iniciativa, especialmente como esta, que podemos considerar do tipo revolucionário. 
Afinal a seca, a falta de água crônica no Nordeste é um problema histórico, que jamais teve ações corretivas que alcançassem sucesso. Eram geralmente paliativos, como a construção de açudes, poços artesianos, alguns dos quais tinham suas águas simplesmente evaporadas pela ação do sol causticante.
Tudo que é inovador causa polêmica. Espero sempre que da polêmica surjam luz e idéias. Ir muito além do debate preconceituoso.


FMA – Vamos a outra questão: os benefícios são proporcionais ao custo da obra?
Geddel – Obviamente que sim, se mensurada a resposta a nível econômico. Se for dimensionar as vantagens nos aspectos sociais a obra não teria preço. O governo aplicará um total de R$ 5 bilhões no projeto do São Francisco, e na verdade será um plano de desenvolvimento econômico e social para uma vasta região.
Serão beneficiados centenas de municípios que passarão a dispor de água para consumo, irrigação, agricultura familiar, saneamento básico.
 As obras já representam um incremento à economia da região, ocupando oito mil trabalhadores, que em breve chegarão a dez mil.



FMA – E o programa de revitalização…
Geddel – A revitalização do rio permitirá também o desenvolvimento da pesca profissionalizada, gerando oportunidades para os cerca de 70 mil pescadores artesanais que nas águas do rio buscam o sustento para suas famílias. Ainda em relação ao meio ambiente estão sendo executados estudos do bioma da caatinga, abrangendo a fauna e a flora e os sítios arqueológicos. O saneamento e a recuperação das margens com a plantação de matas ciliares acabará a degradação ambiental provocada pelos esgotos e agrotóxicos oriundos das plantações e que comprometem a qualidade da água consumida pela população ribeirinha.



O presidente Lula, a ministra Dilma Rousseff e o ministro Geddel Vieira Lima acionaram, dia 15 de outubro, o dispositivo de implosão em trecho do canal do Eixo Leste do Projeto São Francisco


 



A cima: 1) Geddel conversa com o ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente. Ao lado: 2) Lula e Geddel Vieira Lima fazem visita noturna ao canteiro de obras do Projeto São Francisco


 


Ministro explica gestão das águas


 Onde for pesquisado, haverá benefícios resultantes do projeto de revitalização do rio São Francisco na região. No aspecto ambiental, humano, agropecuário e industrial.


FMA – O senhor acha que o projeto vai evitar a indústria da seca, ou seja, os gastos periféricos nos períodos das grandes secas?
Geddel – Evidente. Este é outro dado importante que tem que ser destacado em relação ao custo do projeto. Nos últimos anos, em períodos de grandes secas, os gastos do governo, através do DNOCS e outros organismos para a formação de frentes de trabalho, distribuição de cestas básicas e fornecimento de água em carros pipa chegavam a uma média de R$ 8 milhões por década. Recursos gastos emergencialmente, com resultados pontuais, que poderão ser economizados a partir do projeto do São Francisco. 


FMA – Os opositores afirmam que a água retirada poderá fazer falta aos estados doadores.
Geddel – Este é um receio sem fundamento algum, a não ser que seja pretexto para criticar o projeto, unicamente por criticar. Houve estudo técnico apurado. Os Estados a serem beneficiados serão Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.  Convém lembrar que o projeto do São Francisco foi precedido de amplo debate com todos os setores ligados à região, antes de serem iniciadas as obras. Todos os detalhes foram estudados à exaustão.


FMA – Qual o volume de água a ser transposto?
Geddel – Esta é uma boa questão. A integração do rio São Francisco às bacias dos rios temporários do semiárido será feita com a retirada contínua de 26,4 metros cúbicos por segundo de água, o equivalente a 1,4 % da vazão garantida pela barragem de Sobradinho no trecho do rio onde se dará a captação. Esse montante hídrico será destinado ao consumo da população do sertão e do agreste dos quatro estados do Nordeste setentrional.
De outra forma a água correria para o mar, sem aproveitamento.  Todos os estudos técnicos foram cuidadosamente realizados, e a retirada desse volume mínimo de água não causará nenhum prejuízo ao percurso do rio. Não haverá prejuízos econômicos ou ambientais para os estados banhados pelo rio São Francisco, ressalvando uma pequena redução da geração de energia nas usinas da Chesf, o que não causará o menor problema, uma vez que o Nordeste está interligado ao sistema nacional de distribuição de energia. No caso de Minas, por exemplo, a captação de água ocorrerá centenas de quilômetros depois de o rio ter deixado o território mineiro. A primeira captação será feita após a barragem de Sobradinho, na divisa entre a Bahia e Pernambuco, num trecho cuja vazão já está regularizada por essa represa, o que também afasta o risco de afetar a navegação, os projetos de irrigação ou o abastecimento das cidades ribeirinhas dos dois Estados.


FMA – Qual o volume de água a ser transposto?
Geddel –  A segunda captação será feita no lago de Itaparica, também na divisa entre Bahia e Pernambuco, onde não causará qualquer impacto econômico ou ambiental. Os Estados de Alagoas e Sergipe não serão afetados, porque a vazão do rio nesses Estados é plenamente regulada pelas represas da Chesf, que alterou as condições originais do rio próximo da foz.
É importante destacar um aspecto relevante: as duas captações representarão apenas 26 metros cúbicos por segundo.


FMA – Há casos de transposição em outros países com resultados negativos, inclusive com fortes prejuízos ambientais.  
Geddel – Não as conheço e por isso não poderia comentá-las.  Mas há registro de várias obras de integração de bacias hidrográficas de sucesso na África do Sul, Egito, Estados Unidos, Equador, China, Espanha e outros países.  Tampouco deveria comentá-las, pois nosso interesse é exclusivo sobre o Brasil.
Em São Paulo e no Rio há sistema de abastecimento de água baseado na mesma tecnologia que está sendo usada no São Francisco, e todos funcionam corretamente. E em Sergipe foi realizada a primeira transposição de águas do São Francisco com amplo sucesso.


FMA – Como será a gestão das águas do rio São Francisco levadas para os Estados? 
Geddel – A comprovação da viabilidade financeira do projeto do São Francisco será avaliada com base nos mecanismos e valores de cobrança pela prestação do serviço de adução de água propostos nos estudos apresentados, com dois mecanismos: a cobrança pelo serviço de adução de água bruta e o estabelecimento de garantias para a entidade operadora federal do projeto. Isso considerando-se  os custos operacionais, pois os do investimento são integralmente assumidos pelo Ministério da Integração Nacional.
 
FMA – E os mecanismos de cobrança?
Geddel – O mecanismo de cobrança proposto corresponde ao pagamento pela prestação do serviço de adução de água bruta da bacia hidrográfica do rio São Francisco para as bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional e divide-se em três parcelas: tarifa de demanda, de consumo e de leilão.


 


Cuidados especiais


São Francisco: um rio que clama por revitalização


O ministro Geddel Vieira Lima destaca que o rio São Francisco será bem tratado pela primeira vez em sua existência. Ao longo de décadas, esgotos eram jogados em suas águas, resíduos de toda espécie, as margens assoreadas pela destruição da vegetação, as águas tornadas impuras, a pesca predatória quase liquidando o potencial econômico do rio em termos de piscicultura, além de afetar a navegabilidade daquele que seria o rio da integração nacional. Obviamente não se trata apenas de levar a água para outras regiões, mas de um projeto completo, incluindo a revitalização do Velho Chico.
Mais importante, a colocação de saneamento básico nas cidades ribeirinhas, o que já vem acontecendo em estágio adiantado. Com isso a população terá mais saúde, cairá o número de doenças transmissíveis pela contaminação da água e falta de esgotos, sendo que muitas cidades beneficiadas nunca dispuseram desses serviços, incluindo o tratamento de resíduos sólidos e a recuperação e proteção das margens. Esse é um aspecto social importante do projeto.  Estão sendo implantados 36 projetos básicos ambientais apresentados pelo Ibama que visam à eliminação, minimização e controle dos impactos ambientais provocados pela implantação e operação do empreendimento. Até abril já haviam sido executados 28% desses programas em cada um dos Eixos – Leste e Norte – do projeto de interligação das águas do São Francisco com o nordeste setentrional. Aí está incluída a construção de casas, 86 já prontas e 196 em construção para os residentes que tiveram seus lotes desapropriados em função da obra, assim como para comunidades indígenas e quilombolas. São as chamadas Vilas Produtivas Rurais, com área que permite a agricultura familiar. Ainda no âmbito dos programas ambientais estão sendo executados estudos do bioma da caatinga, abrangendo a fauna, flora e sítios arqueológicos e históricos, além de programas de educação ambiental e de apoio aos assentamentos ao longo dos canais.
Mais importante ainda, controle permanente da qualidade da água de todos os rios que compõem o sistema do projeto São Francisco. O objetivo é garantir a qualidade da água do São Francisco, também um projeto antigo que só entrou em execução com recursos do PAC. Parte dessas obras já foi concluída ou estão em estágio adiantado. Em vários trechos já se pode observar as margens do rio recuperadas e as nascentes de afluentes protegidas.
Com a revitalização a navegabilidade do São Francisco também será melhorada, inicialmente no trecho entre Ibotirama e Juazeiro, na Bahia, formando uma hidrovia para transporte de baixo custo dos produtos da região. O objetivo do governo é formar 320 quilômetros de hidrovias navegáveis. Todo esse conjunto de obras proporcionará às regiões beneficiadas o desenvolvimento de atividades econômicas.
Outra área que tende a crescer muito com a revitalização do rio é a pesca, em sua maior parte ainda artesanal ao longo do rio, e principal elemento de sustento de inúmeras famílias. Com a revitalização, o tratamento da água e o fim dos despejos de esgoto no curso do rio a tendência é a exploração da piscicultura em grande escala. Há hoje cerca de 70 mil pescadores artesanais ao longo do rio.   A perspectiva é de que a pesca venha a ser profissionalizada e o mercado de trabalho do setor tenha grande impulso. 
A revitalização do rio São Francisco abrirá novas perspectivas de geração de emprego e renda e promoverá o desenvolvimento regional com formas sustentáveis de produção agrícola e agricultura familiar. O incentivo à produção cooperativista ajudará as pessoas excluídas do mercado a desenvolver aptidões e aprender novas tecnologias e conhecimentos.  


O projeto da transposição


Sinergia hídrica e técnica moderna


A partir de dois pontos de captação no rio São Francisco, um em Cabrobó (PE) e outro no reservatório de Itaparica (PE), dois canais condutores – Eixo Norte e Eixo Leste, respectivamente – passarão a levar água para importantes açudes da região: Castanhão (CE), Armando Ribeiro Gonçalves (RN), Entremontes (PE), Pau dos Ferros (RN), Santa Cruz (RN), Chapéu (PE), Poço da Cruz (PE) e Boqueirão (PB).


Para beneficiar essa região, que é a mais seca do país, a captação de água do rio São Francisco será de cerca de 1,4% da sua vazão firme disponível. Em outras palavras, dos 1.850 m³/s de água que o rio São Francisco despeja permanentemente no mar serão retirados apenas 26,4 m³/s. Nos períodos em que o reservatório de Sobradinho estiver vertendo, poderão ser retirados até 127 m³/s para usos múltiplos, segundo outorga concedida pela Agência Nacional de Águas (ANA).
O Eixo Norte é composto por 402 km de canais artificiais, quatro estações de bombeamento, 22 aquedutos, seis túneis e 26 reservatórios de pequeno porte. Nesse eixo, ainda estão previstas duas centrais hidrelétricas junto aos reservatórios de Jati e Atalho, no Ceará, respectivamente com  40 MW e 12 MW de capacidade.
No Eixo Norte, o bombeamento da água vencerá uma altura de 160 metros. Uma vez atingido o divisor topográfico de águas entre bacias, o canal seguirá por gravidade (sem bombeamento), gerando energia elétrica no percurso até a calha dos rios intermitentes. Como resultado, o bombeamento equivalente será similar ao bombeamento dos projetos de irrigação do Vale do São Francisco. O custo da água no Eixo Norte, em termos operacionais, será inferior ao do Eixo Leste e, com o ganho de água decorrente da economia de parte das perdas por evaporação nos açudes receptores, haverá viabilidade do uso múltiplo da água.
O Eixo Leste terá cerca de 220 km indo até a Paraíba, levando água para o açude Poço da Cruz (PE) e para o rio Paraíba, responsável pela manutenção dos níveis do açude Epitácio Pessoa (PE), também chamado de Boqueirão. Esse eixo, além dos canais, compõe-se de cinco estações de bombeamento, cinco aquedutos, dois túneis e nove reservatórios. Com os dois eixos funcionando, o resultado final é o beneficiamento das bacias dos rios Jaguaribe (CE), Apodi (RN), Piranhas-Açu (PB-RN), Paraíba (PB.)
No Eixo Leste, a altura de bombeamento é mais elevada (300 metros para a Paraíba e 500 metros para o agreste pernambucano). A água terá utilização no setor urbano, onde a capacidade de pagamento viabiliza a sua transferência. Até dezembro as obras do eixo Norte terão pelo menos 42% executadas e as do eixo Leste 40%, enquanto as de responsabilidade do Exército, canais de aproximação e duas barragens estarão com 51% concluídos.


 


GEDDEL VIEIRA LIMA – Entrevista


A tarifa de demanda corresponde à divisão dos custos operacionais fixos pelos fatores de demanda. Os fixos são aqueles que ocorrem mesmo que não haja bombeamento de água e dividem-se entre: manutenção das instalações, obras e equipamentos; operação e administração; demanda de energia elétrica referente à potência instalada das estações de bombeamento. Os fatores de demanda correspondem ao rateio dos custos operacionais fixos entre os Estados beneficiados pelo projeto.


 


Geddel Vieira Lima


“O governo estuda
a criação de uma
espécie de operador  da transposição
do rio São Francisco, que poderá ser a
Águas do Nordeste Setentrional”


 


FMA – E a tarifa para os consumidores?
Geddel –  Este é um dado importante. A tarifa de consumo corresponde à divisão dos custos operacionais variáveis pelos fatores de consumo, que ocorrem quando há bombeamento de água e dividem-se entre: consumo de energia elétrica, encargos tributários; taxa de administração e demais gastos necessários para a prestação do serviço. Os fatores de consumo correspondem ao rateio dos custos operacionais variáveis entre os Estados beneficiados pelo projeto em função das vazões firmes contratadas e efetivamente consumidas.
Segundo a proposta apresentada à ANA a tarifa de leilão corresponde à tarifa paga pelas vazões não contratadas, que serão alocadas entre os Estados beneficiados por meio de leilão. O valor a ser pago será definido no leilão e deverá cobrir, no mínimo, os custos operacionais variáveis. O eventual lucro poderá ser utilizado para reduzir os custos operacionais fixos. Serão objeto de leilão as vazões excedentes e as vazões firmes não contratadas. No caso das vazões excedentes, a tarifa tenderá a ser mais cara quanto maior for a garantia de atendimento.
 
FMA – Quem vai operar tudo isto?
Geddel – O governo estuda a criação de uma espécie de operador  da transposição do rio São Francisco, que poderá ser a Águas do Nordeste Setentrional, que coordenará as obras hidráulicas e seus equipamentos eletro-mecânicos dos eixos Norte e Leste. Já existe um conselho gestor, com integrantes do governo federal e dos Estados receptores de águas (Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte) sendo o órgão responsável pela proposição do modelo de regulação e operação do empreendimento. 


 


Região especial


A irregularidade do regime pluviométrico


Os estudos do Ministério da Integração Nacional mostram que a região do semiárido apresenta características peculiares, destacando-se a irregularidade do regime pluviométrico. Em conseqüência, os açudes do Nordeste Setentrional acumulam o máximo de água que sua capacidade permite durante o período das chuvas, de três ou quatro meses ao ano, quando não há seca prolongada. Estudos realizados em 90 açudes da região demonstraram que cerca de 75% da água armazenada é perdida e que apenas 25% conseguem ser aproveitados para abastecimento humano e atividades produtivas.


O próprio ministro Geddel Vieira Lima explica que isso ocorre porque o uso da água acumulada nos açudes é controlado para que ela esteja disponível para garantir o abastecimento humano em uma eventual situação de escassez. No entanto, é possível afirmar-se que os resultados dessa gestão conservadora da água são ineficazes, à medida que parcela significativa da água acumulada nos açudes é perdida por evaporação ou é vertida quando ocorrem períodos de chuva sucessivos.
Para técnicos do Ministério da Integração o único modo de se assegura a garantia hídrica para a região, combatendo o desperdício de água, é a integração dos açudes com uma fonte de água permanente e de grande volume, que possa ceder uma parcela de sua água para perenizar os açudes e rios do semi-árido nordestino. Essa fonte é o rio São Francisco, que é perene e recebe água das chuvas na região central do Brasil.
Nisto consiste a sinergia hídrica proporcionada pelo projeto: permitir que a água acumulada nos açudes da região possa ser utilizada e reposta, sempre que se fizer necessário.  Os técnicos do Ministério garantem que um  empreendimento da dimensão do Projeto São Francisco assume caráter  estratégico, não se limitando às ações em  infraestrutura hídrica. Seu alcance vai além. Ao organizar e condicionar ações físicas e institucionais em perspectivas regional e local, contribui para o equilíbrio de oportunidades entre a população do semiárido.