Mão verde de Deus
21 de dezembro de 2009Como os dedos de uma mão, o Delta do Parnaíba é formado por cinco rios – Igaraçu, Tutóia, Melancieira, Canárias e Caju – que se abre para o mar.
Quem tem vontade de conhecer o delta do Rio Parnaíba, entre o Piauí e o Maranhão, em toda sua exuberância e belezas é bom se apressar. Uma das mais belas paisagens do litoral brasileiro está sendo engolida por assoreamentos dos mais variados. E pode perder seu encanto. Previsões de centenas de cientistas envolvidos no estudo da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, são negras. Depois de modelarem processos de grande escala global na Terra, como erosão e inundações, os cientistas chegaram a uma conclusão trágica: os deltas – e não só o do rio Parnaíba – estão afundando devido ao despejo de sedimentos de reservatórios, barragens, canais artificiais e diques. Sedimentos são varridos para o oceano e planícies costeiras, acelerando a compactação dos deltas.
Mudanças climáticas
Em 2007, a ONU já havia anunciado um trabalho apresentado no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, projetando que os deltas de rios por todo o planeta estavam ameaçados em razão do aumento do nível do mar. Pior ainda, o estudo afirmou que haveria conseqüências devastadoras para cerca de 500 milhões de pessoas que vivem em áreas de deltas espalhados por todos os continentes. O estudo atual da equipe da Universidade de Colorado, liderado pelo o professor James Syvitski, mostra que os fatores que estão levando ao desaparecimento dos deltas são induzidos pelo homem. A equipe, que utilizou dados de um satélite da NASA que varreu 80% da superfície da Terra, revela que as inundações tendem a aumentar em 50%. E mais: o aumento do nível do mar até o final do século, caso persistam os lançamentos de sedimentos nos oceanos, será de mais ou menos 18 centímetros. É o prenúncio de uma catástrofe planetária. Mesmo ainda longe de entender que o Delta do Parnaíba, hoje uma Área de Preservação Ambiental – APA está com os dias contados, a população local já sente na pele os efeitos do assoreamento. A APA, com 313 mil hectares compreendendo os Estados do Piauí, Maranhão e Ceará, com suas mais de 75 ilhas, foi criada pelo Governo Federal em 1996.
Um Delta de rara beleza e muitos problemas
Em seu depoimento, o professor e guia turístico Cláudio Reno explica que isso já acontece há muito tempo. Enquanto conversava sobre o assoreamento estávamos a bordo de uma lancha guiada por ele que de repente, encalhou no meio do delta, deixando um grupo de turistas e os jornalistas da Folha do Meio Ambiente apreensivos, principalmente, porque era noite.
A lancha encalhou próxima a ilha das Canárias. Felizmente Reno pode contar com a ajuda de Joca Vidal, um jovem empresário do segmento do Ecoturismo, para conseguir desencalhar a embarcação. Enquanto colocavam força, os dois não paravam de falar sobre o que está acontecendo ao delta. “Tem períodos do ano que não temos mais quase condições de navegar no delta. É muita areia, o que torna a navegabilidade um sério risco”, afirmou o guia na ocasião.
Joca Vidal também acha que a situação é grave, mas acredita que se houver um controle sobre a exploração dos recursos naturais do delta, ele poderá sobreviver. “Ainda se fosse feito um estudo sobre sua capacidade de carga, seria uma grande contribuição”, comenta.
Caranguejo: esgotamento da espécie
Pesquisadores comprovam: menos caranguejos e toca mais funda
No entanto, não é preciso ser técnico para saber que a sobrecarga de
poluentes sobre os ecossistemas do Delta, está acima do que se pode
chamar de racional. Basta ser um atento observador e ter bom censo. “O que se pode esperar de uma área costeira de 313 mil hectares em que se retira 20 milhões de caranguejos ao ano, se não o esgotamento da espécie?”, questionam.
É assim que se constrói a história do Caranguejo-Uça (Ucides cordatus) que diariamente saem do Delta pelo Porto dos Tatus, na Ilha Grande de Santa Isabel, em território piauiense e seguem para serem comercializados nas principais capitais do Nordeste, como Fortaleza, São Luiz e Teresina. E o pior desta história é que estudos comprovam que 30% da carga são perdidas devido às condições da viagem.
Porém, o que impressiona mesmo é saber que esse tipo de comércio existe desde a década de 80 e é feito por um único atravessador, conhecido por Chico do Caranguejo, que compra uma corda com quatro crustáceos das mãos dos catadores por um real e a revende em Fortaleza por, quinze reais.
A realidade é cruel: menos caranguejo e toca mais funda. Como não poderia ser diferente, os sintomas de degradação da espécie já estão surgindo. Um estudo realizado pelos pesquisadores João Marcos Góes e Lissandra Fernandes, ambos da Universidade Federal do Piauí, campus de Parnaíba, concluiu que nos últimos anos tem diminuído a quantidade de caranguejo e aumentado a profundidade da toca, levando os catadores a usarem algum equipamento na hora da captura. A maioria usa o cambito, uma espécie de espeto de ferro, proibido pelo Ibama.
Reserva Extrativista Marinha
Infelizmente os problemas da APA não param por ai. Na Ilha das Canárias, a maior ilha do delta e onde moram mais de três mil pessoas, hoje é uma Reserva Extrativista Marinha.
A Resex foi criada em 2000 com o objetivo de garantir a exploração sustentável das populações que vivem do extrativismo e a conservação dos recursos naturais, bem como desenvolver o potencial turístico da região. Porém, segundo estudo da pesquisadora Flávia Ferreira de Mattos, ?a inexistência de uma estratégia clara de integração da Resex com a dinâmica do local e com os programas de turismo gera dissonância?. Não precisa ir muito longe para ver claramente que a pesquisadora tem razão. Basta um passeio rápido pelo coração do Delta para se ter a certeza dos maus tratos.
Os turistas têm um raro prazer e um momento de paz e de contemplação ao percorrer os igarapés, conhecendo nichos de diversidade no coração do Delta. Uma importante dica: tenha espírito aventureiro, mas busque sempre guias turísticos profissionais.
MOMENTO DE CONTEMPLAÇÃO
Belo passeio por um ecossistema surpreendente
A lancha desliza pelas águas calmas dos igarapés da Ilha das Canárias até chegar a um trecho onde os riachos se estreitam. Ali não há espaço para a passagem de embarcações maiores que uma canoa. A paisagem de manguezais fartos de árvores gigantes, com exemplares até da Amazônia, impressiona pela beleza, pela diversidade e pela conservação do habitat.
É um momento de contemplação. Mata fechada que mais parece uma selva alagada, aves, pequenos animais e uma enorme jararaca enrolada na raiz de uma árvore. Bem na nossa frente, às margens do igarapé. Nem mesmo a provocação da tripulação fez a cobra reagir. Com certeza, estava de barriga cheia. Logo mais adiante, uma jibóia enroscada em outra árvore. E a canoa segue viagem revelando paisagens deslumbrantes e surpreendentes.
O cenário vai se modificando. Uma pequena rã, de cor amarela florescente, surge imóvel grudada numa folha bem verde. Era o verde-amarelo à espera de um inseto. Quando menos se espera, se houve grunhidos de macacos. São duas espécies – prego e bugio – que agitam a floresta pulando de galho em galho, como se estivessem avisando ao bando maior que havia gente estranha.
Prazer aos olhos, à mente e ao corpo. Momento de paz e de contemplação. Para conhecer esses nichos em pleno Delta, é preciso, além de disposição, ter espírito aventureiro e conhecer a pessoa certa para embrenhar-se pelos estreitos igarapés sem correr riscos.
Em nosso caso, recorremos ao Joca Vidal que tem um bom esquema para atender turistas. Vidal coloca em prática um safári seguro e inesquecível. Depois do adorável contato com os primatas, é hora de almoçar no restaurante Recanto dos Pássaros, na Ilha das Canárias.
O lugar é simplesmente paradisíaco e a refeição a base de peixe, camarão, caranguejo e muitas frutas. É ali também onde se pode aproveitar para mergulhar nas águas mornas e calmas da baia ali formada. A vontade é de curtir e parar o relógio. Deixar o tempo correr.
A Ilha dos Poltros, já no Oceano Atlântico, um lugar fantástico, repleto de dunas de areia branca que dói na vista e que, de tão altas se tornam irresistíveis a escalada para apreciar o mar. O lugar é inóspito. Tivemos a sorte de presenciar um barco de pescadores retornando de alto mar. Os peixes lotavam a embarcação.
Não há como descrever a revoada dos guarás vermelhos. É o retorno para o pernoite no santuário das árvores dos manguezais. Os guarás chegam em bandos e voam rasteiro sobre nossas cabeças. Com o crepúsculo, o alarido dos guarás diminui, as cores do por-do-sol se apagam e o silêncio volta ao Delta. A primeira estrela aparece no céu. Todo o fascínio de um dia de contemplação vai ficar para sempre em nossa retina. Que Deus e os homens salvem para sempre este lugar de magia e sedução. (T.M.)